MidiaNews | Não, não é passional

Aproximadamente, cerca de 50 feminicídios foram contabilizados, infelizmente, no Brasil desde o início do ano de 2.023. Segundo a Organização das Nações Unidas, é o nosso país o quinto que mais assassina as mulheres. Mato Grosso ocupa a lamentável colocação de segundo estado do país, em termos de feminicídio.

           

Por muitas vezes se firma que não há motivos para qualquer assassinato. Todavia, surgiu no país, máxime, na década de 70 e 80, a terminologia passional, para falar sobre os casos de mortes de mulheres por assassinato, quando cometidos por seus “ex”, ou por atuais companheiros.

 

Essa é uma nomenclatura inexistente na legislação brasileira, o tal crime por razões passionais. A norma dita se cuidar de homicídio qualificado pelo feminicídio, ou seja, o assassinato de mulheres pela condição de gênero, por ser mulher.

           

Passadas quase cinco décadas do assassinato de Ângela Diniz, pelo playboy Doca Street, quando aconteceu a gritante absolvição pelo agressor ter “lavado a honra com sangue”, por “violenta emoção” para matar, muito ainda é necessário se falar. Doca alegou que o ciúme lhe tomou conta, pois mantinha relacionamento amoroso com a linda Ângela Diniz.

 

E foi justamente nesta época que defesas se apropriaram do vernáculo “passional”, como tática. Surgiu nacionalmente o importante movimento de mulheres, encabeçado por jornalistas e intitulado “Quem Ama Não Mata”, para chamar a atenção quanto aos absurdos que as mulheres estavam passando, e sendo julgadas mesmo mortas.

           

A expressão passional vem do latim, ‘passionalis’, suscetível de paixão. É a ação motivada pelo sentimento excessivo da paixão, como emoções amorosas fora do controle.

 

Logo, o delito passional seria aquele onde se age com comportamento impulsivo, inconsequente e desprovido de razão. Passional é uma palavra que surgiu como estratégia de defesa de agressores de mulheres, já que crimes dolosos contra a vida são julgados pelo tribunal do júri, sendo essa uma maneira de convencer os jurados e juradas.

 

O passional deixa evidente que o homem é superior à mulher, pois, a primordial justificativa é de que a mulher incitou o companheiro ao cometimento do delito. Mais uma vez, a mulher é vista como um “objeto” à disposição do homem que pode, inclusive, a matar, caso não esteja cumprindo a sua “função”.

           

E aqui há que se fazer a distinção correta e nominar os institutos como deve ser. O assassinato de mulheres, pela condição de menosprezo à condição de mulher e/ou no ambiente doméstico e familiar tem o nome de feminicídio, conforme legislação brasileira.

           

O amor é um sentimento altruísta, advindo de forte afeição por outra pessoa, com demonstração de carinho, da melhor forma para se externar. Assim, matar nunca será por amor.

           

O romancear, para externar a notícia de violência contra as mulheres se torna uma prática incorreta e passível de “justificar” o injustificável. As palavras servem, sem dúvida, como forma de visualizar o ato desastroso e criminoso, e, ainda, para expor que a legislação deverá ser cumprida fielmente contra quem quer que seja.

           

As notícias assim devem ser lançadas para a sociedade: “Fulano comete feminicídio contra Fulana”, e, jamais, “Crime passional: por não aceitar o término do relacionamento, Fulano mata Fulana.” A uma, a liberdade em manter ou não um relacionamento amoroso é da vivência de todo e qualquer ser humano.

 

A duas, não há motivo ou motivação que justifique um feminicídio.

           

Não existe crime passional, não sendo correto o uso do vocábulo para noticiar feminicídios. Não é democrático que a legislação e os institutos de direito não sejam mencionados da forma correta, ainda mais, quando o assunto é o assassinato de mulheres, que não há outra denominação: FEMINICÍDIO.

           

Não, não é passional, é feminicídio.

 

Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual.

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