Fé, política e as eleições municipais 2024
Muita gente não gosta nem de ouvir a palavra política, quanto mais discuti-la. Essas pessoas, na concepcção de Brecht são os analfabetos políticos, que acabam, por tal atitude contribuindo para o disvirturamente de uma das mais nobres atividades humanas ou que deveria ser.
Outras pessoas são mais radicais e abominam que Igrejas e Religiões discutam política, quando o que não se deve é transformarmos as Igrejas em partidos políticos e os púlpitos em palanques eleitorais, ou seja, não podemos confundir política em sentido amplo, que é a arte ou ciência que tem como foco o bem comum, com política partidária que tem como objetivo precípuo a organização de setores da população, com vistas `as eleições e a conquista de mandatos populares. Isto é função exclusiva dos partidos políticos e não de quaisquer outras organizações, incluindo igrejas, sindicatos, ONGs etc.
Para Sócrates, que viveu entre 470 e 399 antes de Cristo, a política era uma ferramenta necessária para organizar o Estado, como um todo e, neste sentido, a Democracia (governo do povo) era o instrumento essencial para garantir a participação do cidadão na escolha de seus representantes políticos e, em consequência, o pensamento crítico ou racional era essencial para a discussão sobre a política e a existência do Estado.
Para Aristóteles, outro filósofo Grego, que viveu entre 384 e 322 antes de Cristo, a política está diretamente ligada ao conceito do bem comum, bem de todos os habitantes de uma comunidade, cidade ou Estado.
Sobre esta mesma questão é bem interessante a Nota da Congregação para a Doutrina da Fé, sobre algumas questões relativas ao comprimisso e a conduta dos católicos na vida política, assinada pelo então Prefeito daquele Congregação, o então Cardeal Joseph Ratzinger (posteriormente Papa Bento XVI), em 24 de novembro de 2002, Nota aprovada pelo então Papa João Paulo II.
“Una enseñanza constante: El compromiso del cristiano en el mundo, en dos mil años de historia, se ha expresado en diferentes modos. Uno de ellos ha sido el de la participación en la acción política: Los cristianos, afirmaba un escritor eclesiástico de los primeros siglos, «cumplen todos sus deberes de ciudadanos». La Iglesia venera entre sus Santos a numerosos hombres y mujeres que han servido a Dios a través de su generoso compromiso en las actividades políticas y de gobierno”.
E qual seria a posição atual da Igreja em relação a esta questão? “Atualmente muitos possuem uma má noção da política, e não se pode ignorar que frequentemente, por trás deste fato, estão os erros, a corrupção e a ineficiência de alguns políticos. A isto vêm juntar-se as estratégias que visam enfraquecê-la, substituí-la pela economia ou dominá-la por alguma ideologia.
E contudo poderá o mundo funcionar sem política? Poderá encontrar um caminho eficaz para a fraternidade universal e a paz social sem uma boa política? Gostaria de insistir que a política não deve submeter-se à economia, e esta não deve submeter-se aos ditames e ao paradigma eficientista da tecnocracia.
Embora se deva rejeitar o mau uso do poder, a corrupção, a falta de respeito das leis e a ineficiência, não se pode justificar uma economia sem política, porque seria incapaz de promover outra lógica para governar os vários aspetos da crise atual. Pelo contrário, precisamos duma política que pense com visão ampla e leve por diante uma reformulação integral, abrangendo num diálogo interdisciplinar os vários aspetos da crise. Penso numa política salutar, capaz de reformar as instituições, coordená-las e dotá-las de bons procedimentos, que permitam superar pressões e inércias viciosas. Não se pode pedir isto à economia, nem aceitar que ela assuma o poder real do Estado”. Papa Francisco. Encíclica Fratelli Tutti, 176 e 177.
Há poucos dias deparei-me com uma mensagem, compartilhada por um amigo virtual, de caminhada ecológica, Toninho Ribeiro, no Grupo de whats app Laudato Si 2021/2 em que dizia: “Nós família franciscana e da pastoral social entendemos a necessidade de um trabalho de base para despertar a consciência adormecida da nossa população em vista da próxima eleição. É urgente eleger pessoas comprometidas com a causa socio-ambiental. O atual Congresso Nacional não representa os interesses da classe trabalhadora. Paz e bem! Paróquia Santo Antônio de Alenquer / PA”.
