Fazenda produtora de mel é destaque em reportagem do jornal O Estado de S. Paulo
O Estado de S. Paulo
Há uma década, Roberto Libera resolveu que não queria mais abrir áreas de pastagens na Fazenda Paraná, propriedade com 34 mil hectares no alto da Serra do Roncador, em Mato Grosso. As 10 mil cabeças de gado exigiam novos pastos, mais distantes das estruturas existentes e seriam necessários novos investimentos e desmatamento. Libera tentou, então, fazer diferente. Resolveu recuperar o solo já degradado, plantando acácias.
Sua expectativa era, além de usar as árvores de origem australiana para fixar nitrogênio na terra e criar húmus, vender a madeira para móveis ou lenha e transformar folhas em ração para o gado. Um efeito colateral, porém, mudou totalmente seu negócio. As acácias atraíram tantas abelhas que, em breve, Libera, de 64 anos, deverá se tornar o maior produtor de mel do Brasil. Sua expectativa é, em seis anos, faturar mais com a apicultura da Casa Roncador do que com o gado. “Nunca mais cortamos um pé de árvore”, diz ele, que hoje tem mais de 1 milhão de acácias plantadas.
Apesar de ser um caso único, a Fazenda Paraná reflete uma tendência que vem se consolidando no agronegócio brasileiro: a da integração lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Pesquisa realizada pela consultoria Kleffman Group para a Rede de Fomento ILPF, na safra 2015/2016, mostrou que o sistema já é adotado em 11,5 milhões de hectares – ou 5,5% das áreas sob uso agropecuário no Brasil –, com crescimento de quase 20% ao ano, desde 2005. A expectativa é superar os 20% da área total explorada em 2030. “Os benefícios aparecem de todos os lados”, diz Lourival Vilela, pesquisador da Embrapa.
Isso porque, ao colocar o gado em campos nos quais planta soja e milho, o produtor consegue, entre outras coisas, diversificar sua fonte de renda. Pesquisas feitas pela Embrapa e outras instituições também mostram o aumento da produtividade tanto do gado quanto dos grãos. Isso sem contar a redução do impacto ambiental, a diversificação da biodiversidade e a melhoria do bem-estar dos animais. Há ganhos ainda pela diminuição do êxodo rural e na maior geração de empregos.
Tantas vantagens, porém, não significam que a monocultura extensiva, realidade da maior parte dos campos explorados no País, esteja com os dias contados. “O maior ganho é não precisar aumentar a área desmatada porque a produtividade aumenta”, diz Vilela.
No caso de pecuaristas como Libera, a alternativa de diversificação faz todo o sentido, dizem os especialistas. “O ganho com pecuária é baixo”, afirma Plínio Nastari, presidente da consultoria Datagro. Enquanto a renda média anual com gado no País é de R$ 800 a R$ 900 por hectare, com milho ela sobe para R$ 2,4 mil, chega a R$ 3,6 mil com soja e vai a R$ 11 mil com cana. O pecuarista ganha mais dinheiro com a valorização da terra do que com o gado em si.
Mudança. “A pecuária, tradicionalmente, tem altos e baixos”, diz Libera. “Estamos sofrendo mais por causa da recessão, da Operação Carne Fraca e dos problemas com a JBS, mas de tempos em tempos é assim.” Essa instabilidade foi um dos motivos pelos quais, quando as primeiras caixas para abelhas colocadas com as acácias, há oito anos, ficaram cheias de mel, ele resolveu investir.
Engenheiro civil de formação, ele escolheu a acácia depois de pesquisar alternativas de recuperação do solo na internet, mas teve de descobrir sozinho como criar as mudas, já que não havia tradição no cultivo dessa árvore no País. Virou referência na área.
Também foi buscar treinamento para que os funcionários aprendessem a manejar as colmeias e produzir o mel. Desistiu de arrendar as terras para o cultivo de soja, por conta dos defensivos que ameaçavam as abelhas e a qualidade do produto. Tirou as autorizações sanitárias e legais e ergueu o entreposto, como são chamadas as fábricas da área. A unidade deve entrar em funcionamento no fim de agosto. No total, foram investidos cerca de R$ 5 milhões desde 2009.
O entreposto da Casa Roncador nasce com capacidade de processar seis toneladas de mel por dia, de maneira totalmente automatizada. Inspirada num sistema desenvolvido na Finlândia, a máquina que remove o mel dos favos consegue extrair 720 quilos por hora. A intenção é produzir 200 toneladas já em 2018 e atingir a plena capacidade, de 1,4 mil toneladas por ano, entre 2023 e 2025.
Para chegar ao objetivo, as 1,5 mil caixas com colmeias se transformarão em 30 mil, no mesmo período. Serão contratados 50 trabalhadores só para o manejo. “Hoje, é viável fazer três colheitas no ano, mas nosso objetivo é chegar a quatro”, diz Libera. Na Europa, há apenas uma ou duas, por conta do inverno rigoroso.
Libera pretende alcançar essa produtividade graças ao manejo intensivo das abelhas – é necessário, por exemplo, checar as colmeias a cada 16 dias para evitar uma fuga em massa – e as estratégias para sua multiplicação. Para que elas permaneçam na área, é preciso pólen, néctar e água. Um dos métodos usados pela Fazenda Paraná é fazer com que a área de preservação ambiental, obrigatória em 30 metros ao redor de rios e córregos, seja ampliada a 300 metros. Nos 270 metros restantes, estão sendo plantadas árvores nativas que floresçam em períodos diferentes das acácias.