Avisos e sinais de um tempo difícil
Em 1989, sem as redes sociais, a mídia teve relevância, em especial a Globo e a Revista Veja, no resultado da primeira eleição pós-golpe militar/64. Esses veículos foram pilares para a imposição, por aqui, do projeto neoliberal em implantação alhures; para tanto, puseram-se a favor de Collor, o pai no neoliberalismo no Brasil, em detrimento de Lula, ambos finalistas de 89. Por incontáveis vezes, a mídia lançou mão de “fake news”.
Da parte da Globo, a manipulação do JN, contra Lula, do último debate com Collor, tornou-se “antológica” desonestidade jornalística, que, depois, seguida do impeachment de Collor, ajudou a Globo a fazer explícito “mea-culpa”, ainda que apenas em 2015, conforme o endereço que segue:
Da parte da Veja, da qual não me lembro de desculpas pelos absurdos que cometeu para ver Collor eleito, em inúmeras matérias, construídas para desconstruir o projeto político – à época, popular – do PT/Lula, sentenças do tipo “Quem avisa amigo é” eram sempre inseridas nos textos daquele semanário, que apostou no medo do eleitor contra o petista. Semanalmente, Veja sentenciava, conforme seus interesses, o desastre a que o país estaria submetido se o “esquerdista/comunista/ateu/demônio”, chamado Lula, fosse o vencedor.
Claro que as sentenças, à lá ditos populares, não surgiam isoladas. Em Veja, capas, charges, fotografias e outras artimanhas de matérias preconceituosas, além de propagandas políticas – disfarçadas, em suas páginas, de publicidade – ajudavam na apelação em prol do triunfo da direita.
Hoje, com um Lula “endireitado”, e disputando o segundo turno com o atual presidente da República, resgato, já fazendo sua adaptação, uma outra sentença: “quem te leu, quem te lê”, caríssima Veja, pois, no último dia 11, no site foi possível ler a manchete: “Por que Lula está ampliando o placar contra Bolsonaro”, conforme as pesquisas daquele momento.
Em seu desenvolvimento, a matéria afirma que tudo tem base no comportamento de um e de outro candidato. Para Veja, Lula acertou “ao dizer que vai respeitar o resultado das urnas e governar para todos. Já Bolsonaro tem feito ameaças contra a democracia, como a ampliação do número de ministros do STF”.
Veja fez mais. Registrou que, assertivamente, Lula, “Durante seu discurso (do dia 10/10), descreveu de forma certeira quem é Bolsonaro. “Esse cidadão é anormal, o comportamento dele é anormal. Ele não teve nenhuma formação civilizatória. Ele pensa no Brasil para ele. As Forças Armadas são dele, a Suprema Corte é dele, o Congresso é dele, o país é dele”.
Assinando a fala de Lula, Veja completou: “E dá até para dizer: Errado não tá”!
Nesse mesmo sentido, a matéria – pró-Lula – não poderia ter sido melhor elaborada em seu epílogo, ao dizer que, “A 19 dias do segundo turno, Lula abre espaço para conselhos, faz declarações democráticas e faz questão de reafirmar seu respeito às instituições e ao país como um todo. O ex-presidente sabe como sinalizar que está pronto para voltar a comandar o país”.
Claro, Veja também sabe o que está fazendo. Conhece Lula de outros carnavais. Sabe que os dois períodos de seu governo foram bem mais do que as condenáveis corrupções (Mensalão, Petrolão etc). Sabe que “nunca antes na história deste país os banqueiros e empresários (portanto, os ricos) lucraram tanto”, conforme já disse o próprio ex-presidente, e, agora, candidato Lula, que, de sua parte, sempre soube, de forma eficiente (cooptando lideranças estudantis, de trabalhadores e de movimentos sociais), lançar mão de políticas compensatórias, ou seja, distribuir migalhas consentidas pelo capital para os pobres e – à lá Victor Hugo – para “les misérables”.
Agindo assim, Lula sempre inibiu qualquer ameaça de inquietação social que pudesse surgir em seus dois mandatos. Mais: populista por excelência, consolidou-se como o maior mito político da nossa atualidade, até que um certo Messias, “atirando” para todos os lados, chegasse no pedaço para a disputa de um lugar no bizarro panteão dos mitos de nossa política.
A despeito da força do mito político emergente, Veja (a Globo também) sabe que Lula é o candidato melhor talhado no processo de conciliar as classes sociais tão desiguais. O novo mito não tem (também) essa habilidade. A cada momento, diz algo de estarrecer e estremecer pessoas e mercados; só não estarrece, tampouco estremece, seus iguais, que, convenhamos, não são poucos dentre nosotros.
Nesse cenário polarizado, para parte da mídia, novamente destacando a Globo e a Veja, a questão agora é salvar os seus dedos, pois os anéis, deles, podem escorregar de vez. Seja como for, a conclusão da Veja, há pouco transcrita, é o “aviso” dessa revista neste momento recheado de absurdos promovidos pelo pensamento e ações da extrema direita, que deu sinais de vida, à lá um monstro que estava adormecido, desde o princípio, em muitos irmãos patrícios. Dios mio!
E por conta de uma montanha de aberrações da extrema direita, das quais destaco a constante ameaça de golpe, portanto, ao regime democrático, mesmo ciente de que Lula e Bolsonaro se igualam no compromisso de aprofundamento do neoliberalismo, não poderei anular o meu voto.
Votarei no 13, não sem registrar que a aposta desse agrupamento político, em disputar o atual pleito, de forma direta, com Bolsonaro, é de altíssimo risco e exposição do país a uma incerteza institucional que, desde 2018, poderia ter sido evitada. Como não foi, o bolsonarismo já saiu vitorioso do primeiro turno, pois as urnas já reformataram, à direita mais retrógrada possível, a Câmara e o Senado Federal. Espero que esse avanço pare por aí, mas ventos e trovoadas estão no radar.
Por isso, daqui para o dia 30, como estão mostrando as pesquisas, até os ateus terão de aprender reza braba para livrar o país de mais um período de extremismos do atual governante mor, absoluta e inquestionavelmente desumano. E só por isso, Lula, que, paradoxalmente, tem sido o maior cabo eleitoral de Bolsonaro – claro que a recíproca é simetricamente verdadeira –, poderá voltar a presidir o Brasil… Quem diria?
Se isso ocorrer, já antecipo minha oposição ao 13, pois, nas pesquisas, pertenço àqueles que não comemorarão a vitória do vencedor, mas, sim a derrota do perdedor.
Tempos difíceis! Por demais, paradoxais!
Roberto Boaventura da Silva Sá é Dr. em Ciências da Comunicação/USP.