Vídeos no TikTok celebram assassinos que atacaram escolas
No TikTok, vídeos que somam milhares de visualizações tratam os autores de massacres em escolas, como o de Suzano e o da última segunda-feira (27) na Vila Sônia, na zona oeste de São Paulo, de forma romantizada e até mesmo como inspiração.
Para especialistas, a circulação desse conteúdo traz enorme risco de incitar novos casos, sobretudo, por se tratar de uma rede acessada por adolescentes e até mesmo crianças.
Entre quinta (30) e sexta-feira (31), a Folha encontrou diversos vídeos com imagens dos ataques e dos autores com legendas que exaltam os crimes.
Após a reportagem questionar o TikTok sobre a responsabilidade da empresa em abrigar conteúdo desse tipo, ao menos cinco publicações foram removidas da plataforma.
Entre as publicações, algumas tratavam os agressores com uma espécie de admiração. “Inspiração”, escreve um usuário, enquanto outro diz, em tom de ameaça, “ninguém chega aos pés dele [autor do ataque em Suzano], mas [eu] chegarei”.
“Esse moleque achou mesmo que ia passar o [autor dos ataques de Suzano] com uma faca”, diz um. “Chega nem perto um kill [morte, em inglês] com uma faca [instrumento usado pelo agressor]”, afirma outro.
Nos perfis dos usuários que escrevem esses comentários, há quem use uma máscara de caveira na foto de perfil ou quem pergunte onde consegue comprar o item –símbolo de supremacistas americanos, foi usado no ataque em Suzano e também no recente episódio de São Paulo.
É uma mistura muito explosiva, porque esses meninos estão isolados e encontram um conteúdo que se vende como a solução para o seu problema: com a violência, eles vão se mostrar superiores a quem os fez sofrer
Procurado, o TikTok afirma que trabalha continuamente para remover qualquer conteúdo e indivíduos que prejudiquem “a experiência criativa e alegre que as pessoas esperam em nossa plataforma”.
Uma fonte ligada à empresa diz que a cada caso é aplicada uma política diferente. Por exemplo, se uma conta tentar promover, glorificar uma violência ou ameaçar a segurança pública, a conta é banida. Além disso, se há comprovação de ameaça, a empresa afirma que os casos são repassados às autoridades competentes do local.
Entre as trocas de mensagem por WhatsApp que o agressor da escola da Vila Sônia fez com um colega, ele encaminhou mensagens em que afirma que os dias dele estariam contados, além de enviar figuras com símbolos nazistas e com a imagem do ataque em Suzano e uma frase “vou mata tds vcs seus fdp”.
O WhatsApp diz que “não tem acesso ao conteúdo das mensagens trocadas entre usuários e não realiza moderação de conteúdo”. Porém, a rede social afirma não permitir o uso para fins ilícitos ou que instigue ou encoraje condutas que sejam ilícitas ou inadequadas. Nos casos de violação dos termos, as contas podem ser desativadas ou suspensas.
Para Juliana Meato, assessora da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, as polícias e órgãos de inteligência precisam urgentemente monitorar essas redes para identificar quem produz e compartilha esse tipo de conteúdo, já que publicações como essa podem ter um efeito de contágio.
“Antes, esses conteúdos eram compartilhados na deep web com um alcance muito menor, mas agora circulam em redes sociais com alcance de milhões de pessoas. Não se sabe quem está por trás da produção desse conteúdo, mas há uma clara lógica de espelhamento e mimetização entre os atentados”, diz ela.
O adolescente de 13 anos que cometeu o ataque na escola Thomazia Montoro fazia referências nas redes sociais ao massacre em Suzano, que deixou oito mortos em 2019. Ele usava um perfil com o sobrenome do de um dos dois autores desse caso.
A máscara utilizada por ele na execução do crime também era a mesma tanto de atiradores de Suzano quanto do adolescente que atacou duas escolas em Aracruz, no Espírito Santo, em novembro do ano passado.
Meato diz ainda que esse tipo de conteúdo é como um “empoderamento às avessas” para meninos (principal perfil dos autores de massacres) que podem ter problemas psiquiátricos ou estar passando por dificuldades familiares ou de convivência na escola.
“É uma mistura muito explosiva, porque esses meninos estão isolados e encontram um conteúdo que se vende como a solução para o seu problema: com a violência, eles vão se mostrar superiores a quem os fez sofrer.”
Para o sociólogo Michel Gherman, a lógica das redes sociais de que discursos de ódio atingem maior alcance é assimilada pelas crianças, ainda que elas não tenham consciência e maturidade para avaliar a gravidade desse conteúdo.
“Isso chega a uma criança de 12 anos que, a partir da necessidade de ganhar likes e com isso ter mais tráfego na rede, passa a fazer parte de uma comunidade de injustiçados que precisam fazer justiça”, diz ele, que considera que esse tipo de conteúdo sempre existiu na deep web, mas agora encontrou uma forma de produzir lucro.
Por isso, para ele, há necessidade de regulação das redes sociais. “A gente está em uma fase em que comércio de ideias carece de regulação, e o mundo sem regulação é sem fronteiras. O capitalismo sem regulação é caos e barbárie.”
Valéria Cristina Oliveira, professora da faculdade de educação da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e pesquisadora do Nupede (Núcleo de Pesquisa em Desigualdades Escolares), afirma que os jovens, provavelmente, sabem muito pouco sobre os símbolos que disseminam nas redes sociais, como as figurinhas de cunho nazista e as máscaras que simbolizam os supremacistas americanos.
“Esse discurso chega para eles de uma forma mais simples e agressiva nesses espaços que eles têm inserção. Não é a falta de conhecimento, mas talvez a narrativa apareça de uma forma mais acessível e principalmente gerando uma espécie de identificação.”
O psiquiatra Rodrigo Bressan diz que estudos internacionais já demonstraram que a faixa etária dos 11 aos 13 anos é a mais suscetível às opiniões de colegas ou de quem veem como similares, por isso, levam menos em conta o que dizem pais e professores. Para ele, os responsáveis devem monitorar o que os filhos acessam na internet e redobrar a atenção com o comportamento.
“As famílias não devem ter medo de monitorar o que as crianças e adolescentes acessam na internet, não é uma invasão de privacidade, mas cuidado. Deixar que eles naveguem livremente é como soltar uma criança sozinha no centro de São Paulo. Nós queremos que nossos filhos sejam independentes e autônomos, mas antes precisamos dar orientação.”