Trânsito já matou 400 este ano em MT e um sobrevivente relata como escapou
RDNews
Em um sábado de 2011, o ajudante de pedreiro Sandro Silva, então com 24 anos, quase morreu em um acidente de trânsito. Ele tinha acabado de tirar uma moto da concessionária e um amigo, motociclista, tinha pedido ajuda para transportar queijos de um sítio em Santo Antônio de Leverger a uma feira livre em Cuiabá.
Os dois trafegavam, cada um em uma moto, pela rodovia Palmiro Paes de Barros, que liga Cuiabá a Leveger, quando uma caminhonete S250 cabine dupla fez uma conversão irregular para entrar no bairro Nova Esperança, na Capital. Os pilotos das motos não conseguiram frear. O primeiro a atingir a caminhonete foi Sandro, que com o impacto foi arremessado para o outro lado da pista e caiu sobre o parabrisa de um carro de passeio que seguia para Santo Antônio. O amigo também não conseguiu desviar da S250, mas como estava mais atrás sofreu um impacto menor, trincou o tornozelo.
O condutor da caminhonete parou, segundo as vítimas, embriagado mas, ao ver a gravidade do acidente, fugiu. Populares socorreram os pilotos das motos e um vídeo foi divulgado para mostrar o trabalho do Samu.
Hoje, aos 31 anos, Sandro diz que renasceu. Ele ficou desacordado por 30 dias na UTI do Pronto-Socorro de Cuiabá, quando acordou percebeu que tinha perdido os movimentos da cintura para baixo. Ficou mais de 3 meses na Sala Vermelha da unidade tratando de uma infecção e esperando por uma cirurgia na bacia, que só conseguiu através de uma liminar que o transferiu para o Hospital Geral Universitário (HGU), mas era tarde de mais, o osso tinha se consolidado fora do lugar. “Os médicos tiraram toda minha esperança de voltar a andar. Foi uma época de muito sofrimento e dor”, afirma.
Depois de passar por seis cirurgias e muita fisioterapia, três anos em uma cadeira de rodas, Sandro conseguiu ficar em pé, depois dar os primeiros passos em um andador, mais tarde a andar de muletas e agora, com alguma dificuldade, faz caminhadas. “A única explicação é a fé”.
Casado desde 2008, Sandro tem um filho de 10 anos e uma caçula de 8 meses, que lhe dão força para seguir em frente. Há seis meses teve o benefício do auxílio-doença suspenso pelo INSS e, sem renda, sobrevive graças à ajuda de parentes e luta para se aposentar por invalidez. “Faço bicos, mas não consigo manter a renda da família, preciso da aposentadoria”, afirma.
O motorista da S250 nunca foi encontrado pelo oficial de Justiça, portanto não responde ao processo. “Por ironia ele é meu vizinho. Não tem habilitação, no dia do acidente tinha bebido e hoje continua fazendo mal para as pessoas no trânsito”, acusa. “Ele é empresário, tem certa condição, se tivesse prestado socorro talvez eu tivesse um atendimento melhor e hoje teria condições de trabalhar”, acredita Sandro.
Fechando esta Semana Nacional do Trânsito, Sandro aconselha condutores que respeitem as leis para tornar as ruas menos hostil. “Eu perdi 3 anos da minha vida por causa da imprudência de um motorista, esse tempo nunca vou recuperar, mas podemos ter um trânsito mais sadio, é só respeitar a lei”.
Violência no trânsito
Sandro escapou da morte, mas segundo a Secretaria Estadual de Segurança Pública (Sesp) de janeiro a agosto deste ano, 405 pessoas no Estado não tiveram a mesma sorte, morreram vítimas de acidentes de trânsito. Só na região metropolitana foram 99 vítimas fatais nos oito primeiros meses deste ano.
Dados da Delegacia Especializada de Delitos de Trânsito (Deletran) apontam que na maioria dos acidentes com mortes o motorista está embriagado. Segundo a Sesp, as principais causas de acidentes são a imprudência e embriaguez.
Desde o mês de abril, a Lei 13.546/2017 garante a aplicação de penalidades mais severas para quem for pego dirigindo sob efeito de álcool e causar acidente com vítima, mesmo que o teor alcoólico no organismo seja baixo de 0,34 miligramas de álcool por litro de ar expelido.
A alteração define que motoristas bêbados sejam enquadrados na lei por homicídio culposo (sem intenção de matar) cumpram pena de 5 a 8 anos de prisão, além de ter o direito de dirigir suspenso ou proibido. Antes da mudança, a pena era de 2 a 4 anos e o motorista envolvido podia ser liberado mediante pagamento de fiança.
Internações por acidentes no HPSMC
A Secretária Municipal de Saúde de Cuiabá (SMS) afirma que de janeiro a junho de 2018, a taxa de mortalidade hospitalar por acidente de trânsito no Hospital e Pronto-Socorro Municipal de Cuiabá (HPSMC) foi de 2,85% de um total de 1159 internações por “Acidente de Transporte”. O que significa 33 mortes em 6 meses.
Diz ainda que o HPSMC, no período de janeiro a junho de 2018, apresentou uma produção de 75.180 procedimentos com 8.320 internações. As “Causas Externas” representaram 38,25% (3183) do total das causas de internações ocorridas no período. Acidente de Transporte, que segundo a SMS constitui um dos maiores desafios para os gestores públicos, representou 36,41% (1159) do total dessas internações por “Causas Externas”. Com relação a procedência dos pacientes internados no HPSMC por “Acidente de Transporte” 42,27% (490) foram de outros municípios, sendo 55 de Várzea Grande.
Com relação ao perfil dos pacientes internados no HPSMC no período por “Acidente de Transporte”: 52,79% foram do sexo masculino e a idade com maior frequência foi entre 29 a 49 anos (67,97%), ou seja adultos jovens na sua maior fase produtiva e reprodutiva.
Dentre as internações por “Acidentes de Transporte”, ocorridas no período 72,82% foi devido a “Acidente de Moto”; 60,18% de residentes em Cuiabá e 39,82% procedentes de outros municípios (5,21% de Várzea Grande).
Para o presidente da Associação das Famílias Vítimas de Violência (AFVV-MT), Heitor Reis, o assunto é sério mas não tem pautado campanhas de políticos nesta eleição. Nem mesmo o governo e o município de Cuiabá têm promovido atividades para impedir a continuação do trânsito violento. “Somente por meio da Educação poderemos mudar esta realidade. E em todos os níveis de governo não ouvimos propostas para diminuir a violência no trânsito, quando algum político fala sobre o assunto só fala sobre a mobilidade”, critica.
A associação completa 20 anos em outubro e atuou em cerca de 1000 casos em Mato Grosso de forma voluntária dando suporte as vítimas ou familiares de casos de de morte por todo tipo de violência, em especial no trânsito. “Damos apoio social para os sobreviventes ao trauma e por meio de suporte, conversação e palestras mostramos que é possível seguir em frente e se fazer justiça”.
Segundo a Semob e o Detran, palestras em escolas e entidades parceiras foram realizadas durante toda a Semana Nacional do Trânsito com o tema “Nós somos o trânsito”. O objetivo é sensibilizar e incentivar o protagonismo social independente do papel que se exerça no trânsito (pedestre, passageiro, ciclista ou condutor) para adoção de hábitos mais seguros.