Namoradas de traficantes podem ter o cabelo raspado em caso de traição
“Desde que fui apresentada aos amigos dele, não posso falar com ninguém na esquina que já se torna algo comentado.” O desabafo, feito à reportagem do R7 por uma mulher que preferiu não ser identificada e que se relaciona há quatro anos com um integrante do PCC (Primeiro Comando da Capital), reflete quanto elas ficam visadas. Qualquer passo fora das regras estipuladas pela facção pode levá-las ao tribunal do crime.
A prática de pôr pessoas no “banco dos réus” é usada há décadas pela facção, mas uma reportagem publicada pelo R7 na segunda-feira (21) mostra como o tribunal do crime se expandiu. Hoje, são julgados não apenas traficantes, mas também pessoas ligadas a eles ou que moram em áreas dominadas e ousarem desrespeitar as normas do grupo, que funcionam como uma espécie de lei nas favelas.
A juíza Ivana David, que vem fazendo pesquisas dentro dos presídios de São Paulo há anos e foi a responsável por efetuar a primeira prisão de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, apontado como o principal chefe da facção criminosa, afirma que muitas mulheres se relacionam com os membros do PCC “sem ter a mínima ideia do que pode acontecer”.
Segundo a promotora, a facção ainda é machista, apesar de perceber um aumento no número de mulheres que “trabalham” para a organização. “Se um homem trair, não acontece nada; mas, se a mulher trair ou eles acreditarem, por alguma razão, que isso tenha acontecido, ela é julgada, além de poder sofrer agressão do próprio marido ou namorado.”
A facção existe há quase 30 anos e, com o passar do tempo, foi se organizando. Exemplo disso é o famoso tribunal do crime, como afirma Pedro Ivo, delegado do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais). A prática é realizada para manter “a ordem dentro da quebrada”. Ambos os especialistas classificam esse tipo de tribunal como “Justiça paralela”.
As “cunhadas”, como são chamadas as mulheres de membros do PCC, também podem ser julgadas nesses tribunais, de acordo com os especialistas. A consequência pode ser ter o cabelo raspado, ser agredida e, em alguns casos mais extremos, a morte.
Os especialistas afirmam ainda que é muito comum uma mulher ser levada para julgamento e ter o cabelo raspado, principalmente se ela for acusada de ser “talarica” — quando se envolve com um homem casado. Na maioria das vezes, outras mulheres se juntam para fazer isso. “É uma forma de fazer com que elas percam a feminilidade”, afirma Ivana.
Pedro Ivo também ressalta o fato de que uma mulher que se relaciona com um preso da facção e acaba se envolvendo com alguém de fora pode morrer por isso. “O cara não está presente para ver, mas os colegas dele estão. Elas são visadas a todo momento”, conta.
Como os relacionamentos começam dentro da cadeia
Muitos homens que já estão em um relacionamento amoroso são presos. Entretanto, há casos, como explica a promotora, de detentos que começam a namorar mesmo privados de liberdade, sem poder ter contato com ninguém fora da cadeia. A questão é: como isso ocorre?
Apesar de haver as famosas “saidinhas” durante feriados e os presos terem a chance de ir para casa e ter contato com o mundo externo, muitos relacionamentos começam dentro da cadeia, durante as visitas.
“Atualmente, em dia de visita, se um preso olhar para a irmã de outro detento e achá-la ‘arrumadinha’, ele pode pedir a mulher de presente para o cara, dependendo da posição dele, se tiver um poder maior dentro do presídio”, afirma Ivana, que relata a hierarquia existente nas cadeias.
A juíza, que tem mais de 32 anos de carreira, conta ainda que antes isso não existia. “Eu cheguei a ir a presídio num dia em que tinha aquela fila enorme de mulheres para a visita. Se um preso olhasse para a esposa, mãe, irmã de outro detento, depois da visita ele era assassinado”, ressalta.
Ivana conta que conversou com homens que conseguiram casar mesmo há 10, 15 anos no presídio, porque pediram para a mulher de outro detento trazer uma amiga durante as visitas.
As dificuldades e os perigos de se relacionar com um faccionado
A jovem que se envolveu com um membro da facção e foi entrevistada pela reportagem diz que, apesar dos carinhos e dos momentos bons que vive com o namorado, não aconselha nenhuma mulher a se relacionar com um integrante do PCC. “Se chamam, ele precisa parar tudo o que estiver fazendo e sair. Quando comecei a estar mais presente, vi cenas que tiraram meu sono, me assustaram”, relata.
Segundo a mulher, ela pensou em terminar várias vezes, principalmente por causa de situações em que o namorado ficava agressivo, mas está “envolvida demais”. “Eu sei que ele faz de tudo por mim, tenta me dar o melhor, principalmente depois que decidimos morar juntos, mas só Deus sabe o que passa na minha mente quando ele sai, o que pode acontecer, de ele ser morto ou preso”, conclui.
Além das dificuldades que as “cunhadas” enfrentam, muitas delas acabam entrando para o crime “sem querer”, como explica a promotora. Segundo ela, se o marido de uma mulher estiver preso e ele pedir um favor, ela precisa fazer, como se fosse uma obrigação, o que traz risco de morte para ambos.