Araguainha: menor município de MT fica no centro de cratera milenar causada por um asteroide
Vinícius Lemos/RDNews
Na entrada da menor cidade de Mato Grosso, a 470 km de Cuiabá, a placa de boas-vindas foi alterada pelo vento. Os dizeres que anunciam o nome do município estão quase ilegíveis, no metal contorcido pelo vento. Com certo esforço, é possível ler: “Sejam bem-vindos à cidade do Domo de Araguainha”.
O RDNews foi ao município para conhecer as histórias e como vivem os moradores do menor município de Mato Grosso e terceiro com menos habitantes em todo o Brasil.
Para chegar à cidade, é preciso passar pela BR-364 e transitar por 58 quilômetros da MT-100, dos quais apenas 40 km asfaltados – outros 18 estão incompletos, porque a empresa responsável alegou atraso em repasses do Estado e, posteriormente, entrou em recuperação judicial.
Conforme estimativa populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, deste ano, Araguainha só tem 956 habitantes.
Na pacata cidade, o grande atrativo é uma cratera de impacto causada por um asteroide que atingiu a região há, aproximadamente, 254 milhões de anos. A cidade está localizada no centro da cicatriz da colisão, que possui 40 quilômetros de diâmetro e abriga parte de outros municípios de Mato Grosso e Goiás. É o maior impacto causado por um meteorito em toda a América do Sul.
Mesmo com os milhares de anos que se passaram, Araguainha ainda guarda resquícios da colisão do asteroide. Na cidade e em outras regiões que estão dentro da cratera, é comum encontrar rochas que possuem aspectos diferentes, pois, segundo estudiosos, elas preservam a deformação causada pelo impacto do meteorito.
Na cidade, moradores colecionam lendas sobre a queda do asteroide e reclamam da falta de relevância dada ao fato. “Poderíamos ter mais turistas visitando nossa cidade e também mais estudos feitos aqui, se não fosse algo tão pouco divulgado. O Poder Público, nem mesmo a Prefeitura daqui, dá importância para isso”, disse uma moradora da cidade, que conversou com a reportagem e pediu para não ser identificada.
A colisão
O asteroide – ou meteorito – atingiu a região no período Triássico, de 250 a 205 milhões de anos atrás, o primeiro da era Mesozóica, que marcou o início da vida na Terra. Na época, todos os continentes estavam agrupados em um só, denominado Pangeia, que era circundado pelo oceano Phantalassa, que atualmente se tornou o Pacífico.
Conforme estudiosos, a região atingida pelo asteroide era considerada uma plataforma marítima continental, ou seja, um mar relativamente raso e com sedimentos depositados em seu interior. A região está localizada na Bacia Sedimentar do Paraná.
Certa vez, uma massa rochosa de pouco mais de 1,7 quilômetros, o asteroide, veio do espaço e atingiu a área em que hoje estão localizadas as cidades mato-grossenses de Araguainha – na área central do impacto – e Ponte Branca – na borda da cratera. O meteorito acertou também parte de Alto Araguaia (MT) e das cidades de Doverlândia, Mineiros e Santa Rita do Araguaia, as três em Goiás.
O corpo celeste atingiu a terra em uma velocidade de 15 a 18 quilômetros por segundo. Em comparativo, conforme especialistas, foi uma velocidade maior que a de uma bala de canhão.
“É uma pedra com tamanho razoável e uma velocidade muito alta. Isso faz com que a energia produzida pelo impacto forme uma cratera muito grande. Por ser um asteroide muito grande, ele se chocou, praticamente, sem ser freado pela atmosfera, que consegue alterar apenas corpos menores”, explica Alvaro Crósta, professor titular de Geologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e estudioso sobre a cratera de Araguainha há mais de quatro décadas.
Na época, começavam a surgir os primeiros anfíbios e répteis no planeta. “Já havia tubarão, por exemplo. São formas de vida muito antigas, então todos esses que viviam na região em que hoje está a cratera, certamente foram afetados pelo impacto”, explica Crósta.
Conforme Crosta, o asteroide atingiu a Terra ao ser atraído pela gravidade, assim como outros corpos celestes que caíram no planeta. “Existem milhares de asteroides, assim como cometas, vagando pelo universo. Eles têm órbitas que, às vezes, trazem esses corpos para perto da Terra. E como se sabe, existe uma força de atração, que tem a ver com a gravidade de planetas como o nosso, que é um grande corpo do sistema solar, apesar de não ser dos maiores. Então se um desses asteroides, ou cometas, se aproximar demasiadamente do planeta, acaba sendo atraído pela gravidade da Terra”, explica.
“E esse corpo celeste vem em direção à Terra e se choca em um lugar aleatório. Ele pode cair em uma área de mar ou em uma região de continente. Não existe controle para isso. Se descobríssemos um asteroide vindo contra a Terra, daria para saber, com alguma antecedência, onde ele vai cair. Mas, por sorte, não temos descoberto nenhum”, acrescenta o especialista.
Ao longo da história do planeta, outros corpos celestes, de diferentes tamanhos, atingiram a terra. Um dos mais recentes foi o meteoro de Cheliabinsk, que atingiu a região da Rússia em fevereiro de 2013. “Esse meteoro não chegou a bater na superfície da terra, mas explodiu na atmosfera e em cima de uma cidade de 1,5 milhão de habitantes. Essa explosão quebrou muitas janelas. Mas casos de proporções maiores, não há registro recente”, destaca.
Estudiosos apontam que, ao menos pelos próximos 100 anos, não há previsão para que algum corpo celeste considerado de grande proporção atinja a terra. “Esses fenômenos ocorrem a cada centenas de milhares de anos. Se fosse frequente, dificilmente estaríamos aqui, porque quando acontece algo assim, há transformações a nível global. Há mudanças climáticas, as plantas morrem, muitos animais desaparecem, entre outras consequências”, diz.
