Profissionais do sexo já podem ter carteira de trabalho assinada por boates
Dois estabelecimentos de Itapira (SP) foram os primeiros no Brasil a terem um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para reconhecer vínculo empregatício para profissionais do sexo. A informação foi confirmada na quinta (20) ao g1 pelo Ministério Público do Trabalho da 15ª Região (MPT-15), que celebrou o acordo em uma operação conjunta com Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e Defensoria Pública da União (DPU).
Mas o acordo efetivamente muda a vida de profissionais do sexo do Brasil? Como?
O g1 ouviu o advogado especialista em direito trabalhista Rafael Bacchiega Brocca para entender se existe na prática um impacto que pode ser estendido a outras pessoas que trabalham com prostituição e, se existir, qual o tamanho dessa mudança.
Em qual circunstância prostituição é crime no Brasil?
Prostituição não é crime no Brasil. A profissão inclusive consta na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) no verbete “profissional do sexo”, com o número 5198. O que é crime é o ato de tirar proveito da prostituição, o que caracteriza a exploração sexual.
“Às vezes não tem essa condição de trabalho escravo ou ato mais violento, às vezes a pessoa tem um barzinho e fomenta a prostituição”, disse Brocca.
A descrição no CBO menciona profissional do sexo como pessoas que “buscam programas sexuais; atendem e acompanham clientes; participam em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidades da profissão”.
Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) é o documento que registra a vida profissional do trabalhador, incluindo acordo sobre salário com empregador. Ela garante o acesso a direitos previstos em lei, como férias e seguro-desemprego, e serve para a comprovação do tempo de aposentadoria.
O acordo tem impacto para outros profissionais do sexo?
O advogado preferiu adotar a cautela para mencionar a extensão do acordo a outros profissionais do sexo. De acordo com Brocca, do ponto de vista de seguridade social, como recolhimento de Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS), a mudança é positiva.
Entretanto, para ter a carteira assinada, a profissional terá de ter vínculo empregatício com algum estabelecimento e, segundo ele, esse é o problema, por ser um local que pratica o ato ilícito de se aproveitar da prostituição.
“Eu acho complicada essa questão, eu não vejo como isso pode funcionar na prática. Só como exemplo para ilustrar, seria como um bicheiro do jogo do bicho pedir o vínculo empregatício. Ele está ali trabalhando, mas o jogo do bicho é ilícito, então não cabe”, explicou.
O que pode mudar?
Na opinião do advogado, o que deve acontecer é que, como os estabelecimentos que trabalham com prostituição, em alguns casos, são cadastrados na Junta Comercial como bares e restaurantes, as profissionais podem tentar ser registradas como dançarinas, balconistas, garçonetes, etc.
A mudança poderia ser aplicada, por exemplo, em comércios do Jardim Itatinga, em Campinas (SP), o único bairro bairro planejado para prostituição do Brasil.
“A prostituição é legal, mas a profissional ou o profissional do sexo é empregado de um estabelecimento ilícito, então não vejo como isso pode funcionar”, finalizou Rafael Bacchiega Brocca.
O que é o acordo?
O MPT-15, que tem sede em Campinas, informou à reportagem que foi celebrado um acordo para que o empregador realizasse o registro de três profissionais do sexo em carteira de trabalho, após uma fiscalização feita em junho. A cidade fica a 165 km da capital paulista.
Além disso, segundo o MPT-15, durante a operação não foram identificadas situações de exploração sexual, tráfico de pessoas e trabalho escravo. Um dos estabelecimentos já apresentou o registro e o órgão agora monitora o outro.