Em resposta ao referido amigo e demais daquele grupo virtual, enviei a seguinte mensagem, que acabo de ampliar e transformar em uma reflexão/artigo, como se segue:
Olá Toninho Ribeiro, meu amigo de caminhada ecológica e sócioambiental. Bem oportuna e importante esta reflexão/discussão quanto `a necessidade de um despertar da consciência política por parte do eleitorado brasileiro, principalmente, dos católicos, evangélicos e cristãos em geral e também dos não cristãos, comprometidos com mudanças que possam ir mais a fundo e transformarem as estruturas e debelar as causas dos vários problemas e desafios brasileiros, como as questões da fome, mudanças climáticas, desigualdades sociais, setoriais e regionais, degradação do meio ambiente, racismo estrutural e as várias formas de violência, inclusive a violência contra as mulheres e o feminicídio, dentre outros e outras.
O atual Congresso Nacional, tanto a Câmara Federal quanto o Senado, conforme alguns estudos tem demonstrado, é o mais conservador e retrógrado dos últimos 20 ou 30 anos. As emendas constitucionais que foram e tem sido feitas ao longo das últimas décadas, tem desfigurado a Constituição de 1988, tem sido no sentido de reduzir os espaços da cidadania e restringir os direitos da classe trabalhadora e das camadas excluidas.
Assim, precisamos de um trabalho de base bem mais profundo, como tem sido feito, de uma forma bem tênue ainda, por parte de alguns grupos e a pastoral Fé e Politica, Fé e Cidadania etc.
Tenho insistido que precisamos dar enfase a este trabalho em todas as Arquidioceses, Dioceses, Paroquias e comunidades visando uma formação política, não política partidária, mas política no sentido amplo, sociológico, com enfatiza o Papa Francisco tanto na Encíclica Fratelli Tutti, e também em suas constantes Exortações Apostólicas.
Neste sentido precisamos criar e fortalecer Grupos , pastorais e as Escolas de Fé e Politica ou Fé politica e cidadania, isto já deveria ter sido feito de uma forma bem mais intensa e de maneira permanente e não apenas episódicas, `as vésperas das eleições, como tem acontecido quase que rotineiramente, com alcance bem limitado.
Creio que caberia `a própria CNBB, tanto a nivel nacional quanto os Regionais da CNBB em todos os Estados e Regiões, dar um passo mais ousado e mais efetivo nesta direção.
Creio que cabe também um destaque, no sentido de que isto não deveria aguardar a proximidade das futuras eleições gerais em 2026, quando elegeremos o Presidente da República, Governaderes, dois terços do senado, a Camara federal e as Assembléias Legislativas; mas começarmos o mais urgente possivel, com vistas `as eleições municipais do ano que vem (2024).
Ja fiz algumas reflexões sobre isto, no sentido de que deveriamos mobilizar as pastorais, os movimentos e os organismos que atuam e estão na linha sociotransformadora, incluindo organismos como a CARITAS Brasileira, Arquidiocesanas, Diocesanas e Paroquiais e movimentos como CEBs, Franciscanos (Jufra), CPT etc para abrirmos diálogo dentro da Igreja com vistas a essas eleições, ou seja, prepararmos uma agenda minima, com propostas claras e objetivas, que deveriamos apresentar aos partidos políticos e candidatos a prefeito, vice prefeitos e vereadores em todos os municípios brasileiros.
Existem aspectos gerais que podem ser refletidos e elaborada uma agenda comum, a nivel nacional e estadual e também aspectos particulares, próprios de cada realidade municipal.
Isto seria a base para a definição de políticas públicas municipais, seja no âmbito estritamente local/municipal e também atendendo aspectos que transcendem a administração muncipal, no contexto metropolitano, intermunicipal – aglomerados urbanos, cidades gemeas etc.
