Juíza vê indício de crime e nega indenização a “caseiro armado”

A Justiça do Trabalho negou o pedido de pagamento de verbas a um trabalhador que atuou por cerca de dois anos como vigilante armado em uma fazenda na região norte de Mato Grosso. A decisão proferida na 2ª Vara do Trabalho de Sinop concluiu que o contrato de trabalho é nulo por envolver objeto ilícito.

 

O ex-empregado acionou a Justiça em busca de uma série de verbas trabalhistas que a fazenda teria deixado de pagar durante a vigência do contrato. O trabalhador afirmou que, entre 2020 e 2022, cumpriu uma jornada que ia das 18h às 6h, com apenas duas folgas por mês e, nesse período, não recebeu adicional noturno, periculosidade ou pagamento de intervalos suprimidos.

 

Contudo, a juíza Elizangela Dower concluiu que a questão central do caso envolvia a análise da função desempenhada pelo trabalhador. Isso porque, embora no registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) constasse a função de caseiro na propriedade rural, ficou demonstrado que, na realidade, o trabalhador fazia a segurança patrimonial, atuando como vigilante e usando de arma de fogo.

 

O próprio trabalhador afirmou, na Justiça, que trabalhava como segurança no pátio da sede da fazenda, fazendo rondas portando uma espingarda calibre 12. Confessou ainda que não tinha autorização, porte ou treinamento para o uso da arma de fogo e para exercer a função de vigilante. Segundo o trabalhador, a arma pertencia à fazenda e era utilizada a mando do gerente, por causa dos roubos no entorno da propriedade.

 

Todas as informações foram confirmadas pelas testemunhas, que detalharam ainda que o trabalhador exercia a vigilância armada do pátio, protegendo maquinários e agrotóxicos armazenados no local.

 

Diante desses fatos, a juíza declarou a nulidade do contrato de trabalho em razão da ilicitude do objeto, já que o trabalhador não possuía autorização legal para exercer a função de vigilante armado, como exige a Lei 7.102/83, bem como não foram observadas as determinações da Lei 10.826/2003, a qual dispõe sobre o registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição. A situação, apontou a magistrada, pode inclusive caracterizar ilícito penal.

 

Conforme destacou, ficou demonstrado que o autor foi “formalmente contratado para a função de trabalhador polivalente, contudo, na realidade sempre exerceu, de forma dissimulada, a função de vigilante, portando arma de fogo, sem realizar os cursos e treinamentos necessários, (…), conduta esta, inequivocamente, ilegal.”

 

Além disso, ele confessou ter usado armamento de uso restrito, tendo inclusive efetuado disparos sob o pretexto de coibir invasões à propriedade, conduta grave e tipificada em lei. Nesse contexto, o trabalhador colocou em risco, além de si próprio, a vida dos demais empregados e da sociedade em geral, já que não possuía capacidade técnica e aptidão psicológica atestada pelos órgãos competentes ou mesmo autorização para porte de arma de fogo.

 

Conforme lembrou a magistrada, o contrato de trabalho, por se tratar de negócio jurídico, não pode ter como objeto a prestação de serviço contrário a lei, sob pena de não ter validade. É o que estabelece o artigo 104 do Código Civil. “Portanto, a par da ilicitude do objeto contratado, reputo que o negócio jurídico é nulo, não gerando quaisquer efeitos jurídicos desde sua celebração, nem qualquer compensação pecuniária pelo serviço realizado, conforme pacificou o TST na OJ 199 da SDI-I”, concluiu.

 

Por fim, a juíza determinou a expedição de ofício, com cópia integral do processo, ao Ministério Público do Estado e à Polícia Federal para apuração e providências.

 

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