Escritor: vingança e mentiras forjaram imagem negativa de Filinto
A morte de um dos personagens mais emblemáticos da história do País completa 50 anos na próxima terça-feira (11). Chefe da Polícia no governo de Getúlio Vargas e ex-senador por Mato Grosso por quatro mandatos, o cuiabano Filinto Müller divide opiniões até os dias de hoje.
Nunca gostei de ver histórias de reputações manchadas por conta de mentiras
O livro do escritor e articulista João Carlos Vicente Ferreira tenta lançar luz sobre a história Filinto. Para Ferreira, houve muita mistificação em torno do político, visto de forma negativa por muitos historiadores e formadores de opinião.
Segundo o escritor, no entanto, essa imagem é fruto de mentiras inventadas pelo megaempresário da comunicação, Assis Chateaubriand, o “Chatô”. Filinto teria negado um pedido do empresário ainda na década de 30, de deportar a argentina Cora Acuña, com quem teve um caso extraconjugal e da relação uma filha.
Foram exatamente as inconsistências nessas versões “demonizadas” a respeito de Filinto que instigaram o escritor a se aprofundar na história do personagem. “No começo de minhas pesquisas passei a ver inverdades sobre o que a grande mídia publicou e publica até os dias de hoje sobre esse cidadão brasileiro”.
“Nunca gostei de ver histórias de reputações manchadas por conta de mentiras, nunca apreciei memórias destruídas por causa da maldade humana ou por interesses pessoais e escusos. Quantas pessoas estão vivendo isso nesse momento? Certamente muitas!”, disse.
Intitulada “Filinto Müller – A Verdade por Trás da Mentira”, a obra será lançada nesta terça-feira (11), aniversário da morte do ex-senador. Filinto morreu aos 73 anos em um acidente aéreo na França, juntamente com a esposa e o neto.
Confira a entrevista na íntegra:
MidiaNews
João Carlos Vicente Ferreira, escritor e articulista
MidiaNews – Há quanto tempo está produzindo o livro sobre Filinto Müller? Como e por que decidiu dedicar-se a essa temática?
João Carlos Vicente Ferreira – Me iniciei em pesquisas sobre esse tema há cerca de 4 anos, de forma descompassada. No entanto, já conhecia o tema há tempos. Participei de algumas discussões sobre a figura de Filinto Müller, sempre como atento observador. O assunto é instigante e me levou a conversar com pessoas que conviveram com o senador Filinto Müller. Tive informações que me levaram a formar opinião sobre sua trajetória de homem público, tanto como servidor, político e quanto militar. No começo de minhas pesquisas passei a ver inverdades sobre o que a grande mídia publicou e publica até os dias de hoje sobre esse cidadão brasileiro. Ainda não concluí o meu trabalho sobre Filinto. Esse livro é apenas uma parte daquilo que pretendo escrever sobre Filinto, com mais documentos que são fontes importantes para serem analisadas à luz da imparcialidade e com a caneta biliar guardada em cofre. Depois disso podem falar o que bem entenderem sobre os meus escritos.
MidiaNews – Qual o motivo para escrever o livro?
João Carlos Vicente Ferreira – Decidi falar sobre esse tema porque quis, simples assim, ninguém me pediu para fazê-lo, nem mesmo a família Müller, com quem tenho quase nenhum contato. Minha aproximação com eles se deu por três pessoas da família, exatamente para contribuição da construção dos textos que compõem o livro. Nunca gostei de ver histórias de reputações manchadas por conta de mentiras, nunca apreciei memórias destruídas por causa da maldade humana ou por interesses pessoais e escusos. Quantas pessoas estão vivendo isso nesse momento? Certamente muitas!
MidiaNews – Que mentiras são contadas como se fossem verdades sobre a trajetória do personagem Filinto Müller?
Reprodução
À esquerda o presidente Getúlio, a direita Filinto Müller
João Carlos Vicente Ferreira – São algumas, mas muito bem construídas e arquitetadas, tão bem imaginadas que estão vivas até a contemporaneidade como fossem a mais pura realidade. Por exemplo: o nome de nosso personagem é Filinto Müller. No livro ‘Falta Alguém em Nuremberg’, do jornalista e escritor David Nasser, que foi contratado a peso de ouro por Assis Chateaubriand para destruir Filinto Müller, ele coloca no nome de Filinto um acréscimo: Filinto Strubing Müller. O sobrenome do meio foi para causar aversão à sociedade da época – ano de 1947 – no pós 2ª Guerra Mundial, quando havia sentimento negativo em relação aos países do Eixo, ou seja, aos alemães, principalmente, e, aos italianos e japoneses. A palavra Strubing soa forte, bem prussiano, isso aliado às dezenas de produções hollywoodianas que enalteciam americanos e detonavam alemães, contribuiu para reafirmar a descendência germânica de Filinto. Ele não negava sua origem, gostava muito até. No entanto, sua família estava no Brasil desde a década de 1840. Ou seja, havia mais de 100 anos daquele período. No livro explico isso direitinho. Outros fatores são as acusações falsas de que ele era desertor da Coluna Prestes, além de ter subtraído recursos destinado às tropas militares. Mentira. Ele nunca pertenceu à Coluna Prestes, não desertou e nem furtou. Isso está no livro bem explicado. Para se ter ideia, o filho do general Miguel Costa, que escreveu um livro sobre esse tema, na década de 1930, afirma que Filinto não desviou nenhum recurso. O valor das mentiras ditas não está apenas no tempo que elas duram, mas na intensidade com que continuam acontecendo. Aqui cabe Einstein: “O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade”.
MidiaNews – O caso Olga Benário foi uma dessas mentiras? O que pensa sobre o livro do Fernando Morais, que responsabiliza Filinto por entregar Olga aos nazistas?
