País da impunidade: depois de matar 4, PM ganha quase R$ 5 mil e dorme no ar em Mato Grosso
Gazeta Digital
Na noite do dia 21 de junho de 2017 um homem entra numa boate no município de Brasnorte (579 Km a noroeste de Cuiabá) para se vingar da dona do estabelecimento, descarrega uma arma, mata 4 pessoas e foge numa motocicleta pilotada por amigo que o aguardava na parte externa. O autor da chacina: um policial militar que havia forjado um flagrante por tráfico de drogas no estabelecimento 4 meses antes, foi descoberto e como punição seria transferido para outra cidade.
De lá para cá, pouca coisa mudou para Rhael Jaime Gonçalves, 25, que continua na folha salarial da corporação recebendo um salário de R$ 4,6 mil e com direito a ar condicionado no quarto onde dorme na condição de ‘preso‘ no quartel do 7º Comando Regional da Polícia Militar, em Tangará da Serra (239 Km a médio-norte de Cuiabá). A instalação do ar condicionado foi autorizada pela Justiça de Brasnorte.
Em relação ao processo, embora o Ministério Público Estadual (MPE) tenha solicitado prioridade na tramitação, ainda está na fase de oitivas de testemunhas e envio de cartas precatórias para outras comarcas. Os réus já foram ouvidos, mas ainda não há previsão de quando será proferida uma sentença de pronúncia para que enfrentem júri popular, conforme defende o MPE na denúncia oferecida em julho do ano passado. O juiz responsável pelo caso é Victor Lima Pinto Coelho que também responde pela 1ª Vara da Comarca de Juína.
De concreto até o momento são as derrotas da defesa em 3 diferentes instâncias do Judiciário na tentativa de suspender a ação penal contra o soldado denunciado por 4 homicídios duplamente qualificados, por motivo torpe e recurso que dificultou a defesa das vítimas.
O advogado do réu, Wellington Pereira dos Santos, vem tentando, sem sucesso, exigir a realização de um exame (incidente de insanidade mental) com objetivo de mostrar que Rhael ‘não sabia o que estava fazendo‘ quando entrou na Boate Cinthia Drinks e matou todas as pessoas que encontrou pela frente. E, que, portanto, sob a ótica da defesa, seria um inimputável e não deveria ser processado e nem condenado futuramente por tais crimes.
Pedidos de habeas corpus para exigir o exame foram rejeitados pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso (decisão unânime) e pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). ‘O exame de insanidade mental torna-se obrigatório apenas nos casos em que há dúvida razoável acerca da rigidez mental do agente. A alegação de o paciente sofrer com quadro depressivo e ter dependência química, isoladamente, não obriga a instauração do incidente de insanidade mental‘, diz trecho do acórdão da 1ª Câmara Criminal do TJ, sob relatoria do desembargador Orlando de Almeida Perri.
Na ação penal, que tramita na Vara Única de Brasnorte, também é réu o açougueiro e topógrafo Lucas Rafael Fernandes, 27, comparsa que pilotava a motocicleta no dia da chacina na boate. Lucas está preso no Centro de Detenção Provisória de Juína (735 Km a noroeste de Cuiabá) e também foi denunciado por 4 homicídios duplamente qualificados. Ele ainda responde por porte ilegal de arma de fogo de uso permitido.
Na chacina foram mortos Adilson Matias, 46, Maria Auxiliadora dos Santos, 42, Marlene dos Santos Marques, 40, e Bruno Feitosa Comin, 22. Maria Auxiliadora era a dona da boate. Na época, o filho dela conversou com o Gazeta Digital e relatou que o policial chegou atirando e todos que estavam lá dentro morreram.
Após o crime, o soldado Rhael Gonçalves foi preso e transferido para Tangará da Serra. Por lá, foi autorizado (pelo juiz de Brasnorte) a trabalhar em atividades internas do 7º Comando Regional da Polícia Militar, sob orientação e fiscalização do comandante do batalhão. Também recebeu autorização para instalar um aparelho de ar condicionado no quarto onde dorme, desde que o aparelho fosse doado, sem ônus, pelo preso ao 7º Comando Regional. A instalação e manutenção devem ficar a cargo de Rhael, enquanto estiver custodiado.
Uso de droga não torna o réu inimputável
O juiz responsável pelo processo na Vara Única de Brasnorte, Victor Lima, foi o primeiro a negar o trancamento da ação penal e não permitir a realização do incidente de insanidade mental solicitado, insistentemente, pela defesa. O magistrado se amparou no fato de que Rhael foi submetido à avaliação psicológica para ingressar na Polícia Militar e foi considerado apto para a função.
‘Nesse contexto, ante a documentação juntada ao feito e ora delineada, não verifico, por ora, os indícios suficientes da insanidade mental alegada pela defesa. Isso porque, extraio da referida documentação que Rhael possivelmente é usuário de entorpecentes, o que não retira a capacidade do mesmo para compreender ilícitos, considerando ainda que o ato criminoso ao menos em tese perpetrado por aquele se constrói de provável premeditação, elaboração e, por fim, execução, o que demonstra que seu agente tinha regular capacidade para articular todo o ilícito em exame‘, despachou Lima.
Motivação torpe e flagrante forjado
Na denúncia assinada pelo promotor de Justiça, João Marcos de Paula Alves, o MPE destaca que a qualificadora da motivação torpe está caracterizada já que o crime foi cometido por vingança. Consta na peça inicial que dias antes da chacina, foi determinada pelo Comando da Polícia Militar a transferência do soldado Rhael, de Brasnorte para outro município, justificada por outro fato ocorrido na Boate Cinthia Drinks, em 12 de fevereiro de 2017. ‘Após a conclusão das investigações pela Polícia Civil nos autos do inquérito policial código n° 64350, foi imputada ao policial militar a prática de flagrante forjado por crime de tráfico de drogas (inexistente), ensejando a instauração de sindicância perante a Corregedoria da PM, sem prejuízo da instauração do respectivo inquérito policial por abuso de autoridade e denunciação caluniosa.‘, consta na denúncia.
Processo de demissão da Polícia Militar
Em ofício encaminhado ao juiz do caso, a Corregedoria da Polícia Militar informou que foi aberta uma sindicância demissória para apurar o fato. ‘Entendemos que o conceito do militar em tela é insuficiente para exercer a profissão de policial militar‘, consta no documento.
Ao , a assessoria justificou que o fato de permanecer recebendo salário não é uma questão de competência da Polícia Militar de Mato Grosso. ‘Somente a justiça, depois de julgá-lo, pode suspender o salário dele. Ele responde na justiça criminal comum por homicídios, já que as mortes não foram em decorrência de trabalho policial‘, destaca.
Pontua ainda que administrativamente a PM o submeteu a uma sindicância demissória, porém em virtude argumentação de insanidade por parte da defesa, a PM aguarda produção de laudo pericial.