Abusadores usam fotos falsas para chantagear vítimas

Quando se fala em estupro, o primeiro cenário que vem à mente pode ser uma rua escura, mas, hoje, isso acontece até mesmo pela tela do computador, se trata do “estupro virtual”.

O termo ainda não está na legislação, mas a lei de estupro já abrange ameaças para a produção de imagens pornográficas.

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Um dos primeiros casos de violação virtual a ser considerado como estupro foi o de Cristian Pereira, que usava o nome falso de Fred Maya. Ele foi condenado em 2014, após fazer mais de 150 vítimas.

Uma delas estava grávida e noiva na época. Os ataques fizeram o noivado acabar e ela quase perdeu o bebê. Apesar disso, a vítima conseguiu gravar o estupro e denunciar.

“Essa moça começou a sofrer essas ameaças e tinha que fazer uns telefonemas com ele on-line, se não, ele iria pegá-la, ia matar”, diz Iolanda Garay, presidente da Associação Nacional das Vítimas de Internet (Anvint) e advogada no caso. Contudo, apesar de o agressor fazer vítimas brasileiras, ele morava na Inglaterra.

“A vítima sente com a mesma intensidade [o estupro], tirando os ferimentos da violência física propriamente ditos”, explica.
Nessa reportagem, será explicado:

Como atuam os criminosos
O que fazer se for vítima
O que diz a lei
Por que a geração digitalizada tem menos chances de ser chantageada com nudes

Como atuam os criminosos

Existe um padrão de como que esses atacantes dão início à chantagem que terminará no estupro virtual.

Após ter poder sob a vítima, o atacante pede diversos tipos de conteúdo, que pode ser ela se masturbando, fazendo sexo com outra pessoa e, até mesmo, introduzindo no seu corpo objetos que ele enviou para a sua casa, explica Iolanda.

Outro método é o agressor conquistar a confiança da vítima para que ela mande nudes. Ele, por exemplo, se aproxima por meio da paquera on-line, envia fotos nu (verdadeiras ou não) e pede que ela também mande. Depois disso, começam as ameaças.

O que fazer

Se você for vítima deste tipo de golpe, entenda o que deve ser feito:

Passo 1: Não obedeça ao pedido do agressor ou produza conteúdo para ele. Assim você evita criar um ciclo de ameaça. “Muitas vezes, esse cara que falou isso não tem nada seu. Ele fez uma montagem. Aí, quando você mandar a primeira imagem, começa o jogo dele”, explica Iolanda.

Passo 2: Conte para alguém de confiança. Evite que essa pessoa seja um namorado, pois é possível que ele seja o agressor, afirma a advogada.

No caso de crianças como vítimas, é importante os pais manterem um monitoramento do acesso às redes e ter um diálogo aberto com os filhos, para que eles tenham um lugar de confiança para recorrerem e para saberem que existe esse tipo de golpe.

Os pais também precisam ficar atentos às mudanças de comportamento, aponta Eduarda Horta, advogada especialista em cibersegurança.

Passo 3: Faça um boletim presencialmente na delegacia. Isso é importante porque o boletim virtual não irá fornecer o acolhimento necessário, explica a presidente da Anvint.

Na delegacia, não é necessário mostrar fotos íntimas, caso a vítima não queira.

Passo 4: Feche as redes sociais e remova a sua foto do WhatsApp, recomenda a advogada. “Porque eles se aproveitam das informações que estão ali on-line, para ver quem que é seu pai, quem é sua mãe, onde você mora”, explica. Em média, esses cuidados devem durar entre 3 e 4 meses.

Passo 5: Se achar as suas imagens em site de pornografia, entre em contato com o portal. Para isso, Iolanda recomenda escrever um e-mail em inglês, explicar a situação e enviar uma foto sua com seu documento, cobrindo o número, comprovando que realmente é você.

O que diz a lei

Mesmo sem existir uma lei em vigor que use a palavra “virtual”, a legislação atual já abrange esse tipo de estupro, uma vez que o artigo 213 define que o crime se trata de: “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”.

O trecho que diz “se pratique outro ato libidinoso” é onde se enquadra o estupro virtual, pois diz respeito a obrigar a produção de material sexual e usar ele para prazer próprio, explica Iolanda. Outro ponto em que o crime se encaixa é que o conteúdo é conseguido “mediante grave ameaça”.

“Ele obriga, ele força, ele violenta a vítima. Por isso que é um estupro de fato”, diz. “As consequências são as mesmas de um estupro carnal”, completa.
Existe ainda o Projeto de Lei 3628/20 que quer legalizar o termo “estupro virtual”, incluindo o artigo 217 B no Código Penal. O PL criminalizaria “assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, menores de 14 anos, a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita”.

O projeto ainda aguarda apreciação pela Câmara.

Uma das diferenças ao crime de estupro é que o artigo 217 B propõe uma pena menor, de 4 a 12 anos de cadeia, enquanto a pena de estupro atual contra menores de 14 anos determina prisão de 8 a 15 anos.

“Eu, particularmente, entendo que não deveria ser o caso, porque tanto o crime virtual quanto o crime ocorrido na forma física têm impactos sobre a vítima, seja ela de forma psicológica ou emocional”, afirma a advogada Eduarda.

Apesar disso, a especialista em crimes cibernéticos acredita ser importante a aprovação da lei, uma vez que ainda existe a possibilidade de juízes não tipificarem os estupros virtuais como estupro, mas como assédio ou stalking.

Além da questão da pena menor, outra limitação do projeto é que ele apenas tipifica como estupro virtual casos com vítimas menores de 14 anos, deixando de fora as outras faixas etárias.

Mulheres mais maduras são mais vulneráveis ao estupro virtual do que as que cresceram no mundo pós-internet, apontam os especialistas entrevistados pelo g1. Existem algumas razões para isso.

A geração adulta teme como isso pode atrapalhar a sua carreira e abalar a sua imagem. Assim, quando o golpista começa as ameaças, ela tende a ceder e a enviar o material, explica Eduarda.

Já os adolescentes estão mais acostumados com a exposição da vida pessoal on-line e a compartilhar imagens íntimas com amigos. Eles entendem que há um grande volume de nudes na internet e de fotos falsas que parecem reais, diz o pesquisador em relacionamento virtual e vínculos humanos do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP/USP) Vitor Muramatsu.

Portanto, quando essas fotos vazam, há o sentimento de que será “apenas mais um caso”, que “acontece com todo mundo” e que há chances de não acreditarem que ela é verdadeira. É por isso que, quando o golpista se apresenta, o adolescente tende a não ceder às chantagens para proteger a suposta foto.

“Então, eu vejo que, em grande medida, as pessoas que são mais atacadas por esse tipo de criminoso estão mais ligadas a um grupo de pessoas que são conservadoras e tendem a conservar e blindar a sua imagem”, afirma o pesquisador.

Existe também uma questão moral. Enquanto a geração anterior sente que fez algo errado quando há o vazamento de imagens, a mais jovem usufrui do movimento sexy positive (positividade sexual, em inglês), que proporciona menos julgamento por vazamento de imagens e pela sua sexualidade, diz.

Estadão Mato Grosso