Por exemplo, qual seria uma agenda que a Pastoral da Criança e a pastoral da juventude poderiam ajudar a construir para definir uma politica de atencão `as criancas, adolescentes e juventude a nivel municipal?
Outro exemplo, como a Pastoral da Ecologia Integral ou do Meio Ambiente poderia ajudar a construir uma proposta de política municipal de meio ambiente, de maneira bem global: saneamento basico (água e esgoto), residuos sólidos, recliclagem, estímulo ao uso de energia renovavel, agroecologia, agricultura urbana e peri-urbana, arborização urbana, florestas urbanas etc?
Qual a contribuição que as Pastorais da Saúde e da Terceira Idade ou dos Idosos poderiam ajudar para construir uma politica municipal de saúde, mais humana, eficiente, eficaz e efetiva em todas as suas dimensões, incluindo a participação popular na gestão nesta área?
Como transformar os tres “Ts” do Papa Francisco Terra, Teto e Trabalho em propostas para políticas municipais de geração de emprego e renda e de moradias populares?
Como a Pastoral da Educação poderia participar para a elaboração de propostas que contribuam para a definição de uma política educacional de âmbito municipal que fortaleça uma educação pública de qualidade, integral, laica e universal, incluindo os desafios dos novos paradígmas aportados pelo avanço da ciência, da tecnologica e da inovação?
Como as Pastoral Afro-brasileira, da Mulher e ou da Mulher Marginalizada poderiam contribuir para ajudar a definir uma política de igualdade de gênero e igualdade racial e promocão dos direitos humanos em sua plenitude, de âmbito municipal?
Enfim, temos um longo caminho a percorrer, não apenas por parte das Igrejas/Religiões, mas através de parcerias com movimentos e organizações representativas da sociedade civil organizada, dos movimento sindical e comunitário, dos clubes de serviços; dos meios de comunicação dentre outros e de organismos de defesa de direitos como a OAB e outros mais.
Tendo em vista a representatividade e capilaridade tanto da Igreja Católica, quanto das evangélicas, principalmente as que estão articuladas através do CONIC, em uma dimensão ecumênica, precisamos iniciar a formação de agentes, de quadros e grupos de reflexões o mais urgente possivel. Esta é a minha opinião e neste sentido tenho insistido com varias pessoas de diferentes Igrejas e outras organizações, inclusive de alguns partidos políticos.
Precisamos de muita Oração em favor de nosso país e de nossas autoridades, mas igualmente precisamos também de muito mais AÇÃO e MOBILIZAÇÃO PROFÉTICA.
Esta é uma forma de combatermos o analfabetismo político e a manipulação política e eleitoral por parte das velhas raposas da política brasileira, afinal a nossa Constituição é bem clara quando diz “TODO O PODER EMANA DO POVO, QUE O EXERCE POR MEIO DE REPRESENTANTES ELEITOS OU DIRETAMENTE NOS TERMOS DESTA CONSTITUIÇÃO” Parágrafo único do artigo primeiro da Constituição Federal de 1988.
Além disso sempre é bom lembrar que o povo é quem paga a conta das benesses, dos privilégios, das regalias, das mordomias e mutretas que alimentam a chamada classe política, dos donos do poder e dos marajás da República, através de uma das mais pesadas cargas tributárias do mundo.
Assim sendo, o povo tem o direito de participar na formulação das políticas públicas, de saber e acompanhar os gastos governamentais que devem ocorrer com transparência, ética e voltados para o bem comum e de receber dos poderes públicos bens e serviços de qualidade, que representam as condições básicas para desfrutar de uma melhor qualidade de vida, com mais dignidade e respeito e menos desigualdades.
Se assim é, que o povo desperte desta letargia que possibilita que políticos demagogos, corruptos, incompetentes e oportunistas cheguem e se perpetuem por gerações nas diversas estruturas do poder e usem seus cargos, funções e mandatos a serviço de seus próprios interesses ou de quem eles representam. Isto tem um nome: DEMOCRACIA PARTICIPATIVA!,
Juacy da Silva é professor titular aposentado da Universidade Federal de Mato Grosso.