Decisões de Moraes sobre detidos em 8 de janeiro têm trecho repetido e frases genéricas
A lista de 313 pessoas mantidas presas pelos atos golpistas de 8 de janeiro inclui acusados de depredar as sedes dos Três Poderes, disseminar fake news e incitar a tentativa de golpe. O grupo permanece preso quase três meses após os ataques golpistas.
O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes concluiu a análise da situação das mais de 1.400 pessoas que, até o início de março, seguiam atrás das grades.
Em sua maioria, as decisões trazem trechos repetidos e frases genéricas, sem avançar nos detalhes sobre os atos praticados por cada um dos detidos.
Advogados e defensores públicos questionam que, sem a individualização de condutas, a manutenção das prisões não se sustenta. Procurado, Moraes não comentou o assunto.
Entre os argumentos citados pelo ministro para a manutenção da prisão está o “risco concreto de reiteração de mobilizações criminosas”.
Ele também mencionou o “fundado receio” de que os investigados, em liberdade, possam “encobrir os ilícitos e alterar a verdade sobre os fatos, sobretudo mediante coação a testemunhas e outros agentes envolvidos e ocultação de dados e documentos que revelem suas ligações com terceiros”.
A PGR (Procuradoria-Geral da República) já denunciou 1.187 apoiadores de Jair Bolsonaro (PL) pelo episódio.
As peças são também criticadas pela defesa dos acusados por não apontarem condutas individuais. O STF ainda decidirá onde os processos serão julgados, se pela própria corte ou pela primeira instância.
A maioria das pessoas que segue presa integra, segundo a Procuradoria, o chamado núcleo de executores do vandalismo aos prédios do Executivo, Legislativo e Judiciário.
De acordo com a PGR, elas “associaram-se, notadamente a partir de convocações e agregações por meio de redes sociais e aplicativos de mensagens, com o objetivo de praticar crimes contra o Estado Democrático de Direito”.
Neste grupo está Adalto da Silva Araújo, morador de Feira de Santana (BA). Ele foi preso em flagrante pela Polícia Militar do Distrito Federal no interior do Palácio do Planalto. Araújo afirmou à Justiça trabalhar com capotas de veículos.
A PGR narra que o denunciado ingressou na sede do Executivo “empregando violência e com o objetivo declarado de implantar um governo militar”.
Moraes considerou que os fatos podem caracterizar crimes como dano qualificado ao patrimônio, associação criminosa, abolição violenta do Estado democrático de Direito e golpe de Estado.
Somadas, as penas podem chegar a 30 anos de reclusão. Procurada pela reportagem, a defesa de Araújo não enviou resposta até a publicação deste texto.
Outro caso é o de Lucivaldo Pereira de Castro, 39, morador de Tucumã (PA). Ele foi preso em flagrante em 8 de janeiro na praça dos Três Poderes com “diversas bolas de gude, um óculos protetor preto, um par de joelheiras, uma balaclava preta e dois isqueiros”, segundo a decisão.
Em sua audiência de custódia, em 12 de janeiro, Lucivaldo disse ter estudado até a 5ª série do ensino fundamental e que é autônomo, recebendo menos de um salário mínimo por mês. Também informou nunca ter sido preso ou processado e que faz o uso de maconha.
Lucivaldo é representado pela Defensoria Pública do Distrito Federal, que pediu o relaxamento de sua prisão sob o argumento de que não se verificava mais a situação de flagrante. Alegou também que não houve individualização da conduta do custodiado.
Já Abdias Joaquim dos Reis, Adaildo Alves Santana e Josenaldo Batista Alves foram presos em flagrante no dia 9 de janeiro, em frente ao quartel-general do Exército, sob o mesmo argumento de Moraes de que incitaram, publicamente, a animosidade das Forças Armadas contra os Poderes constituídos.
O ministro repetiu em relação aos três o trecho “ser importante ressaltar, nesse caso em específico que, em certidão elaborada pelo TSE [Tribunal Superior Eleitoral], está consignado que o investigado, no dia dos atos criminosos, mesmo depois de detido, realizou postagens nas redes sociais com desinformação a respeito das condições da detenção e com apologia à continuidade dos atos criminosos”.
Na decisão de Josenaldo Alves, Moraes incluiu o link de uma publicação jornalística dizendo que o preso se tratava de um vigilante terceirizado do STF. A reportagem também afirmava que o STF instaurou um procedimento para apurar “se o vigilante repassou informações sensíveis que possam ter fragilizado a segurança”.
O autuado relatou que estava fazendo tratamento quimioterápico, tendo alertado os médicos do estabelecimento penitenciário sobre este fato. A defesa de Josenaldo Alves afirmou que não comentaria o assunto em razão do sigilo das investigações.
Em audiência de custódia, Abdias Reis relatou ser pedreiro e morador de Poços de Caldas (MG) e já ter tido câncer de próstata. Também afirmou ser hipertenso e que faz uso de fraldas geriátricas e medicamentos controlados.
A DPU (Defensoria Pública da União), que fez a sua defesa inicial, disse que havia generalidade e precariedade dos autos de prisão em flagrante, sem informações básicas da individualização da conduta do suspeito.
“A alegação de fatos genéricos não pode resultar na presunção de participação nos autos. Ademais, a ordem pública já está restaurada e assegurada pela intervenção federal na segurança pública do DF”, diz o pedido da DPU.
Responsável atualmente pelo caso, a advogada Inês Aparecida Baptista do Nascimento afirmou que a decisão de Moraes “não se mostrou coerente” com as demais decisões que concederam liberdade provisória a centenas de pessoas.
“Não guarda coerência com a própria situação do sr. Abdias [Reis], que tem estado de saúde extremamente delicado decorrente de neoplasia maligna, necessita de fisioterapia continuada, encontra-se no momento extremamente enfraquecido física, mental e emocionalmente em decorrência da falta de cuidados médicos necessários e da alimentação inadequada que vem recebendo na prisão, além da idade avançada”, afirmou.
“Nos aspectos jurídicos, a decisão necessita de uma apuração melhor de vez que não individualizou a conduta ainda que o ordenamento jurídico brasileiro não admita decisões genéricas.”
A defesa de Adaildo não foi localizada. Na audiência de custódia, alegou também a “ausência de individualização de conduta nos autos” e irregularidades na prisão em flagrante e, por tais razões, pediu o relaxamento da prisão.