Enquanto respirar, vou sofrer essa dor, diz mãe de vendedora
A conclusão do inquérito que culminou com o indiciamento de três médicos pela morte da vendedora de carros Keitiane Eliza da Silva, de 27 anos, em abril de 2021, acalentou o coração dos familiares que pediam por justiça. Eles, porém, admitem que o desfecho não diminuiu a dor de tê-la perdido.
“A dor nunca passa e a saudade aumenta cada dia mais. Enquanto eu respirar vou sofrer essa dor. Vou carregar comigo essa dor enquanto eu viver”, diz a diarista Ana Perpetua Bochnia, mãe da vítima.
A dor nunca passa e a saudade aumenta cada dia mais. Enquanto eu respirar vou sofrer essa dor, vou carregar comigo essa dor enquanto eu viver
Keitiane foi submetida a três cirurgias plásticas todas de uma vez, 22 dias após ter testado positivo para a Covid-19 e ter apresentado sintomas da doença. O procedimento foi realizado na Clínica Valore Day.
A vendedora foi descrita como uma mulher cheia de sonhos, alegre, interativa e dedicada à família.
“Ela sempre estava com a gente, nunca faltava. Era uma filha muito carinhosa, todos os dias me ligava duas ou três vezes para saber como eu estava”, diz Ana, emocionada. Keitiane era a mais velha de três irmãos.
A vendedora deixou o marido e duas filhas pequenas, de 11 e 10 anos.
“Elas sabem e entendem o que aconteceu, às vezes ficam tristes. A mais velha chora sempre com saudade da mãe”, afirmou. “Para ela [Keitiane], era Deus no céu e as filhas na Terra. Ela as amava muito”, recorda.
A cirurgia fatal
A família conta que a cirurgia se tornou um dos sonhos de Keitiane, que ficou empolgada diante do preço abaixo do mercado e do “combo” oferecido pelo cirurgião. Foram três diferentes procedimentos feitos todos de uma vez, no valor de R$ 50 mil.
Ela foi submetida à abdominoplastia, lipoaspiração e mastopexia na Clínica Valore Day, em Cuiabá.
Arquivo pessoal
Keitiane Eliza tinha 27 anos quando foi submetida aos procedimentos
“Ela tinha como um sonho [a cirurgia]. Ela era linda demais, só que viu essa oportunidade. E como as amigas dela tinham feito, surgiu o interesse em fazer também”.
As amigas de Keitiane realizaram seus procedimentos com outros profissionais. A vendedora pesquisou, fez cotações e acabou encontrando o médico por um grupo chamado “Plástica Para Todos”, onde acompanhou as recomendações da página.
“Esse foi o que cobrou mais barato em vista dos outros”, relembra a mãe.
Apenas a abdominoplastia, por exemplo, pode variar entre R$ 20 mil a R$ 40 mil a depender da técnica.
O comerciante Fabio Gabriel Rodrigues Alves, viúvo de Keitiane, não achava que o procedimento fosse necessário.
“Ela já estava muito bem, tinha feito uma cirurgia antes. Acho que não havia necessidade”, diz.
“Com o decorrer do tempo ela foi adquirindo essa vontade de fazer vendo toda essa facilidade que o doutor Alexandre [Velozo cirurgião] passou e ela optou em fazer essa cirurgia, mesmo contrariando a família”, lamenta o marido.
Keitiane estava encantada com a ideia de realizar os procedimentos e confiou na equipe médica, que liberou a cirurgia mesmo após ela ter testado positivo para a Covid 19.
A recomendação da Sociedade Brasileira de Anestesiologia era que houvesse uma espera mínima de quatro semanas para pacientes assintomáticos, e de pelo menos seis semanas para pacientes que apresentaram algum sintomas, como foi no caso da Keitiane.
Na mesma semana em que a cirurgia seria realizada, a vendedora descobriu que o seu cirurgião já respondia civilmente por um caso de erro médico.
Arquivo pessoal
Keitiane ao lado da mãe e da irmã mais nova
“A gente conversou sobre isso, até no dia, mas ela já estava encantada com a ideia de passar por essas cirurgias, pelo custo baixo. Ela até pegou férias na concessionária para fazer isso. O encanto foi muito grande. Mas houve vários sinais”, diz Fábio.
O comerciante também se emocionou ao falar da esposa e disse que não tem sido nada fácil.
Ao todo foram três médicos indiciados pela acusação de homicídio culposo por negligência: o cirurgião Alexandre Veloso e os anestesistas Klayne Moura Teixeira de Souza e Christiano Camargo Prado.
“Nós estamos conseguindo justiça. O que eu mais quero é justiça para que outras mães não passem pelo que eu estou passando hoje, chorando pela morte de sua filha. Que outros filhos, como ela deixou duas filhas, não chorem pela falta da sua mãe”, finalizou Ana.
Leia mais:
Médicos são indiciados por morte de mulher após cirurgia plástica