“Um caso de extinção aconteceu há 65 milhões de anos, quando desapareceram os dinossauros e muitas outras formas de vida, em razão da queda de um asteroide”, completa.
A cratera e as consequências
O meteorito atingiu, aproximadamente, dois quilômetros e meio de profundidade ao se chocar com a terra. Desta forma, ele trouxe à tona minerais que estavam abaixo do solo da região, em forma de montanhas e relevos. Entre os itens que eclodiram estão granito, turmalina, feldspato e hematita. Na região há também diversas brechas de impacto, que são rochas que possuem diferentes tipos de minerais.
“Pesquisadores já vieram aqui e avaliaram que há grande quantidade de ferro na região, algo superior a 40 hectares. Isso acontece porque, normalmente, quando um meteorito cai em determinada região, algum mineral acaba se tornando mais comum naquela cratera. No Canadá, por exemplo, foi níquel e na África do Sul há o diamante”, diz Ruy Ojeda, servidor do Instituto de Defesa Agropecuária do Estado e Mato Grosso (Indea) e estudioso sobre o domo há mais de 15 anos.
O domo de Araguainha foi descoberto na década de 60, quando equipes da Petrobrás procuravam por petróleo em diversas regiões do Brasil, inclusive na bacia sedimentar do Paraná. ”Os geólogos da Petrobrás na década de 1960 viram que era uma estrutura circular, só que ela era muito grande para ser uma estrutura vulcânica. Então, imaginaram que era magma que subiu pela crosta da terra e se solidificou e ficou aquela estrutura arredondada”, conta Crósta.
Posteriormente, na década de 1970, imagens de satélite identificaram a cratera de Araguainha. “Alguns geólogos dos Estados Unidos, que trabalham com cratera, viram o buraco da cidade e então avaliaram que poderia ter sido causado pelo impacto”, relata o especialista.
Na época, Crósta fazia mestrado, soube da descoberta dos americanos e decidiu se aprofundar no tema. A partir de então tiveram início os estudos sobre a cratera da menor cidade do Estado. Posteriormente, passaram a chamar a cicatriz de Domo de Araguainha, em razão das montanhas que a cidade possui em sua área central, originadas pela colisão do meteorito.
Um estudo feito por pesquisadores da Austrália, Reino Unido e Brasil, publicado na revista científica Palaeogeography, Palaeoclimatology, Palaeoecology, afirma que a maior extinção conhecida no planeta foi causada pelo asteroide que atingiu Araguainha. O meteorito teria culminado no fim do período Permiano, de 290 milhões a 248 milhões de anos atrás.
O estudo apontou, conforme publicação da revista Pesquisa Fapesp, que o meteoro que atingiu a região de Araguainha não tinha potencial para cabar com a vida em uma escala global. No entanto, a energia produzida pelo impacto da rocha celeste com a superfície terrestre pode ter destruído, imediatamente, tudo que estava a até 250 quilômetros ao seu redor.
Uma sucessão de eventos decorrentes do impacto pode ter provocado, em questão de dias, um rápido e fatal aquecimento global, relata o estudo. Segundo reportagem da Fapesp, a natureza e a abrangência da área de ocorrência de certos depósitos sedimentares parecem inficar que eles foram originados por tsunamis.
Ainda de acordo com a Pesquisa Fapesp, outras evidências geológicas sugerem que podem ter ocorrido muitos terremotos com magnitude de até 9,9 graus na escala Richter num raio de mil quilômetros em torno da cratera. Os intensos tremores de terra teriam fraturado as rochas ricas em carbono orgânico da Formação Irati, da qual faz parte a região de Araguainha, e liberado uma quantidade descomunal de um gás de efeito estufa, o metano.
“O Domo de Araguainha não tem a dimensão que precisaria ter para fazer um evento de grande extinção. Só que a idade dele coincide muito com um período de grande extinção de vida na terra, daí surgiu a ideia de que ele poderia ter uma relação indireta com esse fato. Agora é um mecanismo não comprovado, então é um pouco especulativo ainda”, afirma Crósta ao RDNews.
Geoparque
Hoje, o domo é alvo de estudos feitos por geólogos de todo o mundo. Pesquisadores de países como Alemanha e França já estiveram na região para analisar a cratera.
O Serviço Geológico do Brasil apresentou uma proposta para transformar a região do Domo em um geoparque, lugar considerado de interesse público sob o ponto de vista geológico.
“Para ser considerado geoparque, é preciso mostrar para a população, para os visitantes e para os turistas como algo de interesse geoturístico. Existem vários pelo mundo, há um movimento mundial de criação de geoparques no mundo inteiro, que é patrocinado pela Unesco. Aqui no Brasil só existe um, que é um Parque relacionado a pegadas de dinossauros no Nordeste do país. Foi o único que realmente deu certo”, relata Crósta.
Segundo o professor, a maior dificuldade é fazer o Poder Público compreender a importância da criação do geoparque. “Os administradores dessas regiões não conseguem entender isso, porque são cidades muito carentes. As regiões têm restrições e limitações e os administradores pensam no imediato. Ninguém consegue fazer um plano para o futuro. Além disso, não há linha de financiamento para auxiliar”, lamenta o professor.
“O geoparque mantém as coisas exatamente como estão e só separa alguns locais de interesse para visitação. Neste caso, são pequenas pedreiras, não é nada que vai afetar a produção agrícola ou a agropecuária. Mas é difícil de explicar isso para os fazendeiros, porque eles reagem muito fortemente a esse tipo de idéia”, acrescenta Crósta.
A criação do geoparque somente pode ser autorização pela Unesco. Ao menos até o momento, o pedido ainda não foi encaminhado para a entidade.