Advogada denuncia juiz por assédio sexual e parcialidade em decisões
Do G1 MT
A advogada Flaviane Ramalho, que atua em Sapezal, a 473 km de Cuiabá, denunciou à Corregedoria-Geral de Justiça (CGJ) de Mato Grosso o juiz João Filho Portela de Almeida, atualmente lotado na 3ª Vara de Barra do Bugres, por suposto assédio moral e sexual, além de suposta parcialidade nos processos. Flaviane afirmou, ainda, que também protocolou a denúncia junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Tanto na CGJ quanto no CNJ, as investigações correm sob sigilo.
Ao G1, o magistrado negou as acusações da advogada e afirmou já ter apresentado defesa das acusações à Corregedoria de Justiça. João Portela alegou ainda ter protocolado representação contra a advogada no Tribunal de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil Seccional Mato Grosso (OAB-MT) e apresentou notícia crime sobre o caso junto ao Ministério Público Estadual (MPE).
Segundo a advogada, durante o período em que trabalhou em Sapezal, de 2012 a 2015, o magistrado a teria prejudicado em diversos processos, além de fazer insinuações sobre a beleza dela em todas as vezes que conversava com ele.
“Ele me prejudicava notoriamente. Tive mais de 20 processos em que ele não reconhecia meus recursos. Alvará que eu pedia, por exemplo, demorava um ou dois anos para sair, enquanto outros advogados conseguiam em, no máximo, um mês”, disse.
Flaviane conta que registrou, em 2014, reclamações junto ao Tribunal de Justiça de Mato Grosso e ao Conselho Nacional de Justiça de supostas perseguições feitas pelo magistrado, além de pedidos de exceção de suspeição. Em um dos pedidos protocolados pela advogada, ao qual o G1 teve acesso, Flaviane alega que o juiz agia com cerceamento de defesa em todos os processos e não deferia a produção de provas periciais e documentais nas ações.
Na denúncia feita ao TJMT e ao CNJ, a advogada relata que os assédios que teria sofrido começaram de forma sutil, em 2012, mas se tornaram mais frequentes após a homologação de divórcio dela, em 2014.
“Sempre que eu conversava com ele, ele fazia insinuações, olhava, falava ‘você é muito bonita, muito sexy, pode conseguir qualquer coisa’, mas eu fingia que não estava acontecendo nada para não sair como louca e não receber voz de prisão. O que eu ia falar? Ele é uma autoridade e eu, uma mera advogada”, afirmou.
Flaviane disse que chegou a sofrer de depressão devido às perseguições do magistrado, que, segundo ela, passou a usar um amigo, oficial de justiça daquela comarca, como porta-voz para continuar a assediá-la moral e sexualmente.
Em algumas ocasiões, os recados enviados pelo juiz e as sequentes discussões dela com esse oficial de justiça foram presenciadas por um de seus clientes, por outro oficial que atua na Comarca de Sapezal e por donos de estabelecimentos no município, uma vez que os recados seriam passados não apenas no fórum da cidade, de acordo com a advogada.
Um dos casos, conforme Flaviane, ocorreu em julho de 2015, em um bar da cidade, quando o oficial de Justiça a chamou para conversar, afirmando estar cumprindo ordens do magistrado, que também estaria no estabelecimento.
“Ele me falou que o juiz era louco e obcecado por mim e que eu só conseguiria liminares e sentenças se ficasse com ele. Ele disse que, enquanto isso não acontecesse, eu não iria conseguir nada com ele, nem sentença, nem liminar, mas que depois estava disposto a dar qualquer coisa que eu quisesse”, disse.
O caso está sendo acompanhado pelo Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Mulher, presidido pela defensora Rosana Leite e também pelo Conselho Estadual da OAB-MT, por meio da presidente da Comissão da Infância e Juventude, Tatiane Barros.
“Iremos acompanhar para ver o deslinde da questão, quais as provas que serão colhidas lá dentro, apesar de ser um procedimento sigiloso. Queremos saber o que vai acontecer diante de tudo que estamos encaminhando”, disse a defensora pública Rosana Leite.
Segundo a conselheira Tatiane Barros, a OAB deve acompanhar o caso até a instância final. “Essa denúncia foi encaminhada para o Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB, foi aberto um procedimento, que vai ser analisado pelo Conselho de Ética e pode seguir para o Conselho Seccional. Se o Tribunal de Ética achar por bem, deve acionar o Ministério Público para investigar”, disse.
