Rio Araguaia: mais emoção do que supõe nossa imaginação
Agência O Globo
Seu Carrijo tinha 11 anos quando ia com o pai para o garimpo, atividade que exigia mergulhos com escafandro no rio Araguaia, a 30 m de profundidade. Os anos se passaram, o nível da água baixou, as pedras preciosas escassearam, mas o rio nunca o deixou. Hoje, aos 60 anos, Valdemar Carrijo acompanha grupos de viajantes que seguem Araguaia abaixo, em expedições de quatro dias.
Com mais de 2.000 km, esse curso d’água do oeste goiano é protagonista de um roteiro turístico conhecido como Vale do Araguaia. Por ali, o rio é mutante e abriga experiências como corredeiras em cânions estreitos (em Baliza), praias urbanas de rio e águas termais (Aragarças), acampamentos de charme (Aruanã) e uma cidade exclusiva para prática da pesca esportiva (Luiz Alves), num rio já considerado um dos mais piscosos do mundo.
Prainha, cascata e trilha
E a cada curva sinuosa, nunca se sabe o que vem pela frente. Faixas de areia que brotam do fundo do rio, dando origem a praias minúsculas; cachoeiras a desaguar; cascatas, naturalmente quentes, que escorrem por veios rochosos; trilhas que levam a poços que viram piscinas naturais; e corredeiras vencidas numa espécie de rafting para principiantes.
Em Goiás, o Araguaia é uma espécie de divisor natural entre o Cerrado, o Pantanal e a vegetação amazônica, passando por Mato Grosso, Tocantins e Pará. A viagem pelo rio, que na cheia chega a se alargar até 60 km, começa em Mineiros, no extremo sudoeste de Goiás, a 420 km de Goiânia. Ali ele nasce: na Reserva Particular do Patrimônio Natural Nascentes do Rio Araguaia.
Localizada dentro da fazenda Jacuba, a principal nascente pode ser visitada a partir de uma trilha curta por mata fechada que dá acesso a um poço escondido, de onde saem águas de correnteza apressada, em direção ao norte de Goiás. A visita integra o roteiro do Parque Nacional das Emas, Patrimônio Mundial da Unesco, onde se veem animais como ema, veado-campeiro e lobo-guará.
A reserva funciona como um corredor natural que conecta o Cerrado e a Amazônia. Assim, a fauna se deixa ser vista, facilmente. Em área urbana de Mineiros, não é raro ver casais de araras sobrevoando nossas cabeças. A 220 km ao norte, em Baliza, o viajante percebe melhor por que aquele rio é orgulho goiano. O que era uma nascente discreta se transforma num longo corredor estreito que rasga rochas talhadas, dando origem a um cânion natural, em meio ao Cerrado. Nada por ali lembra as praias urbanas de outras áreas do Araguaia.
Com acesso pela Barra do Ribeirãozinho – distante 15 km –, no Mato Grosso, limite com Goiás, essa versão do Alto Araguaia pode ser explorada em expedições turísticas que descem 70 km, rio abaixo. De julho a outubro, na época da vazão, o Jangadão Ecológico, que opera desde 2008, reúne, por quatro dias, visitantes que não se contentam com as facilidades ribeirinhas de outras paragens do Araguaia e acampam ali, em cenários pouco explorados. As responsabilidades do turista são remar, transportar bens pessoais e armar sua barraca.
No ritmo ora sereno, ora nervoso das águas do rio
Não muito longe – a uns 60 km – da região dos cânions, a calmaria dá lugar a um agito que nem sempre agrada a quem procura cenários inexplorados. Localizada no limite com Barra do Garças, no Mato Grosso, Aragarças é endereço das únicas praias urbanas do Araguaia, na margem direita do rio.
Erguida como povoado de garimpeiros de diamantes, a 420 km de Goiânia, a cidade se orgulha da bem-estruturada avenida beira-rio com bares e restaurantes, que têm mesas e cadeiras fincadas nas águas da praia Quarto Crescente. O caos típico de destinos fronteiriços, contudo, desagrada a quem busca tranquilidade.
Mas a 22 km dali o Araguaia volta a assumir seu ritmo natural (e sereno). A região de Aragarças tem se destacado por suas propriedades medicinais, como o Complexo Ecothermal Água Santa, onde uma mina de água quente termal abastece as banheiras dos chalés e o poço do Tomás, uma piscina natural a temperaturas de 35°C a 40°C.
Se Aragarças é o centro nervoso do Araguaia, Aruanã é o coração. Principal porta de entrada da região, a cidade é um dos mais bem-estruturados destinos ribeirinhos do oeste goiano, onde a população de 22 mil habitantes vê chegar 300 mil visitantes só em julho.
É em Aruanã também que deságua o Vermelho – o rio de águas mansas sobre o qual a poetisa Cora Coralina escreveu poemas inspiradores sobre sua Casa Velha da Ponte, em Goiás Velho, onde ele nasce. Aliás, o agito de motos aquáticas e barcos que congestionam o Araguaia dá lugar a outros ritmos no rio Vermelho, onde as praias são áreas de refúgio.
