Os caminhos do nascimento da Catedral
Segundo o historiador Carlos Alberto Rosa, em 1719 deu-se o início do arraialamento da cidade de Cuiabá nas proximidades da foz do rio Coxipó Mirim, afluente pela margem esquerda do Rio Cuiabá, sítio urbano da capital, no tradicional Bairro São Gonçalo, centro sul, na capital de Mato Grosso. Passados 50 anos depois foi definida pelo cronista Barbosa de Sá como o que: “é hoje a Capela de São Gonçalo”.
Assim, 50 anos depois mudaram-se todos para o Rio Coxipó Acima, no lugar chamado de Forquilha, onde formaram o Arraial e levantaram uma Igreja com o título de Nossa Senhora da Penha de França, hoje Coxipó do Ouro, um distrito de Cuiabá criado pela Lei pela lei estadual nº 135, de 29 de março de 1938. Celebraram ofícios divinos, sendo o primeiro que fez vezes de Capelão, por eleição comum, foi o Padre Jerônimo Botelho e, depois, o Padre André dos Santos Queiroz.
Com a construção da igreja de Nossa Senhora da Penha de França no alto do Coxipó Mirim tornou-se canonicamente viável a criação de vigararia forânea nas Minas Novas do Cuiabá, fundada em 1723. Esse rio serviu como delimitador do rossio de Cuiabá: “ o rio Coxipó Morim, desde a sua barra no rio Cuiabá, onde o ouvidor João Gonçalves Pereira, deste ponto, daqui até o Ribeirão de Frei Braz, por este ribeirão abaixo até a sua barra no rio Cuiabá; por este abaixo até a foz do Rio Coxipó Mirim.
No ano de 1721, o Bispo do Rio de Janeiro-RJ promoveu o Padre Francisco Justo de São Tiago, natural de Pernambuco, no cargo de Vigário da Vara das Minas Novas do Cuiabá e, nesse mesmo ano, Jacinto Barbosa Lopes chegou às Minas Novas do Cuiabá, junto com o seu irmão, Frei Pacifico dos Anjos; seus primos afins Padre Jerônimo Botelho, José de Sá e Arruda, João Leite de Barros, José Pires de Almeida e Pedro Correa de Godói; (…) vinha também, com o seu amigo Padre André dos Santos Queirós, que fora coadjutor na Vigararia de Itu-SP.
Logo que por aqui chegaram, ainda em 1721, Jacinto Barbosa Lopes e os outros se deslocaram ao primeiro Arraial, junto à foz do Coxipó-Mirim, para o rio Coxipó Acima e, aí erguendo a igreja de Nossa Senhora da Penha de França, onde primeiro celebrou missa seu primo o Padre Jerônimo de Arruda Botelho.
Com o aparecimento das igrejas, em 1722 chegou às Minas Novas do Cuiabá o Padre Manuel de Campos Bicudo, irmão de Antonio Pires de Campos, promovido ao mesmo cargo pelo Cabido do Rio de Janeiro em sede vacante, por falecimento do Bispo.
Na viragem de 1722 para 1723, portanto, um novo Arraial começou a ser constituído nas Minas Novas do Cuiabá, mais adensado demograficamente, promovido com igreja logo tornada sede de Freguesia, sob a invocação do Senhor Bom Jesus.
Nas Minas do Cuiabá, com a ausência dos Leme, em fins de 1722, segundo Carlos Rosa, estabeleceu-se Miguel Sutil de Oliveira, logo seguido por multidão, no entorno das cabeceiras de um dos afluentes orientais do Córrego Prainha. Ausentes os Leme, tornou-se viável a alternativa de consolidação do poder por parte dos que apoiavam Fernando Dias Falcão, João Antunes Maciel e Pascoal Moreira Cabral Leme.
A essa alternativa “legalista”, que na prática implicava a incorporação de adventícios com algum poder, correspondeu a constituição de um novo Arraial. Foi nessa conjuntura que o Capitão -Mór Jacinto Barbosa Lopes “levantou” a igreja do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, sacrada por seu irmão, Frei Pacífico dos Anjos, atual Catedral Metropolitana de Cuiabá.
