Sindmed: Emanuel age como xerifão e fez da Saúde terra sem lei
O médico Adeildo Lucena, presidente do Sindimed (Sindicato dos Médicos de Mato Grosso), criticou a postura do prefeito Emanuel Pinheiro (MDB) diante da maior crise da história do sistema de Saúde em Cuiabá.
Segundo ele, o prefeito – cuja gestão já foi alvo de diversas operações policiais por suspeitas de esquema no setor -, ignora a lei e usa a Secretaria de Saúde para interesses políticos.
“Ele se posiciona como o ‘xerifão’ de Cuiabá. Não obedece a determinação da lei; é como se mandasse na Secretaria de Saúde, definisse as coisas como quer e não conforme a lei manda. Ele fez da Secretaria de Saúde uma terra sem lei”, disse em entrevista ao MidiaNews.
Lucena criticou a falta de cumprimento de decisões judicias por parte de Emanuel e o desmonte dos processos de contratação, que descarta concursos públicos. Recentemente, o Sindmed fez uma representação junto ao Ministério Público Estadual pedindo a intervenção do Governo do Estado na Saúde de Cuiabá.
“Cuiabá está vivendo a pior situação de todos os tempos. Essa não é uma frase minha, é de muitos colegas que atuam nas unidades de saúde”, afirmou.
O presidente do sindicato falou, ainda, sobre as principais demandas das unidades, a “pejotização” na área de Saúde e as suspeitas de corrupção que pairam sobre a Prefeitura.
Eu o chamo de rei do drible, porque consegue driblar todo mundo, se o Emanuel estivesse na Copa, o Brasil seria hexa, com certeza. O Brasil já poderia levantar a taça, com o Emanuel driblando ele seria o goleador da Copa.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Nos últimos meses tem havido inúmeras denúncias de falta de insumos, remédios e salários atrasados. Trata-se de uma das piores crises no setor da Saúde em Cuiabá. Por que isso está acontecendo?
Adeildo Lucena – De fato, Cuiabá está vivendo a pior situação de todos os tempos. Essa não é uma frase minha, é de muitos colegas que atuam nas unidades de saúde. A gente passou por um momento ruim que foi a pandemia, mas ela não pode servir de desculpas para o que vem acontecendo em Cuiabá no último ano.
Temos problemas crônicos antigos, como a falta de leito de retaguarda, que é quando o paciente chega a uma unidade de emergência, é estabilizando e precisa ser transferido para uma unidade com leito de retaguarda, seja enfermaria ou UTI. Sem esses leitos, os pacientes se acumulam em corredores de UPAs e Policlínicas sem assistência adequada.
Mas, atualmente, percebemos a falta de medicamentos essenciais, como dipirona e antibióticos. Tem até algumas unidades em que faltam medicamentos necessários para entubar pacientes, outras regulam o acesso venoso, porque não tem escalpe, não tem soluções salinas para manter o acesso e hidratar o paciente. Então, essas medicações que antes não faltavam tem sido uma tônica. Em unidades de urgência e emergência não tem aparelho de eletrocardiograma funcionando, de raio X, tomografia. É um absurdo. Outra dificuldade é o transporte de pacientes para outras unidades.
MidiaNews – Por que isso está acontecendo?
Adeildo Lucena – Existe uma quebra em todos os níveis de atenção. Reclamamos e eles arrumam, daqui a pouco falta de novo. As coisas não tem um fluxo contínuo e mantido. Não tem planejamento nenhum e esse é o grande problema. O planejamento é a base e, apesar de a Secretaria de Saúde ter técnicos extremamente competentes, não consegue planejar. Existe interferência política o tempo todo, de vereadores da base do prefeito, de amigos do prefeito, de pessoas que tem interesses outros. É muito difícil com o envolvimento constante da política partidária.
MidiaNews – Houve diversas operações policias, com prisões e afastamentos de gestores da Saúde Municipal por suspeitas de corrupção. Isso seria um dos motivos desta crise?
Adeildo Lucena – Não sou polícia, promotor ou juiz. Não estou aqui para julgar ninguém. Mas há fortes indícios disso. Temos uma gestão com quatro afastamentos e duas prisões de secretários. Recentemente, colegas que trabalharam na gestão como secretários saíram e montaram firmas, que agora exploram o trabalho médico. Para mim, no mínimo, não é nada ético.
Observamos o prefeito querendo, de todas as formas, que os médicos sejam contratados por pessoa jurídica, mesmo com uma decisão judicial o mandando contratar por processo seletivo. Esse edital foi elaborado na intenção de que fracassasse, colocaram um ponto de corte tão alto que mais de 300 médicos não conseguiram aprovação. O Sindicato apontou esse erro, a Prefeitura corrigiu e no processo seguinte tiraram 200 vagas. Um verdadeiro faz de conta: ‘Vamos fazer de conta que tem um processo seletivo’.
