Pai continua procurando filho desaparecido em tragédia de Petrópolis a mais de um ano
Um ano após as chuvas que provocaram a morte de 235 pessoas em Petrópolis, na Região Serrana do Rio, moradores tentam reconstruir suas vidas em meio à dor do luto pela perda de parentes, amigos e vizinhos. Pessoas que viviam nas áreas mais atingidas reclamam da demora do início das obras por parte das autoridades. Uma passeata em direção à Câmara Municipal, nesta quarta-feira (15), também vai cobrar, entre outras reivindicações, respostas sobre o desaparecimento do corpo de uma das vítimas da maior tragédia da cidade.
O pai de Lucas Rufino, de 20 anos, luta, até hoje, para saber o que aconteceu com o filho. O estampador Adalton Vieira da Silva, de 51 anos, afirma que o corpo do rapaz sumiu após ter sido encontrado por parentes e vizinhos, dias depois, soterrado no morro da Oficina — um dos locais mais devastados pelas chuvas que atingiram a cidade, onde 93 pessoas morreram.
“Nesse ano que passou, continuo buscando resposta. A gente achou, desceu com ele e entregou aos bombeiros. Eles levaram ao IML [Instituto Médico-Legal], passei quatro dias lá e o delegado falou que ele não deu entrada. Como não deu entrada se foram os parentes que acharam?”, questiona.
Adalton explica que não estava no local no momento em que o corpo foi encontrado. Ele diz que chegou logo após receber a informação por meio de uma ligação.
“[Os vizinhos e tios] Acharam o Lucas perto da minha casa. Eles desenterraram e tiraram [o corpo]. Tem imagem, tem tudo. Os dois tios acharam ele e mais quatro vizinhos, que o viram crescer”.
Sobre o desaparecimento do jovem, a Polícia Civil foi procurada pelo R7 e respondeu que exames apontaram que o corpo encontrado não é de Lucas Rufino. Além disso, acrescentou que o inquérito foi concluído pela 105ª DP (Petrópolis) e encaminhado ao Ministério Público.
“Diversas diligências foram realizadas a fim de localizá-lo, assim como foram ouvidos os parentes, testemunhas e profissionais que trabalharam no resgate. O corpo reclamado pelos familiares passou por exame necropapiloscópico, que comprovou se tratar de outra vítima, tendo esta, inclusive, 15 centímetros a menos do que Lucas Rufino”.
Morador de Petrópolis também perdeu esposa e filha, de seis anos
Além do filho Lucas, Adalton perdeu a esposa e outra filha, de seis anos, na tragédia. Ele relembra que, naquele dia, deixou as duas em um bar, enquanto foi buscar Lucas, que havia permanecido em casa para ajudar uma vizinha.
Ao chegar, ele conta ter visto o filho tentar retirar a água que já invadia a residência da família. O pai diz ter tido tempo apenas de mandar Lucas abandonar o imóvel.
“Quando cheguei na frente da casa, escutei um estouro. Olhei para cima, e ele gritou: ‘Barreira, pai’. Corremos de mãos dadas. Senti como se fosse uma rasteira no pé dele. Eu caí dentro do mato, ficou tudo escuro, aquele vapor quente passando, o chão tremeu. Gritei: ‘Liliane, a barreira levou o Lucas’. Quando cheguei lá embaixo, o rapaz do bar colocou a mão na cabeça e disse que ela tinha ficado lá dentro”, disse.
Ainda de acordo com Adalton, mãe e filha não conseguiram sair de onde estavam no momento em que o local foi atingido. “Minha esposa quando ficava nervosa até desmaiava. Quando ela viu tudo o que vinha de cima, ela sentou na escada e abraçou minha filha. As pessoas conseguiram sair. Ela não teve força para correr”, relatou.
Manifestação
A manifestação convocada para hoje, a partir das 15h, vai reunir moradores como a costureira Rose Mary dos Santos Araújo, de 60 anos. Ela vivia na Vila Felipe e conta que escapou do pior por pouco, ao buscar abrigo na casa de uma vizinha, no dia da tragédia.
Com a casa interditada desde então, ela recebe o aluguel social, mas cobra pelo início das obras de reconstrução da área.
“Só taparam tudo e falaram que a obra começa, mas a placa não tem data. O prefeito [Roberto Bomtempo] falou que é depois do Carnaval. Mas a gente não tem essa data. E a casa da gente, que ficou desabrigada, está só se acabando. É muita infiltração por causa das chuvas, muita umidade. Quando a gente for liberado para reformar a casa, já é mais difícil, porque está se deteriorando. Estão roubando tudo, janela, pia, vaso”, contou.
Outro morador que pede mais atenção por parte do poder público é Alex Sandro Condé, de 43 anos, que perdeu o filho no soterramento da estamparia onde trabalhava. Além da dificuldade de conviver com a dor da perda, ele reclama que nada foi feito pelo bairro Alto da Serra.
“Semana passada, o prefeito fez uma reunião para apresentar o projeto onde aconteceu o acidente, mas só mostraram uma foto para gente. Dividiram a obra, que vai ser feita em três etapas. A primeira etapa começou, a segunda vai ter licitação. A terceira, que é onde a gente morava, na Servidão, ainda vão fazer o projeto e, depois, a licitação”.
O que dizem a prefeitura e o governo do estado
A Prefeitura de Petrópolis disse que, atualmente, tem 41 obras em andamento e outras 40 estão em fase de licitação — além das 48 concluídas. E que, em 2022, a prioridade foi restabelecer o funcionamento da cidade.
Em nota, informou que, agora, com mais recursos, serão iniciadas obras de grande porte no “coração dos desastres”: no Alto da Serra e na Vila Felipe.
Já o governo estadual afirmou, em nota enviada à Record TV, que “todas as ações assumidas pelo Estado para a recuperação da infraestrutura de Petrópolis estão em andamento e sem obras paradas”. Além disso, acrescentou que houve um investimento de R$ 255 milhões em trabalhos de contenção de encostas, reconstrução de ruas e reforço estrutural do túnel extravasor.
Outras obras estão em fase de licitação. Estão previstas intervenções, ainda no primeiro semestre de 2023, que vão contemplar a rua Bartolomeu Sodré, no Caxambu, com um investimento de R$ 40,6 milhões, a estrada do Paraíso, em Sargento Boening, com um investimento de R$ 17,1 milhões, a Travessa Vasconcelos, com um investimento de R$ 9,3 milhões, a Chácara Flora, com um investimento de 18,5 milhões, a rua Uruguai com investimento de R$ 42,6 milhões e as ruas 1º de Maio e Paulista, com investimento de R$ 19 milhões.