Atendimento a portas abertas
Em entrevista ao G1, o juiz afirmou que os pedidos de exceção de suspeição impetrados pela advogada foram todos arquivados e que, em um dos pedidos, Flaviane teria relatado que João Portela jamais a teria atendido no gabinete, apenas em salas de audiências com portas abertas e, na maioria das vezes, acompanhado de um servidor.
“Ela diz que eu a assedio, mas, concomitantemente, ela mesma escreve que o meu atendimento em relação à ela e a qualquer advogado é feito de forma absolutamente transparente. Eu tenho certeza que quem tem intenção de fazer qualquer procedimento errado, notadamente propostas de ordem sexual, não ia fazer atendimento em um lugar aberto e na presença de funcionários e servidores”, afirmou.
O magistrado nega que tenha pedido, ordenado ou feito qualquer solicitação para que o oficial de Justiça da comarca de Sapezal desse recados à advogada, afirmando que a relação dele com Flaviane e com todos os demais advogados, naquele município, “sempre foi estritamente profissional e respeitosa”.
João Portela também negou que seja amigo do oficial de Justiça citado por Flaviane, na denúncia feita ao TJMT, como o responsável por passar recados do magistrado. De acordo com o juiz, o assédio em um bar do município, em julho de 2015, não ocorreu.
“Não havia necessidade de mandar qualquer modalidade de gracejo ou elogio para essa pessoa ou qualquer advogada. Não tem relação com a minha forma de proceder, muito menos ainda deixar de cumprir atribuições do meu cargo para trocar favores sexuais por provimentos favoráveis”, afirmou.
Outras denúncias
Após a denúncia de Flaviane Ramalho se tornar pública, a advogada relata que passou a ser procurada por outras mulheres que supostamente teriam sido vítimas de assédio sexual do juiz João Portela, tanto em Sapezal quanto em um órgão público de Mato Grosso do Sul, onde ele trabalhava em estágio probatório antes de ser aprovado em concurso público para juiz.
Conforme a advogada, entre as vítimas estão duas copeiras e ex-estagiárias do magistrado. João Portela também rebateu essas acusações, afirmando que em sua ficha profissional constam apenas elogios em função do trabalho desempenhado e acusa a advogada de estar “cooptando” pessoas a fim de prejudicar e ofender a sua imagem, tanto socialmente quando perante ao Tribunal de Justiça.
“Isso chama-se assédio judicial, quando uma parte envolvida no processo tenta cooptar pessoas por meio de manobras espúrias, erradas, para prejudicar outra pessoa”, disse o magistrado.
Uma das pessoas que a procurou, conforme Flaviane, foi uma assistente social que atuou no órgão público de Mato Grosso do Sul por onde o magistrado passou no ano de 2010. À reportagem, a mulher, que prefere não ser identificada, afirmou que decidiu falar sobre os casos que tinha conhecimento em apoio à advogada.
A assistente social disse, segundo a advogado, ter recebido reclamações, àquela época, de algumas funcionárias do órgão público que afirmavam que estariam sendo assediadas pelo magistrado quando entravam no gabinete dele.
As denúncias, de acordo com ela, foram repassadas à chefia do órgão, na ocasião, mas teriam sido abafadas para não sujar a imagem da instituição e a ficha funcional de João Protela, que se encontrava em estágio probatório e aguardava aprovação no concurso feito para o cargo de juiz em Mato Grosso.
“Quando ele foi embora, foi um alívio para todo mundo, porque a pessoa entrava na sala, ele trancava a porta e tentava abraçar, beijar. Esse tipo de assédio que ocorreu. Ele deu depoimento no órgão e foi tudo abafado. E ele está procedendo da mesma forma, saindo de vítima, dizendo que é calúnia. Na época, eu disse que ele era um tarado sexual. E eu dizia que ele ainda teria um cargo maior e que ainda veríamos histórias a respeito. Tanto que, quando vimos aqui, ninguém ficou surpreso. Mas as pessoas temem e não querem se manifestar”, afirmou.
