Morador de Pontal conquista primeiro documento aos 66 anos no Araguaia Cidadão
Assessoria
Ele tem 66 anos e nunca se sentou num banco escolar. Também não teve acesso ao sistema público de saúde, tampouco ao trabalho formalizado. Direito ao voto? Nunca teve a oportunidade de escolha, assim como jamais pôde viajar, se casar ou acessar serviços ofertados pelo Estado. Nascido no município de Bananeiras, no interior da Paraíba, Isaias Anselmo Dantas, conhecido na fazenda onde mora por ‘baiano’, viveu a sombra do poder público por mais de seis décadas. Mas na terça-feira (20), ao ouvir no rádio que a expedição Araguaia Cidadão estaria no centro da cidade de Pontal do Araguaia (MT), não pensou duas vezes e fez questão de comparecer para, finalmente, ter direito à cidadania. Ali, em pouco tempo, fez a solicitação do primeiro documento pessoal de sua vida: o RG.
Nascido no dia 5 de fevereiro de 1953, no sítio Cana Brava, ele conta que veio para Mato Grosso “ainda menino” e que sempre morou na zona rural de Pontal do Araguaia (MT). Em toda sua ingenuidade, seu Isaias acredita que o ‘RG nunca fez falta’. Não frequentou a escola, mas garante que “se tivesse estudado, hoje era juiz”. “Trabalhei a vida toda na roça, desde nove anos puxando enxada. Não gosto de vir pra cidade, mas preciso de documento para aposentar. ‘Tô’ ficando velho, velho demais”, revelou o lavrador, ao dizer que hoje o trabalho é mais leve que no passado e que passa o dia cuidando das galinhas e dos porcos. “Hoje a vida ‘tá’ mais tranquila. Gosto de ficar em casa, mas com tudo limpinho e asseado”, enfatizou.
Sem saber ler nem escrever, Isaias também nunca se casou, nem teve filhos. Seu anjo da guarda na busca pela documentação pessoal foi a empresária Andréia Campos, que o acolhe na fazenda da família. Ela entrou em contato com o cartório na cidade de Bananeiras, onde a certidão de nascimento dele foi posteriormente encontrada. Depois de mais de um ano, o documento original finalmente chegou às mãos da empresária, que mandou buscar o lavrador de mototáxi na fazenda – a cerca de 25km da cidade – para participação do mutirão.
Sobre o passado difícil, seu Isaias revela que quando criança chegou a trabalhar de forma análoga à escravidão. “Quando era menino, perdi foi um ano de serviço. Trabalhei e não recebia nada. E só recebia mixaria. Aquela época só tomava prejuízo. Eu que sei a minha vida e o que eu passei. Hoje a vida é muito melhor, a vida melhorou muito”, contou. Hoje ele diz que usa o dinheiro que ganha para cuidar da fazenda para roupas e remédios. “Tomo muito remédio de pressão”, disse seu Isaias. Ao sair da sala onde tirou foto e cadastrou as digitais, ele estava todo feliz. Daqui a 30 dias finalmente poderá buscar sua primeira identidade.
Indígenas
Além do lavrador, muitas outras pessoas buscaram os serviços da Perícia Oficial e Identificação Técnica (Politec) em busca de documentos pessoais. Foi o caso de quatro indígenas da etnia Xavante, que vieram ao mutirão realizado na Escola Municipal São Jorge para a segunda via do RG.
Amâncio A’uwenei’õ Tsibdadzé (14 anos), Franciane Reni’uma (14 anos), Nivalina Eliane Pewa Wahoireme Rairate (16 anos) e Nete Renhere Wari’Ubdi (16 anos) aproveitaram a gratuidade dos serviços para renovar a identidade. Apenas Nivalina não teve sucesso, porque deixou a certidão de nascimento na aldeia onde mora (Sangradouro), no município de General Carneiro.
O grupo estava acompanhado da matriarca da família – avó de três e mãe de uma das adolescentes – a indígena Ana Redzadza Wariubdi. Ela aprovou os serviços da expedição Araguaia Cidadão. “A equipe está atendendo bem a gente. Aproveitamos a oportunidade porque é difícil ir em outro lugar. Lá a gente paga”, lembrou.