Uma encenação para beneficiar as firmas interessadas naquelas 200 vagas. Não tem como você pegar 10% do salário de um médico, mas se for uma firma isso é bem possível. Não digo que isso esteja acontecendo, mas facilita a corrupção. E se você busca uma alternativa de contratação que facilita a corrupção, numa gestão que está sendo investigada constantemente, isso é uma afronta à própria justiça.
MidiaNews – Neste ano, o Sindimed fez uma representação junto ao MPE pedindo a intervenção do Governo na Saúde de Cuiabá. Por que a intervenção é uma saída interessante?
Adeildo Lucena – A Prefeitura insistentemente não cumpre decisões judiciais. Até onde eu sei são 7, uma saída para isso seria a intervenção. Cuiabá está sem dinheiro e 2023 está com um horizonte sombrio. Se não estancarmos essas corrupções que vem sendo investigadas na Secretaria Municipal de Saúde, o ano que vem a população vai sofrer muito mais do que está sofrendo até agora. Isso a Justiça vai dizer se é ou não. O que temos são indícios fortíssimos que culminaram com o afastamento do Emanuel.
Pedimos a intervenção do Estado na esperança que entre uma equipe técnica que aja de forma técnica, não política. Que essa equipe faça as decisões judiciais serem cumpridas, abasteça as unidades, complementem as escalas de plantão, além de investigar e botar em pratos limpos todas essas suspeitas. Não é possível que isso continue impune.
E tenho esperança que o governador [Mauro Mendes] injete dinheiro na Secretaria Municipal, mas não creio que o governador faça isso com o Emanuel lá, com toda essa suspeita e indícios fortíssimos de corrupção. Seria colocar a raposa para tomar conta do galinheiro.
E tenho esperança que o governador [Mauro Mendes] injete dinheiro na Secretaria Municipal, mas não creio que o governador faça isso com o Emanuel lá, com toda essa suspeita e indícios fortíssimos de corrupção. Seria colocar a raposa para tomar conta do galinheiro.
MidiaNews – Há pouco mais de um ano o prefeito Emanuel Pinheiro foi afastado sob a acusação de usar a estrutura da saúde como um “cabidão” de empregos. Passado esse tempo, alguma coisa mudou na Secretaria de Saúde?
Adeildo Lucena – Pelo que os indícios mostram, ele só mudou o modus operandi. Antes contratava quem queria e pagava como queria, sem critérios. Hoje, ele faz isso através das firmas terceirizadas. Fez fracassar os dois processos seletivos e parou de contratar diretamente os médicos, botando firmas de ex-secretários, que agora estão até brigando entre si.
MidiaNews – Nesta quarta, o STJ iria decidir se afastava o prefeito de novo. O julgamento, porém, ficou para o ano que vem. Isso de certa forma o frustrou?
Adeildo Lucena – Não temos interesse nesse julgamento, porque é na esfera criminal. O que queremos é o julgamento da intervenção do Estado até o final do ano. Esperamos que a Justiça tome uma posição, porque o Emanuel está afrontando a justiça. Ele se posiciona como o xerifão de Cuiabá, não obedece determinação legal nenhuma, é como se mandasse na Secretaria de Saúde, definisse as coisas como quer e não conforme a lei manda, fez da Secretaria de Saúde uma terra sem lei.
É cansativo discutir com o Emanuel. Antigamente o que as pessoas falavam, cumpriam, hoje o que o Emanuel assina não cumpre, são várias TACs, vários termos de ajuste e conduta que ele assinou e simplesmente não cumpre. É cansativo. Você vai lá e acerta com ele, combina e ele não cumpre. A conversa é sempre muito boa a questão é a execução. Eu o chamo de rei do drible, porque consegue driblar todo mundo, se o Emanuel estivesse na Copa, o Brasil seria hexa, com certeza. O Brasil já poderia levantar a taça, com o Emanuel driblando ele seria o goleador da Copa.
MidiaNews – Nesta semana, veio a público uma denúncia no atraso de pagamentos de benefícios na Saúde de Cuiabá. Médicos já relataram algum problema para o sindicato? E quais providências estão sendo tomadas?
Adeildo Lucena – A gente tem três situações: os médicos concursados, os contratados e os com vínculo através de pessoa jurídica.
A pessoa jurídica já entra, às vezes, com atrasos de três meses. As firmas tem o prazo de 90 dias para receber, aí atrasa o pagamento dos médicos e, no fim das contas, muitos deles não têm contrato ou sequer recibo. É bem precário. Fica um empurra-empurra. A Prefeitura diz que pagou e a firma diz que não recebeu. Esses profissionais não têm direito a férias, décimo terceiro, e se adoecer azar o dele, se a mulher engravidar azar o dela, não recebe e ponto final. Isso quando não tem o calote, quando essas firmas declaram falência ou desaparecem. Temos vários casos na justiça. A gente entra com ação e tenta provar o vínculo para poder cobrar.
