Filme que conta história real de cidade perdida em MT estreia este mês
Água Boa News
James Gray tem efetuado um percurso interessante como diretor. Seus primeiros filmes foram aclamados por se apropriarem das regras do cinema de gênero para oferecer histórias pequenas, intimistas, psicológicas. Ao invés de se focar na carnificina das tramas de máfia, preferia posicionar a câmera no corredor ao lado de um assassinato. Era um cinema discreto, construído em torno das atmosferas e sugestões. Isso mudou radicalmente com Era uma Vez em Nova York, produção movida pela nostalgia de reproduzir o cinema de antigamente (ao invés de homenageá-lo com as ferramentas de hoje), em grandes proporções, com tomadas ostensivas e fotografia herdeira dos anos 1920.
Os exploradores procuram um coronel britânico que desapareceu tentando encontrar a lendária cidade Z, na região da Barra do Garças, no Mato Grosso, Pantanal do Brasil, em 1925.
Esta megalomania também anima The Lost City of Z, um épico que busca reproduzir as sensações de filme de aventura de décadas atrás. A história gira em torno do explorador Percy Fawcett (Charlie Hunnam), que no início do século XX fez expedições à Amazônia ao lado de Henry Costin (Robert Pattinson) e do filho Jack Fawcett (Tom Holland) para provar a todos a existência de uma civilização nunca antes encontrada, com conhecimentos avançados e reserva inesgotável de ouro. No caminho, enfrentou a fúria dos índios e, depois de uma série de viagens ao local, desapareceu.
Percy não é um explorador cruel, disposto a matar índios para encontrar sua mítica Eldorado. Ele afirma, em diálogos didáticos, que considera os índios como iguais aos europeus, que somos todos “feitos da mesma carne”, diante de um grupo de intelectuais britânicos rindo de sua cara.
O terreno é alegremente maniqueísta: o colonizador é um homem bom, belo, destemido e forte, diante de uma porção de homens velhos, conservadores e arrogantes. É fácil se identificar com ele, por ser o único de valores humanos, nadando contra a corrente em busca de um ideal. Em outras palavras, o protagonista corresponde ao arquétipo do herói clássico, que passa por provações para provar valores que, ao público do século XXI, já foram plenamente comprovados. Sabemos que a História está do lado de Percy.
Isso significa que The Lost City of Z é um projeto progressista, oferecendo uma leitura generosa das sociedades ao sul do globo? De modo algum. O protagonista não possui nenhum interesse real nos índios, nem na região percorrida. Ele deseja encontrar a cidade de Z inicialmente para resgatar a honra de sua família, depois para resgatar a glória do Reino Unido, e por afim apenas para provar que não era louco.
Em anos de viagens e idas e vindas, Percy não trava amizade com nenhum índio, seu conhecimento da cultura local se limita a pequenos fragmentos de artesanato, e se mostra incapaz de dizer alguma palavra além de “A-mi-go!” aos “selvagens” dez anos depois de sua primeira expedição.
O roteiro também não se preocupa em conferir humanidade a nenhum índio. Um personagem faz uma pergunta essencial ao explorador: “O que você pretende fazer quando encontrar a cidade perdida?”. Este talvez seja o questionamento essencial da história, a respeito das reais motivações e consequências destas viagens. Percy não responde, e o filme tampouco se preocupa em fornecer uma reflexão a respeito. Gray permanece no ímpeto aventureiro de descobrir, de capturar uma beleza diferente. “A cidade está logo ali!”, grita Percy a uma sociedade científica.“Basta ir buscá-la”, faltava dizer.
Estamos na lógica da apropriação da alteridade: o protagonista quer possuir o que acredita não ter dono, do mesmo modo que a direção contamina a sua imagem com o exotismo das paisagens e das tribos desconhecidas. Em nenhum momento conhecemos o olhar dos povos que já existiam no local. Os índios integram a paisagem assim como as cachoeiras e as árvores.
James Gray mostra-se perdido entre as intenções de criar um filme de aventuras retrô e uma produção independente, questionadora. A narrativa é entrecortada por cenas de ação em grande escala, enquanto a fotografia resgata a granulação da película e a fotografia em cores quentes que transforma o céu num borrão amarelado. Talvez o resultado seja lento demais para o público de blockbusters, e padronizado demais para o público de arte, com suas frases de efeito e passagens velozes, sintoma de uma adaptação incapaz de abrir mão de passagens do livro.
Pelo menos, Robert Pattinson e Tom Holland mostram-se dois ótimos atores, e existe uma tentativa louvável de transformar a esposa de Percy, Nina (Sienna Miller) em uma mulher forte e protofeminista. Mas James Gray se sai melhor quando dedica mais tempo aos personagens do que à beleza dos cenários. E o cinema do século XXI não precisa de mais uma ode romantizada ao colonizador de bom coração.