Corregedor do CNJ manda suspender redes sociais de juízes

Ao determinar às redes sociais que tirem do ar perfis de magistrados, o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, extrapola as competências de seu cargo no CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

 

A obrigatoriedade de que as redes sociais removam conteúdo, segundo a legislação brasileira, só se dá por meio de ordens judiciais. Apesar de ser também ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça), na Corregedoria, Salomão exerce uma função administrativa.

 

Além da lei em vigor, a extrapolação é apontada também por advogados e especialistas ouvidos pela reportagem. Também gera controvérsia a questão sobre se caberia ou não ao CNJ determinar esse tipo de medida –mesmo que a ordem fosse dada diretamente ao magistrado.

 

As primeiras suspensões ocorreram no fim de outubro, dias antes do segundo turno da eleição. As mais recentes ocorreram em janeiro. Até o momento, nove magistrados foram bloqueados por decisão da Corregedoria do CNJ.

 

Juízes que contrariam as regras da magistratura, como manifestações político-partidárias ou críticas a decisões judiciais, podem ser punidos por infração disciplinar. Entre as sanções previstas nas regras estão a advertência, demissão e a aposentadoria compulsória.

 

A novidade é que, para parte dos casos em que a infração envolve postagens nas redes sociais, a suspensão de perfis passou a ser adotada como medida cautelar -ou seja, de modo preventivo, para impedir eventuais novas infrações, sem que tenha havido conclusão do processo.

 

Procurada pela reportagem, a Corregedoria Nacional de Justiça enviou uma nota em que diz que “as decisões da Corregedoria seguem rigorosamente os preceitos da Constitucional Federal, da legislação em vigor e do conjunto normativo do Conselho Nacional de Justiça”.

 

Disse ainda que o Supremo Tribunal Federal “já reconheceu o caráter abrangente da atuação da Corregedoria Nacional de Justiça, inclusive na ponderação de direitos constitucionais” e que “o juiz não é um ator político, não sendo possível expressar sua postura ideológica, sob pena de macular sua imparcialidade e independência”.

 

Ao embasar a decisão, o corregedor utiliza o Marco Civil da Internet. De acordo com essa lei, as redes sociais são obrigadas a remover conteúdo apenas após ordem judicial. Se descumprirem podem ser responsabilizadas, com multas e ações de danos morais. Há exceção para conteúdo de nudez não consentida –nesses casos não é preciso ordem judicial.

 

Salomão chegou a impor multa diária de R$ 20 mil às plataformas em caso de descumprimento.

 

Ele usa também um trecho do regimento interno do CNJ que diz que está entre as competências do corregedor determinar a realização de sindicâncias, inspeções e correições, podendo determinar desde logo “as medidas que se mostrem necessárias, urgentes ou adequadas”.

 

Na argumentação, ele cita ainda um dispositivo que não tem ligação direta com o caso. O item prevê que o corregedor pode requisitar dados bancários e fiscais, inclusive sigilosos, às autoridades competentes, e que o STF (Supremo Tribunal Federal) reconheceu a constitucionalidade da regra.

 

Artur Pericles, que é doutor em direito pela USP e pesquisador na Yale Law School, considera que, em tese, a Corregedoria do CNJ poderia determinar que um juiz apague um post ou suspenda a própria conta, mas não dar essa ordem às plataformas diretamente.

 

“Eu acho que, com relação a ordem que ele expediu aos provedores, ele ultrapassou as atribuições que ele tem”, diz.

 

A diferença, segundo ele, decorre do fato de que a autoridade do CNJ se dá sobre membros ou órgãos do Poder Judiciário.

 

“É claro que o STF reconheceu que o CNJ tem esse poder de requisitar dados sigilosos, mas isso não quer dizer que o STF tenha tornado o CNJ num órgão jurisdicional [judicial]l”, afirma.

 

André Rosilho, professor de direito administrativo da FGV e advogado, avalia que caberia à Corregedoria aplicar apenas as punições previstas nas regras, o que não inclui suspensão de redes sociais.

 

“Me parece que o corregedor, no caso, adotou uma medida que não era possível dentro de um processo disciplinar.”

 

Para ele, não deveria ser possível aplicar a medida de modo cautelar, se ela também não pode ser aplicada como sanção definitiva. “Dentro de um processo disciplinar, o que o CNJ pode fazer é afastar o juiz, dar uma advertência, demitir o juiz. Agora mandar que ele suspenda um perfil dele, dentro de um processo disciplinar, me parece estranho”, diz.

 

“Eu acho que acaba sendo um pouco arbitrário se você começa a tomar medidas que não estão exatamente previstas na norma”, afirma Rosilho, que aponta que caberia ao STF enviar ao Congresso uma proposta de reforma do Estatuto da Magistratura e que há anos há quem aponte a necessidade de atualizar as normas.

 

São nove os magistrados com perfis suspensos por decisão da Corregedoria e já foram abertas mais de 20 apurações de infração disciplinar em virtude de postagens em redes sociais por magistrados.

 

Há suspensões tanto de magistrados que sinalizaram apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) quanto ao então candidato e atual presidente Lula (PT). Também houve casos de críticas ao sistema eleitoral, de apoio a manifestações antidemocráticas, críticas ao STF e a outras instituições públicas, incluindo caso de comentários irônicos críticos ao 8 de janeiro.

 

Segundo levantamento do CNJ, até o momento, não teria havido recursos por parte dos magistrados quanto ao bloqueio das redes. Em parte dos casos, o Twitter apresentou um pedido de reconsideração das decisões.

 

O questionamento quanto à competência da Corregedoria para suspender as redes sociais de magistrados será uma das linhas utilizadas pela defesa do juiz Luís Carlos Valois, do TJ-AM, conforme afirmou o advogado Rodrigo Mesquita, que representa o magistrado no caso.

 

Além disso, também devem questionar o mérito, considerando o teor das mensagens, e a remoção de postagens específicas ao invés de inviabilização do perfil por completo.

 

De acordo com a Corregedoria, um dos casos em que houve suspensão foi referendado pelo plenário do CNJ em fevereiro. No caso, a decisão sobre o juiz Wauner Batista Ferreira Machado, do TJ-MG, que foi afastado do cargo em janeiro após autorizar ato golpista em frente a um quartel na capital mineira.

 

Também houve decisão do conjunto de conselheiros sobre a juíza Ludmila Lins Grilo do TJ-MG. Quanto a ela, a medida de bloqueio do perfil, porém, se deu por ordem do ministro Alexandre de Moraes do STF, segundo a assessoria do CNJ.

 

Nesta terça (14), o plenário aprovou a instauração de processo administrativo disciplinar contra Ludmila, com o afastamento do cargo enquanto o processo estiver correndo.

 

A Constituição proíbe que juízes se dediquem a atividade político-partidária. Além disso, há regra que veda opinião em redes sociais de apoio ou crítica a candidato, lideranças políticas ou partidos.

 

Também é vedado ao magistrado manifestar opinião sobre processo pendente de julgamento ou fazer juízo depreciativo de decisões. Há ainda o dever de “manter conduta irrepreensível na vida pública e particular”.

 



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