Jair Bolsonaro busca rumo um mês após inelegibilidade
Jair Bolsonaro (PL) completa o primeiro mês na condição de inelegível neste domingo (30) envolto em uma série de contradições. Elas lançam dúvidas sobre seu futuro, mas também evidenciam que o ex-presidente mantém capital político mesmo após a decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Em 30 de junho, a corte o declarou impedido de concorrer por oito anos, ao reconhecer abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação na eleição do ano passado. A origem: a reunião com embaixadores na qual Bolsonaro disparou mentiras e ataques ao sistema eleitoral.
Sua defesa espera a publicação do acórdão do julgamento para decidir os próximos passos. A chance de reversão, contudo, é considerada quase nula nos círculos político e jurídico.
As primeiras movimentações depois de Bolsonaro ter seu nome vetado das urnas até ao menos as eleições de 2028 indicaram dificuldade para liderar a oposição ao presidente Lula (PT), posição que pretendia assumir naturalmente, e acenderam alertas sobre o risco de isolamento após um governo de polêmicas e radicalismos.
Apesar disso, aliados e detratores concordam que o ex-presidente preserva o apoio de ao menos parte de seus 58,2 milhões de eleitores no segundo turno, patamar muito próximo dos 60,3 milhões de votos que deram a vitória a Lula, no mais apertado placar desde a redemocratização.
Nas últimas quatro semanas, Bolsonaro se esforçou para mostrar que, como gosta de reiterar, não está morto. Vestiu o figurino de injustiçado, alegou sofrer perseguição e fez mistério sobre quem ungirá como sucessor, mas reafirmou querer atuar como cabo eleitoral nas disputas municipais de 2024.
Na brecha que encontrou para capitanear a oposição ao governo atual, porém, saiu desmoralizado. A Reforma Tributária foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 7 mesmo com sua campanha contrária. O texto angariou, inclusive, 20 votos favoráveis na bancada do PL.
No terreno que o catapultou ao poder e ajudou a sustentar sua permanência, as redes sociais, Bolsonaro também anda cambaleante. Seus perfis têm ignorado a inelegibilidade e sido alimentados com conteúdos relacionados a seu governo e com cenas mais novas, dele sendo tietado em locais públicos.
Uma das estratégias para atrair visibilidade é criticar Lula e fazer comparações com o governo passado. Também polemizou com uma insinuação de que o PT teria ordenado a facada nele em 2018.
Outra tentativa de chamar a atenção é com o resgate do estilo verborrágico, como se viu em sua recente passagem por São Paulo. Durante ato político na terça-feira (25), ele chamou Lula de jumento –o que mereceu resposta do petista– e desengavetou assuntos para fustigar a esquerda.
Desde o julgamento, Bolsonaro está em queda no Índice de Popularidade Digital, o IPD, aferido pela consultoria Quaest. Segundo dados obtidos pela Folha de S.Paulo, o ex-presidente registrou 32 pontos na quarta-feira (26), em uma régua que pode chegar a 100. No mesmo dia, Lula tinha 61 pontos.
O nível de Bolsonaro no IPD não passou de 45 pontos em nenhum dia deste ano. Em 2019, seu primeiro ano na Presidência, o índice chegava à casa dos 80 pontos. Já Lula ficou à frente do rival em todas as medições diárias em 2023. No pico, em abril, cravou 85 pontos –ante 10 do antagonista.
Um monitoramento da Quaest já tinha mostrado que a comoção com a inelegibilidade nas redes bolsonaristas arrefeceu em cerca de dez dias, dando lugar a mensagens contra Lula.
Apesar da popularidade enfraquecida na esfera digital, o ex-presidente conta com a memória de seu mandato, que representou a ascensão da extrema direita no Brasil, para continuar vivo.
Segundo uma pesquisa do Datafolha em junho com 2.010 pessoas e margem de erro de dois pontos para mais ou menos, 57% dos brasileiros acham que o governo Bolsonaro trouxe benefícios para o país.
Um ex-auxiliar, falando sob condição de anonimato, diz que o desafio de se manter relevante passa pelo papel de Bolsonaro nas eleições do ano que vem. O presidente do PL, Valdemar Costa Neto, quer o ex-presidente envolvido nas campanhas para atingir a meta de eleger 1.500 prefeitos.
Valdemar tem exercido influência sobre o ex-governante, mas disse em entrevista à Folha de S.Paulo que a palavra final no partido é de Bolsonaro, “porque ele é o dono dos votos” da legenda, onde entrou em 2021.
Na opinião desse antigo colaborador, nada tira do ex-presidente a aura de baluarte da direita, mas a rejeição a ele é um entrave eleitoral, o que o torna mais forte como apoiador do que candidato. O cenário sugere aos postulantes do próximo ciclo que é mais vantajoso convergir ao centro.
Sem a caneta de qualquer cargo na mão, Bolsonaro tem ainda que lidar com a sedução que o poder exerce sobre políticos e partidos que dividiam as hostes com ele até o ano passado. Lula abriu portas para o centrão e construiu pontes com siglas como Republicanos, PP e até parte do PL.
“No Brasil, quem está no poder tem muita força”, afirma a ex-deputada estadual Janaina Paschoal (PRTB-SP), que oscila entre simpatia e ressalvas ao ex-presidente.
No polo governista, o discurso predominante é o de que Bolsonaro pode até estar fora de combate, mas o movimento que ele amalgamou, não. Lula usou a frase “não derrotamos os bolsonaristas ainda” para conclamar a militância a defender seu governo e evitar a volta da direita radical.
“Bolsonaro não está morto”, diz Jilmar Tatto (SP), deputado federal e secretário nacional de comunicação do PT, acrescentando que as ideias evocadas pelo adversário têm adesão de parcela da sociedade.
Tatto admite que o ex-presidente poderá ter capacidade de persuasão no próximo ano. “Se vai durar até 2026, não sei”, segue ele, lembrando o emaranhado de processos, investigações e suspeitas contra o político.
Outro problema é a vulnerabilidade partidária. Embora conte com a estrutura do PL, Bolsonaro não controla a legenda, que tem até quadros refratários a ele. “Não é uma base social organizada como a do PT”, alfineta Tatto. “A política dele é solo. Está perdendo protagonismo.”
Para o cientista político Jorge Chaloub, a atuação personalista dificulta a formação de uma coalizão que leve o ex-presidente a se firmar como líder político. Por outro lado, ele dispõe de ferramentas menos tradicionais, como a capilaridade nas redes sociais, para se conservar na arena pública.
“É uma situação ambígua”, diz o professor das universidades federais do Rio de Janeiro e de Juiz de Fora. “Tanto ele é forte que os nomes que miram seu espólio em 2026 sabem que terão que conquistar primeiro o eleitorado dele. Uma liderança como Bolsonaro não se constrói do dia para a noite.”