Já os médicos contratados não progridem na carreira, além de recebem um valor inicial menor que o dos médicos concursados. A Prefeitura então aumenta em benefícios como prêmio saúde, plantão extra, adicional noturno. A Prefeitura, então, paga o salário base que, às vezes, representa apenas 30%, 40% do valor total que o médico recebe por mês, e fala que está em dia. O resto, só paga quando tem alguma pressão. A gente entra coma ação individual, coletiva e tentamos atender os direitos desses médicos.
Os concursados, por sua vez, têm um salário melhor por conta da progressão, tanto vertical quanto horizontal, mas, mesmo assim, esses adicionais são bastante significativos no final do mês para o médico.
MidiaNews – Nos últimos meses, a impressão que dá é que os problemas da Saúde, que já não eram poucos, pioraram. O que houve?
Adeildo Lucena – A Prefeitura, até onde eu sei, está sem dinheiro, agora é esperar o relatório do CRM, uma vistoria conjunta do Conselho Regional de Medicina, do Conselho Regional de Farmácia e do Ministério Público, e ver o que eles têm para colocar. A Câmara Municipal tem um papel importante na fiscalização, mas os aliados, os vereadores da base do prefeito, mais escondem e varrem para baixo do tapete do que fiscalizam. Existe uma rede de proteção do Emanuel monstruosa, o que aconteceu nesse período eu acho que é a má gestão do dinheiro público mesmo.
MidiaNews – O que é preciso para que de fato o Sistema de Saúde funcione em Cuiabá?
Adeildo Lucena – Temos que ter uma escala de plantão completa, com sete dias, sem isso não tem como organizar a saúde. Ocupar todos os postos de trabalho de maneira mais correta, por concurso público, para não ter beneficiados. Manter a equipe completa é uma obrigação e uma condição para que a saúde funcione adequadamente, com enfermeiros fisioterapeutas, psicólogos. Temos que ter uma rede organizada e hierarquizada em níveis de atenção.
Segundo ponto é ter uma estrutura mínima necessária para os diagnósticos. Exames complementares, eletrocardiograma, raio X e tomografia. Caso contrário, não adianta ter um médico que não consegue fechar um diagnóstico.
É preciso o abastecimento de medicamentos e insumos, não adianta diagnosticar e não ter a medicação para a continuidade do tratamento. Eu também preciso de vaga na UTI, porque na policlínica o paciente só vai ganhar um tempo até chegar lá. É preciso, também transporte adequado para levar o paciente a onde ele será hospitalizado.
Acima de tudo, precisamos nas equipes de atenção primária as condições necessárias para que elas atuem de maneira plena.
MidiaNews – Como médico efetivo da rede pública municipal, o que sente ao ver tantos problemas estruturais na rede pública?
Adeildo Lucena – Eu não sei se conseguiria definir em uma frase algo tão complexo, mas o que sinto hoje como presidente do sindicato é desolação. A saúde não era para ter intervenção política, esse tipo de desejo de explorar o outro.
Resolvi assumir a presidência do sindicato como forma de buscar uma resolução desses problemas. O médico trabalha para caramba, às vezes não consegue uma aposentadoria adequada, não vê os filhos crescendo. Temos uma alta taxa de suicídio e depressão entre os profissionais da saúde. Hoje, as firmas estão ganhando dinheiro em cima do trabalho médico, firmas essas que o dono é o próprio médico.
MidiaNews – Por que o MPE ainda não conseguiu acabar com o excesso de “pejotização” na área de saúde? Acha que falta mais firmeza do MPE? Qual a importância dessa redução?
Adeildo Lucena – Nós não somos contra o trabalho por pessoa jurídica como complementação, mas ela está substituindo as outras formas de contratação. Tem determinadas especialidades que teriam que ser através de pessoa jurídica, seria uma forma de facilitar a gestão, mas as pessoas viram uma possibilidade de ganhar dinheiro em cima disso. O que precisa é o Congresso regulamentar isso, porque essa bagunça já passou dos limites.
Nós médicos temos consciência da nossa responsabilidade social. Temos evitado pensar em greve o que queremos é uma parceira com a população e entendimento das nossas necessidades, porque nós temos família, pagamos boleto igual a todo mundo. Queremos o fim da corrupção na Secretaria Municipal de Cuiabá, que os médicos tenham um pouco de dignidade. É indigna essa pressão a que esses profissionais vêm sendo submetidos.
Quem reclamar ou denunciar está na rua no dia seguinte. Se abrir a boca está demitido, se você tem um concurso público ainda consegue fazer algo, mas da forma em que as coisas estão… Você tem que trabalhar sobre péssimas condições e calado, isso não é digno.