Juiz de Barra do Garças culpa sistema e se diz suspeito para julgar ação de colega
Mídia News
O juiz Francisco Ney Gaiva, da 4ª Vara Cível de Barra do Garças, se declarou suspeito para julgar a ação de indenização movida pelo juiz Fernando da Fonseca Melo – que atua na mesma comarca – contra ex-dirigentes da Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT).
A suspeição foi declarada após a representação disciplinar movida pela ex-vice-presidente da OAB-MT, Cláudia Aquino, e pelo advogado Fabiano Rabaneda, na Corregedoria Geral do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
Na representação, a advogada acusou o juiz Fernando Melo de ter despachado no próprio processo em que é parte, apesar de ser o juiz Francisco Gaiva o responsável por conduzir a ação.
Por outro lado, o juiz Francisco Gaiva negou que Fernando Fonseca tenha despachado no próprio processo. O magistrado alegou que o caso foi “mais um dos problemas relacionados ao funcionamento do sistema PJE [Processo Judicial Eletrônico]”.
O juiz ainda argumentou que seu colega de magistratura “não seria insano” em despachar no próprio processo.
“A peça da representação em questão foi encaminhada sem se perquirir da real origem do despacho, sendo que o seu teor também é alvo de ataque pela peça denunciante, na via administrativa e não judicial”, disse.
Gaiva disse que, apesar de não ter, até então, nenhum impedimento para julgar o caso, a situação ocorrida o leva a se declarar suspeito “por motivo de foro íntimo”.
“Dessa forma, declaro a suspeição, devendo ser noticiado ao substituto legal subsequente quanto a tal fato, já que até o presente momento não há como bloquear o acesso ou efetuar o encaminhamento especifico”, decidiu.
Entenda o caso
No processo que originou a polêmica, o juiz Fernando Fonsêca pede indenização por conta dos supostos danos morais que teria sofrido em razão de um desagravo realizado contra ele em 2015.
Além de Cláudia Aquino, o magistrado também processou o ex-presidente da OAB-MT, Maurício Aude, os advogados Jair Roberto Marques (que pediu o desagravo), Fabio Capilé (relator do processo que culminou no ato) e Luiz da Penha (então presidente do Tribunal de Defesa das Prerrogativas da OAB).
Fernando Melo foi alvo de desagravo da OAB-MT, após alterar um alvará judicial para impedir o advogado Jair Roberto Marques de sacar os valores no processo de um cliente, por suspeitar que Marques não faria os repasses.
Na representação, Cláudia Aquino relatou que o juiz Fernando Melo foi intimado no processo para contestar a versão dos fatos apresentada por ela.
Todavia, o despacho da intimação foi emitido pelo próprio magistrado autor da ação e que, “por óbvio”, não poderia atuar no processo, “violando severamente suas atribuições funcionais e o inciso IV do artigo 144 do Código de Processo Civil”.
“Evidentemente, ao despachar no processo o representado atende seus interesses, já que determina a ele mesmo que se manifeste no prazo de dez dias”.
Além disso, a advogada alegou que no termo de audiência assinado pelas partes foi determinado prazo de cinco dias para a réplica e mais cinco para a tréplica. Na prática, o juiz só poderia se manifestar até o dia 16 de julho, e não somente agora.
“Certamente que no processo não há mais condições de ampla defesa, já que sendo o juiz titular do juizado e agindo desta forma, como poderemos ter uma decisão que seja justa e imparcial?”, questionou.
Na representação, Cláudia Aquino ainda afirmou que Fernando Melo tem usado de seu poder hierárquico para obter benefícios na ação.
“É importante dizer que o uso da estrutura restou bastante evidente quando, na audiência de conciliação, o juiz Fernando Melo disse para a conciliadora que o contrato dela estava vencendo e que teriam que renovar, tentando mostrar influência e poder perante aquela servidora”.
Para a ex-dirigente da OAB-MT, o processo movido pelo juiz contra os responsáveis pelo desagravo são motivados por “vingança”.
“Concluindo, o magistrado representado não poderia de forma alguma despachar no processo em que é parte, violando a imparcialidade do processo ao promover para si a devolução de um prazo que se esgotou, conforme se prova através da assinatura digital aposta no documento PJE -ID10170439. A lei veda, peremptoriamente, ao magistrado procedimento incompatível com a dignidade, honra e decoro de suas funções, devendo sempre manter conduta irrepreensível no exercício de suas funções”.
“A gravidade do ato praticado pelo magistrado representado, de despachar no processo em que é parte, juntamente com outros fatos praticados, como o de na audiência de conciliação dizer para a servidora contratada que ele precisava renovar o contrato dela, inclusive ao que ele mesmo escreveu: “(…) já que seus reclamos estão sendo reduzidos a termo por servidores do Poder Judiciário, não ocorrendo o suporte profissional técnico para assisti -la” mostra que a corregedoria do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso precisa agir imediatamente”.
Além de pedir para que a Corregedoria impeça o juiz Fernando Melo de atuar no próprio processo que move, Cláudia Aquino e Fabiano Rabaneda também requereram a instauração de sindicância ou processo administrativo disciplinar para apurar a conduta do magistrado, além de envio do caso ao Ministério Público Estadual (MPE) para apuração de possível ato de improbidade administrativa.
Outro lado
A Corregedoria-Geral da Justiça afirmou que irá apurar as circunstâncias em que o evento ocorreu, e adiantou que somente ao final da investigação poderá esclarecer “se houve falha de procedimento ou de sistema”.