Quem determinou sua deportação? Foi o Superior Tribunal Federal, com aval do presidente da República. Sempre é assim que funcionou nesse país. Chefe de polícia não deporta ninguém. E Filinto era isso: Chefe de Polícia
João Carlos Vicente Ferreira – O caso da Olga foi uma dessas mentiras sim. O livro do Fernando Morais é excelente, ele é um grande escritor. Infelizmente, ele navegou numa mentira de David Nasser, de que fora Filinto o principal responsável pela deportação da alemã e terrorista condenada e procurada em seu país de origem, Olga Benário. Tenho certeza que isso não diminui o peso de Morais na história da literatura brasileira. Erros ocorrem. No entanto, não podíamos deixar de fazer esse registro. A polícia dirigida por Filinto aprisionou centenas de golpistas da Intentona de 1939, dentre os muitos detidos estavam Olga e Luís Carlos Prestes. Foram encaminhados aos seus respectivos cárceres. Luís Carlos Prestes ficou preso por alguns anos, depois foi libertado. Olga foi deportada no ano de 1936, para a Alemanha, para pagar a pena pela qual foi condenada. Quem determinou sua deportação? Foi o Superior Tribunal Federal, com aval do presidente da República. Sempre é assim que funcionou nesse país. Chefe de polícia não deporta ninguém. E Filinto era isso: Chefe de Polícia.
MidiaNews – Em algumas entrevistas o senhor chegou a dizer que ele foi alvo de fake News. Com que propósito acha que elas foram inventadas?
João Carlos Vicente Ferreira – Sim, foi alvo de fake news. As invencionices que citei acima não eram denominadas fake news nas décadas de 1940 a 60. Essa nomenclatura é moderna e se atribui ao período de campanha eleitoral de Donald Trump, que se valeu de um marqueteiro sagaz para sua vitória: Stephen Kevin “Steve” Bannon. O propósito de se criarem as falsas notícias em torno de Filinto não passou de um ato covarde de vingança do megaempresário das comunicações da metade do século XX, Assis Chateaubriand. A vingança de Chatô, como era conhecido, em cima de Filinto deu-se por um pedido não atendido pelo então Chefe de Polícia, em fins da década de 1930 e nos primeiros anos da década de 1940. Chatô teve um caso extraconjugal com uma jovem argentina chamada Cora Acuña. Tiveram uma filha. Ele se separou dessa mulher e quis deportá-la para seu país de origem e ficar com sua filha, a Teresoca. Não conseguiu apoio para seu intento, pois era um pedido ilegal, fora dos padrões. Mas ele era poderoso e tentou de todas formas conseguir o seu objetivo. Ao final de tudo Chatô viu fracassada sua tentativa de ficar com a filha e ver sua antiga amante fora do Brasil. Resultado, Cora se casou com outro e ele quis arrumar um mártir: Filinto Müller. Chamou o jornalista David Nasser e deu-lhe uma ordem: “Destrua esse homem”.
MidiaNews – Sua obra resgata e valoriza a trajetória do ex-senador. Para o senhor, qual é o maior legado de Filinto Müller? Como avalia a sua importância para a história nacional e regional. Acha que ele tem o reconhecimento que merece em MT?
Reprodução
Uma das últimas imagens de Filinto (ao telefone) antes do acidente. Ao seu lado o atual deputado estadual Júlio Campos
João Carlos Vicente Ferreira – Filinto é um grande brasileiro. É o grande responsável pelas obras de modernidade em Cuiabá, nas décadas de 1930/40, que permitiram que Cuiabá se consolidasse como a capital do Estado. São de sua articulação as construções do Cine Teatro Cuiabá, Casa dos Governadores, Ponte Júlio Müller, dentre outras inúmeras obras. Na década de 1970, atuou para a fase de ocupação da Amazônia mato-grossense por atividades da Sudeco (Superintendência de Desenvolvimento do Centro-Oeste) e da Codemat (Companhia de Desenvolvimento do Estado de Mato Grosso S/A), além de trabalhos desenvolvidos por empresas colonizadoras particulares, que contribuíram para o surgimento de dezenas de novas cidades nas regiões noroeste, norte e nordeste de Mato Grosso. Se ele tem o reconhecimento que merecia em sua terra natal? Eu digo que não. Apenas algumas pessoas sabem de seu verdadeiro valor e fazem o possível para socializar seus pensamentos. Mas isso é pouco. É abafado por um mar de pensamentos contrários a Filinto Müller produzidos pelos escritos em livros, filmes, documentários e artigos, a maioria advindo das mentiras que Nasser publicou em livros, em artigos na revista ‘O Cruzeiro’, ou por sua própria fala.
MidiaNews – Filinto é apontado até hoje por alguns historiadores como o patrono das armas dos torturadores do Brasil. Seu nome é relacionado com tortura e até mesmo com ideologias nazistas. O que pensa sobre essa associação? Acha que é uma tentativa de manchar a sua memória? Por que?
João Carlos Vicente Ferreira – Filinto Müller fez parte de um governo ditatorial, que sofreu atentados para sua derrubada e dissolução. A Intentona e os escritos inverídicos de David Nasser levaram a Filinto a pecha de torturador. O governo vivia um Estado de Exceção. Filinto era parte dessa engrenagem. Ocorreram torturas e violências? Claro que sim, isso ninguém nega. Mas o sistema tinha um comandante, que era Getúlio Vargas. Para finalizar, indico a leitura do livro ‘A Engrenagem’, do francês Jean Paul Sartre. Quem tiver paciência de ler, vai entender porque o próprio Filinto falava sobre essa obra.