A copeira que atuava naquela instituição, à época, relatou, em ata notarial registrada em um cartório de Campo Grande, que o juiz sempre a assediava quando ela entrava em sua sala para servi-lo. De acordo com a mulher, que atualmente tem 54 anos e prefere não ser identificada, em uma das ocasiões, o magistrado a teria obrigado a pegar em seus órgãos genitais.
“Quando chegou outro dia, ele me pediu para fazer [sexo] oral nele e eu fiquei indignada, já estava saturada […], falei com a minha chefe, aí explodiu e todo mundo ficou sabendo. Ficou por isso mesmo e eu acabei sendo demitida do meu emprego três meses depois”, afirmou.
João Portela afirmou que passou pela instituição de Mato Grosso do Sul de dezembro de 2009 a junho de 2012, mas que nunca respondei a processo administrativo disciplinar e que, quando precisou de referências para assumir o cargo de juiz, o órgão disse que não tinha conhecimento de nada que o desabonasse, seja no trabalho ou do ponto de vista ética.
“A investigação social que o Tribunal de Justiça realizou no nosso concurso durou cerca de 7 meses. Esse fato que ela diz ter ocorrido em 2010, há mais de seis anos, me causa perplexidade. Tenho família, pessoas que me deram base e tenho filhos, de 6 e 9 anos, que certamente sempre terão orgulho da forma de proceder do pais que eles têm. É uma situação que te expõe, e eu volto a reafirmar: o que tem ocorrido dessas novas divulgações é o que os estudiosos de direito chamam de assédio judicial”, disse.
Ocorrência em Sapezal
Uma mulher de 30 anos, que trabalhou como copeira no Fórum de Sapezal, também registrou boletim de ocorrência contra o magistrado, em outubro deste ano, afirmando ter sido assediada por ele em junho de 2014 e que, depois de ter recusado fazer o que o magistrado pedia, se viu demitida e proibida de entrar no fórum.
Na época dos fatos, a então copeira registrou um boletim de ocorrência afirmando que havia sido proibida de entrar no fórum do município no dia 27 de junho de 2014, após ter sido dispensada do emprego pela gestora geral do fórum no dia anterior. No boletim de ocorrência registrado em outubro passado, a mulher alterou o seu depoimento, afirmando que foi assediada pelo juiz pelo menos três vezes e que os fatos teriam ocorrido em 30 de junho daquele ano.
“(…) certa vez deu selinho na boca e fechou a porta do gabinete com a mão, outra vez puxou o seu cabelo e forçou um beijo na boca e esfregou o rosto dela em cima das genitais dele (ele com roupa) e outra vez beijou o seu pescoço”, afirmou a ex-funcionária, no boletim de ocorrência.
Ela alegou, ainda, que tinha conhecimento de que o magistrado havia assediado estagiárias menores de idade no fórum, assim como teria namorado com uma delas, e que também pedia a ela que pegasse o telefone das menores que trabalhavam no local para passar para ele. No documento, ela diz que somente decidiu relatar o assédio sofrido agora porque viu que não seria a única vítima do juiz.
À reportagem, o magistrado afirmou que as declarações dadas pela copeira são mentirosas. Segundo ele, no dia 30 de junho de 2014 nenhum dos dois estava presente no fórum. “Eu não estava no fórum e nem ela, porque ela já não trabalhava mais. Eu estava de férias compensatórias até o dia 4 de julho. No dia 27 de junho eu comuniquei ao meu superior que não estaria em Sapezal pelo usufruto de compensatória”, disse.
Segundo o magistrado, a gestora geral do fórum afirmou, em certidão emitida no dia 1º de novembro deste ano, que dispensou a então copeira porque ela não estaria cumprindo ordens e tarefas e que nem a funcionária quanto qualquer outro servidor ou estagiário apresentou queixas por conduta inadequada ou assédio sexual por parte do magistrado.
“Ela cumpriu o aviso prévio em casa. A gestora notificou a empresa terceirizada, no dia 1º de julho de 2014, de que a copeira foi dispensada das atividades a partir do dia 30 [daquele ano], apesar de que ela já estava em casa desde o dia 26. O aviso prévio dela em casa começou no dia 25 de junho. Ela foi dispensada porque não lavava garrafas, deixava a pia suja de um dia para o outro, pelo o que eu me recordo”, disse.
O juiz afirmou que estuda, juntamente com os advogados e a Associação Mato-grossense dos Magistrados (Amam), a adoção de outras medidas judiciais contra a advogada.