A igreja foi dedicada ao Senhor Bom Jesus, invocação evocadora dos Passos, no caso e do “Ecce Homo”. Não mais, portanto, a invocação de Nossa Senhora da Penha de França, dos tempos do Coxipó-Mirim. A diferenciação demarcava um novo tempo e um novo espaço, expressão de mudanças decisivas, econômicas e políticas.
No Cuiabá, a igreja do Senhor Bom Jesus foi erguida cerca de um quilômetro a Noroeste das Lavras do Sutil, instituindo uma diferenciação, uma bipolaridade básica: lavras/igreja. Ao mesmo tempo foi construída capelinha a São Benedito, duplicando-se a bipolarização, em um nível religioso pleno, morfologicamente …(…), informa Rosa.
A escolha do local distinguia claramente o território da igreja do território das lavras. Como igreja que “logo serviu de Freguesia”, segundo Barbosa de Sá (ou seja): a Matriz, o templo erguido por Lopes instaurava um polo de atração edificado, que ao mesmo tempo emanava eixos potenciais de ligação com qualquer outro espaço significativo, em particular com as lavras e com o atual bairro do Porto, às margens do rio Cuiabá, antes segundo Distrito de Cuiabá.
A igreja erguida, em si, Barbosa de Sá descreve-se lacônico, como sendo de pau-a-pique e coberta de palha, – o que pode levar a interpretação que enfatize uma conotação efêmera e pobre à edificação.
No caso da igreja edificada por Lopes, é interessante notar que só em 1739, ou seja, 17 anos após a sua sacração, é que ela foi reconstituída em Taipa – que desmoronou. E mesmo aí, diz o cronista que a reconstrução ocorreu não por perecimento ou ruina da igreja original, mas (…) por ser a que havia muito pequena (…), descreve Rosa.
A cobertura original de palha foi substituída por telha… (…) Quanto ao interior da igreja original, teria vindo com Rodrigo César de Menezes, em 1726, um certo Antonio Cândido de Borba e Sá, natural de Sorocaba-SP, o pintor-doirador do Altar Mor. E, embora nada ainda seja conhecido sobre as talhas do Altar Mor e dos laterais, o eventual Coro, imagens e alfaias desse período inicial, documento de 1736 (anterior portanto a reedificação) refere, além do Altar Mor, os Tocheiros e quatro “altares colaterais”. A imagem do Senhor Bom Jesus, entronizada na Matriz desde 1929, só foi descrita vagamente em 1749/50.
A última referência a Lopes em relação à igreja do Senhor Bom Jesus é: “quando Barbosa de Sá narra os acontecimentos de 1739, em particular a reedificação da Matriz, rememorando, com acréscimo de detalhes, a “ação plena” de Lopes na construção do templo fundamental.
De um modo geral, Costa Siqueira seguiu as afirmações de Barbosa de Sá sobre Jacinto Barbosa Lopes e diz: “ a chegada em fins de 1720/inicios de 1721, o levantamento da igreja ao Senhor Bom Jesus em 1722”, reafirmando o feito de Lopes. Neste ponto, porém, Siqueira apresentou de forma conclusiva o texto de Sá: “ este afirmara que (…) levantou o Capitão Mor Jacinto Barbosa Lopes igreja à sua custa, coberta de palha, que logo serviu de Freguesia, no mesmo lugar em que se acha a que presente existe dando-lhe o título de Igreja do Senhor Bom Jesus de Cuiabá (…)”.
Em 1729, o Senado da Câmara de Cuiabá mandava buscar no sitio de Camapuã a imagem do Senhor Bom Jesus, e em procissão solene, rito ancestral, e entronizava-a na Matriz, com Missa Cantada e três dias de Comédias, banquetes e fogos.
Portanto, a Catedral de Cuiabá foi fundada em 1722, hoje com 299 anos e rumando para os seus 301 anos, em 2023.
Neila Barreto é jornalista, mestre em História e membro da AML.