Delegado é afastado ao invadir casa no Florais e ameaçar família

Um dos casos que teve maior repercussão no ano foi o vídeo de uma câmera de segurança registrando o momento em que o delegado de Polícia Civil, Bruno França Ferreira invadiu uma residência no condomínio Florais dos Lagos, em Cuiabá, e ameaçou a dona do imóvel. O caso aconteceu na noite do dia 28 de novembro.

 

O vídeo do circuito de monitoramento interno da casa da vítima, uma empresária de 41 anos, foi divulgado na internet após a abordagem violenta de Ferreira com os moradores.

 

Segundo o delegado, ele teria ido ao imóvel, com apoio de três policiais do GOE (Grupo de Operações Especiais), para realizar a prisão em flagrante da empresária por descumprimento de medida protetiva que seu enteado teria contra a mulher. 

 

A ordem judicial seria decorrente de uma briga envolvendo os filhos dos dois, ocorrida meses antes, no condomínio Alphaville I, onde a empresária residia anteriormente com a família.

 

enteado teria ido até o Florais para jogar bola com amigos, quando encontrou com a mulher, que caminhava pelo condomínio. O jovem, então, ligou para o padrasto, que foi até o local.

 

Nas imagens da câmera de segurança, o delegado aparece com um comportamento descomedido logo ao entrar, tirando a arma do coldre e gritando com a mulher. 

 

“Deita no chão! Deita, filha da puta! Deita os dois no chão!”, ordena ele.

 

Por várias vezes o delegado a xinga e a aterroriza, dizendo que irá atirar em cabeça dela. 

 

Deita no chão! Deita, filha da puta! Deita os dois no chão!

“Da próxima vez que chegar perto do meu filho, eu vou estourar a cabeça dela. Eu vou explodir a cabeça dessa filha da puta”.

 

Toda a ação aconteceu na sala da residência, onde a vítima estava com sua filha pequena, que, assustada, chorava descontroladamente. Além delas, também presenciaram a abordagem o marido da empresária e uma massagista.

 

No fim, a mulher acabou sendo conduzida à delegacia. No local, ela aguardou o advogado, Rodrigo Pouso, que também acabou sendo xingado pelo delegado.

 

A ordem judicial sem notificação

 

O caso entre o filho da empresária e o enteado do delegado atualmente corre em segredo de Justiça, por se tratar de menores de idade. Segundo a vítima, quando moravam no Alphaville I, seu filho teria sido agredido pelo outro adolescente e um grupo de amigos dele.

 

Após isso, o enteado do delegado perseguia o adolescente pelo condomínio, inclusive indo até a casa do menino para assustá-lo, afirmou a empresária. Diante disso, a mulher se mudou para o Florais dos Lagos com a família.

 

Nesse período, uma medida protetiva em favor do enteado do delegado foi requerida contra a empresária, porém ela não teria sido notificada da ordem judicial. 

 

Da próxima vez que chegar perto do meu filho, eu vou estourar a cabeça dela. Eu vou explodir a cabeça dessa filha da puta

A repercussão

 

Após o caso ser amplamente divulgado pela imprensa, a princípio, o delegado publicou um pedido de desculpas direcionado ao advogado Rodrigo Pouso, que foi ofendido por ele na delegacia.

 

“Eu só queria esclarecer que em nenhum momento minha intenção foi atingir as prerrogativas do doutor Rodrigo como advogado […] Eu estava ali na condição de padrasto e não de autoridade policial”, declarou ele.

 

“Só que isso não justifica, e eu estou pedindo desculpa publicamente nessa situação de emoção que agi, pela condição da vítima, que é meu enteado. Foi inaceitável a minha conduta”.

 

Em apoio ao advogado, a OAB-MT (Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso), emitiu nota de repúdio ao comportamento do delegado.

 

“A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso (OAB-MT), por meio de sua presidente e de sua diretoria, vem a público externar repúdio ao tratamento dispensado pelo delegado de Polícia Civil, Bruno França Ferreira, ao realizar atendimento na data de ontem (28/11/2022), no Cisc Verdão, ao advogado Rodrigo Pouso”, consta na nota.

 

“O delegado de Polícia Civil, Bruno França Ferreira, proferiu em desfavor do mencionado causídico, palavras de natureza desrespeitosas, afrontosas e não condizentes com o cargo e a função que exerce, de servidor público, em especial, quando em atendimento a um profissional da advocacia”.

 

Até mesmo o governador Mauro Mendes se pronunciou sobre o caso, pedindo o afastamento do policial. 

 

“Tem que ter uma apuração realmente a altura do que aconteceu. Eles [Polícia Civil] devem afastar esse delegado, fazer uma apuração e dentro daquilo que estabelece a legislação dar o devido tratamento”, afirmou à imprensa.

 

O processo disciplinar

 

No dia 30 de novembro, o advogado de defesa da empresária, Rodrigo Pouso, afirmou que acionaria a Corregedoria da Polícia Civil para que a conduta do delegado fosse investigada. 

 

Na mesma data, a OAB-MT representou contra Ferreira no órgão. A autarquia pediu o afastamento preventivo dele do cargo e a instauração de processo administrativo disciplinar.

 

Porém, antes mesmo do requerimento ser protocolado, a Corregedoria se pronunciou e disse que abriria um procedimento administrativo interno.

 

No dia 30 de novembro, o delegado responsável pelo procedimento, Marcelo Felisbino, disse que além de Ferreira, também seriam ouvidos os três policiais do GOE que deram suporte na ação. 

 

Ele estimou que a apuração teria cerca de 30 dias, prazo este que venceria nas vésperas do ano novo.

 

“Eles participaram de todo o ato e a gente tem que apurar qual a participação e responsabilidade deles naquela ação”, disse.

 

O afastamento

 

No dia 1 de dezembro, o policial publicou uma nota em que afirmava ter solicitado 30 dias de afastamento não remunerado à Polícia Civil, e no documento ainda pediu desculpas por ter se “excedido” na abordagem.

 

Apesar disso, ele afirmou que não se arrependia de ter realizado a condução da empresária, pois ela estaria “ameaçando, injuriando e descumprindo medida protetiva” contra seu enteado.

 

“Todavia é necessário que eu reconheça, publicamente e de forma humilde, que me excedi na verbalização dirigida à conduzida no momento da abordagem. Isso foi um erro pelo qual peço, a todos, as mais sinceras desculpas”.

 

Na tarde do dia 1, a Corregedoria determinou, então, o afastamento preventivo remunerado do delegado por 60 dias.

 

“O procedimento instaurado na Corregedoria busca apurar as condutas praticadas pelo delegado em relação à entrada e abordagem à família na residência e também, posteriormente, nem relação ao advogado da família, na Central de Flagrantes de Cuiabá”, diz trecho do documento.

 

Pedido de suspensão de arma e exame toxicológico

 

Ainda no início de dezembro, o advogado Rodrigo Pouso protocolou junto à Corregedoria uma manifestação, requerendo a realização de exame toxicológico e suspensão do porte de arma do delegado.

 

Conforme o documento, Pouso afirma que a atitude do delegado foi “proibida, ilegal, com total abuso de autoridade, brutalidade, descontrole, despreparo profissional, e com agressividade extrema, cometendo os possíveis crimes, na seara penal, de abuso de autoridade, invasão de domicílio, exercício arbitrário das próprias razões, injúria, tortura psicológica, cárcere privado e associação criminosa, e com o rol de provas robustas e concretas nos autos, é motivo de justa penalidade de demissão”.

 

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