Para refeições em Aruanã, vá ao Panelinha Vale, conhecido pelos pratos servidos na panela, com opções de carne de sol, linguiça de pernil, camarão, pequi, guariroba e manteiga de garrafa.
Atenção a arraias e piranhas
Preserve. Não custa lembrar que, ao visitar regiões de matas e rios do interior do país, deve-se estar atento à fauna e à flora.
Perigo. No caso do Araguaia, há pelo menos dois peixes que merecem cuidado. Um deles é a arraia – embora mansas, elas atacam quando se sentem ameaçadas, dizem especialistas. A recomendação de pescadores, guias e ribeirinhos é que o visitante entre na água arrastando os pés, para dar tempo de elas fugirem e não correr o risco de pisar nelas. O cuidado maior deve ser em terreno arenoso, onde elas podem ser encontradas na vazão baixa.
Dentes afiados. Outro animal que exige atenção é a piranha-vermelha, comum no Araguaia, principalmente em área de água parada. De qualquer forma, seja qual for a atividade a realizar na região, a dica é consultar sempre um guia ou um morador local sobre os pontos seguros para o banho.
Pescadores vão rio acima ao encontro dos peixes
Por conta da alta concentração de peixes, o Araguaia volta e meia entra nas listas de rios mais piscosos do mundo. A extensa lista de espécies inclui matrinxã, pacu, piau e traíra, além do pirarucu (cuja pesca é proibida) e da corvina, que traz uma ou mais pedrinhas na cabeça, muito usadas em adornos, como cordões. Ainda entre as espécies, há peixes de couro como filhote, cachara, barbado, surubim-chicote, jaú, bico-de- pato e mandi.
São tantos que o Araguaia tem até um destino preparado exclusivamente para praticantes da pesca esportiva. A 530 km de Goiânia, Luiz Alves é o distrito de São Miguel do Araguaia que faz turismo com varas, linhas e molinetes. Ali o rio apresenta alguns de seus melhores pontos de pesca, com temporada de março a outubro, fora da época da piracema.
Hotel e pesca num pacote
Tudo naquele trecho gira em torno da pesca. A começar pelas opções de hospedagem, que vão desde os tradicionais acampamentos na beira do rio até os barcos-hotéis, que fazem longos roteiros Araguaia adentro.
Luiz Alves fez do rio seu melhor negócio e, durante a temporada de pesca, tem dez opções de hotéis flutuantes. Como o Arara Azul, uma embarcação imponente de três andares – dessas que a gente costuma ver subir e descer rios amazônicos – equipada com dez cabines para até três pessoas cada.
As viagens, todas com seis dias de duração, estão disponíveis apenas para grupos fechados que fretam o barco, incluindo refeições, tripulação e combustível.
Luiz Alves é um dos últimos destinos ribeirinhos antes de o Araguaia se bifurcar para dar origem à ilha do Bananal – Reserva da Biosfera pela Unesco e maior ilha fluvial do mundo.
Jangadão
Tour fluvial ecológico
Em operação desde 2008, o Jangadão Ecológico reúne 25 botes, acompanhados de canoas para travessias. “É viagem para quem está disposto a remar todo o dia e viver em meio à natureza”, descreve o organizador Nélio Silva Carrijo, sobrinho de Valdemar. A travessia de quatro dias custa R$ 550 por pessoa e inclui as refeições e equipe de apoio. Inf.: www.trilhasdocerrado.com.br.
Hotelaria
Charme rima com rústico
Assim como o curso do rio, as opções de hospedagem são variáveis. Naquelas águas, luxo pode significar tendas com ar-condicionado, área social decorada com peças artesanais e jardins montados no interior de velhas canoas de madeira. Esse é o clima ribeirinho no Acampamento de Charme Lua Cheia, de Ricardo Trick, organizador de festivais em Pirenópolis e Goiânia.
Indígenas
Artesanato e cultura carajás
Em terra firme, não deixe de visitar parte da Aldeia dos Carajás, grupo indígena das margens do rio Araguaia que mantém uma casinha com objetos à venda, no centro de Aruanã
“Aqui não é uma loja comercial, é um projeto de resgate de nossa cultura”, avisa Raul, o cacique de 60 anos e voz mansa que cuida da comercialização das peças.
Serviço
Como chegar
Avião. A Gol tem voo direto BH/Brasília a partir de R$ 445,80; e a Latam, a partir de R$ 379,80.
Carro. A distância de Aruanã a Goiânia é de 314 km, e até Brasília, 480 km. A diária de carro, com quilometragem livre, varia a partir de R$ 50. Tarifas para baixa temporada.
Onde ficar
Luiz Alves:
Pousada Rei das Piraíbas. Diárias de R$ 100 (c/café) ou R$ 200 (pensão completa). pousadareidaspiraibas.com.br
Aruanã:
Acampamento de Charme Lua Cheia. Aluga para grupos (comporta até 50 pessoas) com diárias a partir de R$ 1.500 na baixa estação. Reservas: (62) 98422-0297.