MP do novo Bolsa Família cria intervalo de dois anos para reajuste
A MP (medida provisória) que criou o novo Bolsa Famíla prevê um intervalo de dois anos para o governo reajustar os valores dos benefícios e a linha de pobreza que determina quem é elegível ao programa.
A intenção, segundo o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, é que as famílias contempladas não fiquem mais de dois anos sem atualização nos repasses, evitando a corrosão de seu poder de compra pela inflação.
Técnicos do ministério, porém, reconhecem a existência de uma controvérsia jurídica em torno de como o dispositivo foi redigido. O trecho da MP diz que os valores “poderão ser corrigidos a cada intervalo de, no mínimo, vinte e quatro meses, na forma estabelecida em regulamento”.
A redação abre brecha para a interpretação de que o reajuste precisará respeitar um intervalo mínimo de 24 meses -ou seja, não haveria nenhuma nova atualização antes de passados dois anos do último reajuste.
Segundo os técnicos, a ideia é exatamente o contrário: que os valores do Bolsa não fiquem congelados por mais de 24 meses, que seria o prazo máximo do novo reajuste. Eles não descartam a necessidade de ajuste do dispositivo durante a tramitação da MP no Congresso Nacional.
Os reajustes do Bolsa Família e do Auxílio Brasil nunca foram obrigatórios, nem seguiam um índice de correção específico -como ocorre no caso do salário mínimo, atualizado anualmente pela inflação, pelo menos. As mudanças nos valores do benefício eram decididas conforme a disponibilidade de recursos no Orçamento e a vontade política do governo.
No novo desenho, o Bolsa vai pagar R$ 142 por pessoa, com a garantia de no mínimo R$ 600 por família. Além disso, haverá um adicional de R$ 150 por criança de 0 a 6 anos e de R$ 50 por criança ou adolescente de 7 a 18 anos.
O governo também pagará um extra de R$ 50 a cada gestante. Serão elegíveis as famílias com renda de até R$ 218 por pessoa -uma ampliação em relação à faixa de pobreza, que era de até R$ 210 por pessoa. Apesar da intenção de criar uma periodicidade para os reajustes, não há na MP qualquer garantia de que eles serão suficientes para recompor a inflação do período.
“O nosso objetivo é que ele seja corrigido conforme a inflação, mas isso vai depender de todo o cenário”, disse a secretária Nacional de Renda de Cidadania, Eliane Aquino.
“Vamos fazer essa atualização, depende de como estará o Orçamento. Se o cenário estiver bem, teremos assegurado [o reajuste]”, afirmou em entrevista coleitva nesta sexta-feira (3).
Como mostrou a Folha de S.Paulo, a nova versão do Bolsa Família deve elevar para R$ 714 o valor médio a ser recebido a cada família no mês de junho, quando serão implementados todos os novos benefícios.
Apenas uma das novas parcelas adicionais será repassada já no próximo dia 20 de março: os R$ 150 adicionais por criança de 0 a 6 anos. Neste mês, 8,95 milhões de crianças nessa faixa etária devem receber o valor extra, a um custo estimado em R$ 1,34 bilhão ao mês.
Com isso, o valor médio do Bolsa neste mês deve ficar em torno de R$ 608. Em fevereiro, o benefício médio ficou em R$ 606,91. A partir de junho, serão pagos os R$ 50 extras a 7,14 milhões de crianças de 7 a 12 anos (a um custo de R$ 348,4 milhões mensais), 7,9 milhões de adolescentes de 12 a 18 anos (R$ 385,5 milhões) e 820,4 mil gestantes (R$ 40,3 milhões).
Os números podem variar mês a mês devido às revisões no cadastro. A reformulação do programa foi lançada na quinta-feira (2) pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cerimônia no Palácio do Planalto.
Segundo o governo, já no mês de março foram cancelados 1.479.916 benefícios do Bolsa Família cujos contemplados não preenchiam os requisitos do programa. Muitos ganhavam bem acima da linha de corte para receber a transferência de renda.
Desse grupo, cerca de 400 mil são famílias unipessoais, formadas por um único integrante. O governo informou ainda que já houve 4.165 desligamentos voluntários de famílias unipessoais, que pediram para sair do programa via aplicativo oficial por reconhecerem que não têm direito ao programa. Por outro lado, o MDS efetuou a inclusão de 694.245 famílias no Bolsa Família em março.
A partir do saldo líquido entre exclusões e novos contemplados, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome, Wellington Dias (PT), estimou que já houve uma economia de R$ 471 milhões por mês, ou R$ 5,65 bilhões em bases anuais.
O governo pretende conduzir, até o fim do ano, uma ampla atualização do Cadastro Único, focada principalmente nas famílias unipessoais, muitas das quais estão irregulares. Elas compõem lares com outras pessoas, mas se dividiram em busca de um valor maior de benefício. O atual governo afirma que a prática foi estimulada pela gestão de Jair Bolsonaro (PL).
“O Bolsa Família consome 1,4% do PIB, precisamos cuidar de que ele tenha um acerto de foto [do cadastro como referência]”, disse a secretária de Avaliação, Gestão da Informação e Cadastro Único, Leticia Bartholo.
Especialistas atribuem a distorção do cadastro à fixação do valor mínimo de R$ 600 por família, feita pelo governo Bolsonaro. A promessa foi mantida pelo governo Lula, mas com mecanismos que buscam atenuar o problema, como os adicionais para crianças e adolescentes. Questionado se a manutenção do valor mínimo de R$ 600 por família perpetua as distorções do programa, o ministro reconheceu que o novo desenho não acaba com a disparidade entre beneficiários, mas reduz de forma significativa esse problema.
“Não é fácil trazer [de volta] o objetivo do Bolsa Família por causa das alterações que ele sofreu e que desmantelaram o programa. Porém, a gente trouxe de volta o conceito com mais justiça”, disse Wellington Dias. “Fica aqui uma diferença menor, entre R$ 142 [por beneficiário] e R$ 600 [mínimo por família, mantido no caso de um único integrante]. Fica em quatro vez o que era 20 vezes [de diferença]. A gente faz uma justiça, e aí com o tempo a gente vai ter que tomar decisões que possam melhorar o desenho”, acrescentou.