Mulher e linguagem nas mídias
A mídia tem uma imensa responsabilidade no enfrentamento à violência contra as mulheres. Sem dúvida, muitos direitos e políticas foram alcançadas com a participação dos meios de comunicação, nesta seara.
Com o tempo, a forma de tratamento das situações que envolvem violência contra as mulheres tem sido aperfeiçoada, para não deixar qualquer margem de dúvida de que são delitos, e graves.
A terminologia passional, para falar sobre os casos de mortes de mulheres por assassinato, quando cometidos por “ex”, ou por atuais companheiros, foi utilizada por longo período.
Até a presente data, desavisadamente, ainda é visto sendo utilizada. É bom frisar: essa é uma nomenclatura inexistente na legislação brasileira. A norma dita se cuidar de homicídio qualificado pelo feminicídio, ou seja, o assassinato de mulheres pela condição de gênero, por ser mulher.
Dizer que determinado delito tem o mote “passional” está se afirmando que é possível a aceitação de maus tratos, em nome da paixão, ou do amor. E aqui um parêntese.
A paciência acaba sendo testada, máxime, quando nos movemos em prol dos direitos humanos das mulheres. Em conversa fora do trabalho ouvi um homem falar: “As mulheres precisam agradecer quando o parceiro as defere um tapa, pois os pais não batem nos filhos para educar? Com as mulheres também é para educar”.
Na ocasião, ficou apenas a compaixão da respectiva esposa. Pensei: “Será que ela está sendo ‘educada’ por ele?”.
Anunciar, na prática jornalística, que determinada mulher foi vítima de violência doméstica e familiar pelo companheiro não é tarefa das mais fáceis.
O homem sempre carrega algumas “motivações” em sua fala, que pode contagiar a matéria. Por exemplo, dizer que o amor é tão grande, que o ex-parceiro não se conteve em vê-la em nova companhia após a separação.
Justificar o cometimento dos feminicídios em “inconformismo com o término do relacionamento” é quase uma chancela para matar. Dizer que as emoções ficaram descontroladas, é aceitar a superioridade de um gênero sobre o outro, pois ninguém deve servir de objeto de desejo da outra pessoa. Há que se perguntar: existem motivos???
É bom esclarecer, inclusive, que as leis mudaram para adequação da igualdade material. Não há necessidade de motivos para o divórcio no Brasil, desde 2010. Assim, vale o dito popular: “Quando um ou uma não quer…”.
Os delitos contra a dignidade sexual também precisam de feeling para a divulgação. Dizer, por exemplo, que uma adolescente foi estuprada por ter “seduzido” uma pessoa adulta, é desmerecer a condição humana em seus muitos ciclos e formação corpórea estudada pela área da saúde e pelo direito. Mencionar que crianças “namoram” é uma justificativa para aceitação de futuro delito contra a dignidade sexual.
Quando os delitos sexuais são cometidos via cibernética, a crítica (comentários na matéria), às vezes, é cruel. Em se cuidando do cometimento de crimes, máxime, de violência contra as mulheres, a tentativa em explicar a motivação, em regra, nunca servirá como boa notícia.
É preciso reafirmar: a mídia é aliada incondicional nesse enfrentamento. Extirpar expressões carregadas de machismo estrutural e misoginia é de imensa valia para o combate. Pensar em algo a desencorajar e não plantar a ideia ao noticiar, e, com a certeza de que haverá condenação da justiça e da sociedade, é primordial…
Rosana Leite Antunes de Barros é defensora pública estadual e mestra em Sociologia pela UFMT.