Bolsonaristas fustigam união entre direita e prefeito de SP
Embora tente congregar um arco de apoio que vá do centro ao bolsonarismo, o prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), já enfrenta resistência na militância da direita ideológica que ficou órfã após o deputado Ricardo Salles (PL-SP) desistir da sua candidatura.
Caciques do centrão e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) costuram o casamento entre Nunes e o bolsonarismo na tentativa de unificar esforços para derrotar a esquerda representada por Guilherme Boulos (PSOL).
Além de Boulos, devem concorrer também Tabata Amaral (PSB) e José Luiz Datena (PDT). O MBL fará prévias entre Kim Kataguiri (União Brasil) e Guto Zacarias (União Brasil), como revelou a Folha.
Deputados bolsonaristas, no entanto, afirmam que não há identidade entre o eleitorado que representam e Nunes. Quem acompanhou a eleição de 2020 na capital já viu esse filme -os parlamentares comparam a situação com a de Celso Russomanno (Republicanos), que terminou em quarto lugar, com 10,5%.
Sem um representante naquela corrida, o então presidente resolveu dar seu apoio a Russomanno apesar de o deputado federal não se enquadrar como bolsonarista raiz. A campanha foi marcada por disputas internas e contradições, com direito a fogo amigo e falta de empenho.
Na Assembleia Legislativa de São Paulo, deputados bolsonaristas críticos do apoio a Nunes afirmam que o cenário é ainda pior do que o de 2020, porque Russomanno largou na frente e a missão da direita era não deixá-lo cair como de costume. Agora, ponderam, o prefeito é desconhecido e precisa ser alavancado nas pesquisas.
O abandono da candidatura de Salles deixou claro não só o apoio do presidente do PL, Valdemar Costa Neto, a Nunes como o embarque do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do próprio Bolsonaro na reeleição do emedebista. O marqueteiro Duda Lima, ligado a Valdemar, é quem deve comandar a campanha do prefeito.
Outros dirigentes do centrão por enquanto apoiam o prefeito -Marcos Pereira (Republicanos), Ciro Nogueira (PP) e Milton Leite (União Brasil), o que dificulta o lançamento de candidaturas alternativas no campo da direita por essas legendas.
Políticos bolsonaristas ouvidos pela Folha afirmam que a adesão da cúpula a Nunes não reflete o sentimento da base. Entre os motivos para rejeitar o prefeito lembram que ele já disse não ser de direita e que não declarou apoio a Bolsonaro na eleição do ano passado.
“Eu vejo 2020 se repetindo e imagino uma campanha com índice de abstenção altíssimo, uma falta de vontade de escolher entre o menos pior. Vai ser um voto baseado em rejeição e não em ideias”, afirma o deputado bolsonarista Lucas Bove (PL), que costuma criticar Nunes em suas redes.
Integrantes do MDB confirmam que Nunes deve fazer uma campanha com posicionamento de centro, como fez Bruno Covas (PSDB) em 2020. Aliados do prefeito querem evitar que ele seja visto como conservador –apesar de próximo da Igreja Católica.
A ideia é fugir de polêmicas e evitar a nacionalização do pleito, mantendo o foco nos problemas da cidade e não na agenda de costumes, para que o bolsonarismo não contamine a campanha.
Ainda segundo estrategistas ligados ao prefeito, a leitura é a de que ideologia não deve ser um fator importante na decisão do eleitor e sim a qualidade dos serviços públicos.
Parte dos bolsonaristas têm esperança de que surja uma alternativa a Nunes no vácuo deixado por Salles, afinal falta pouco mais de um ano para o início da campanha municipal. Despontam na direita nomes como Eduardo Bolsonaro (PL), Tomé Abduch (Republicanos) e Marcos Pontes (PL), além do próprio Salles, que teria que migrar para uma sigla nanica.
Defensores de uma candidatura de direita afirmam que o PL, o maior partido do país, e o Republicanos, legenda de Tarcísio, não podem se omitir na disputa paulistana -mesmo que seja para perder marcando posição e defendendo o legado de Bolsonaro.
“A direita precisa ter um candidato. Não lutamos com Bolsonaro por quatro anos para entregar a maior capital do país nas mãos do que há de pior na política. As justificativas para não ter candidatura são as mesmas que o centrão e a terceira via davam em relação a Bolsonaro [em 2018], de que o discurso não pode ser extremista, de que tem que agregar. No fim das contas, querem que a gente abra mão das nossas convicções”, diz Bove.
Valdemar da Costa Neto e Ciro Nogueira, por exemplo, argumentam que um candidato de direita não tem chance com o eleitorado progressista da capital, que deu vitória a Lula (PT) na cidade em 2022. Na opinião dos dirigentes, Nunes deve caminhar na centro-direita e uma pulverização de candidatos seria prejudicial.
Para isso, aliados do ex-presidente defendem que Nunes tenha um bolsonarista como vice em sua chapa, o que amarraria o casamento. Nesse sentido, o nome de Fabio Wajngarten, ex-chefe da Secretaria de Comunicação de Bolsonaro, passou a ser cogitado.
A aposta é a de que a presença de um bolsonarista raiz na chapa seria suficiente para atrair os votos da direita ideológica e servir de resposta às críticas de radicais contra o prefeito –blindando-o do efeito Russomanno.
Aliados de Nunes ponderam ainda que, entre Boulos e ele, os bolsonaristas serão obrigados a votar no prefeito, mesmo que sua campanha não seja voltada para a direita.
No bolsonarismo raiz, no entanto, o arsenal contra Nunes é extenso. Os ataques vão desde reclamações da gestão da cidade a questões de alinhamento ideológico, como a declaração ao jornal O Estado de S. Paulo de que não seria o candidato da direita de jeito nenhum.
Nunes também já criticou a atuação de Bolsonaro na pandemia e defendeu o passaporte da vacina, além de exaltar políticas da prefeitura voltadas à população LGBT+ e trans –uma agenda contrária a do bolsonarismo.
Há não muito tempo, porém, Nunes representava o conservadorismo na Câmara dos Vereadores, onde integrava a bancada religiosa. Em 2015, foi o principal defensor de que a Casa retirasse todas as menções à diversidade sexual do texto do Plano Municipal de Educação.
“A gente acha que não é correto criança discutir sexualidade, se quer ser menino ou quer ser menina”, afirmou ao G1 na época.
No segundo turno da eleição, o prefeito do MDB gravou vídeo declarando apoio a Tarcísio de Freitas (Republicanos), mas evitou endossar Jair Bolsonaro (PL). A presidenciável do MDB, Simone Tebet, apoiou Lula (PT), e hoje o MDB é parte da base do petista.