Governo Lula teme retaliação de ministros do Supremo
O governo do presidente Lula (PT) foi pego de surpresa com o voto de seu líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), a favor da PEC (proposta de emenda à Constituição) que limita decisões monocráticas do STF (Supremo Tribunal Federal). O texto foi aprovado pelos senadores na quarta (22) e segue para a Câmara.
Integrantes do Planalto e da Esplanada classificaram a decisão de Wagner como negativa e temem que haja retaliação dos ministros da corte em ações importantes para o governo no tribunal.
Poucas horas após a votação, magistrados já faziam chegar ao governo seu descontentamento com a aprovação da proposta e com o que entenderam ser falta de amparo do Palácio do Planalto.
Para ministros do STF, o gesto de Wagner foi determinante para que o texto fosse aprovado, já que a matéria foi chancelada com apenas três votos de folga. A avaliação é que, além do próprio voto, o senador contribuiu para que mais parlamentares se posicionassem a favor do texto.
O líder do governo no Senado liberou a bancada governista para que os colegas votassem como quisessem. O Planalto atuava para manter distância da discussão, sob o argumento de que o tema não é da alçada do governo, tentando assim não se indispor com o Senado ou com o STF.
Articuladores do governo apostam agora as fichas no presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para barrar a PEC e fazer a poeira sobre o assunto baixar.
A posição de Wagner, porém, gerou reações de vários lados. Ao ser favorável, o líder agiu na contramão de seu próprio partido, o PT, que orientou voto para derrubar a proposta. A presidente da sigla, Gleisi Hoffmann (PT-PR), disse que o voto de Wagner foi um erro.
A principal preocupação hoje do governo é com pautas econômicas no Supremo. Havia uma expectativa de que o presidente da corte, Luís Roberto Barroso, pautasse brevemente a discussão sobre precatórios.
O ministro Fernando Haddad (Fazenda) chegou a se reunir com Barroso antes da votação para pedir que a ação entrasse na pauta ainda em novembro.
No final de setembro, a AGU (Advocacia-Geral da União) pediu ao STF a derrubada do limite para precatórios instituído no governo Jair Bolsonaro (PL) e propôs o pagamento de parte das sentenças judiciais como despesa financeira, sem esbarrar em regras fiscais.
O objetivo do governo é abrir caminho para a estratégia de Haddad de “despedalar” os precatórios antes de 2027, quando o fim do teto para pagamento dessas dívidas poderia detonar uma bomba fiscal superior a R$ 250 bilhões, em números atualizados pelo governo.
Nesta sexta, em São Paulo, Haddad foi questionado sobre o embate entre STF e Senado e disse que “são pessoas responsáveis, pessoas com longa tradição na vida pública e que sabem que nós não podemos perder tempo”.
“Então a gente faz um Salaam Aleikum ali e resolve o problema rápido para continuar avançando.”
Os sinais de integrantes da corte depois da aprovação da PEC não foram positivos para o governo. Eles têm demonstrado que não têm pressa em dar seguimento a propostas importantes para o Executivo.
Um magistrado ouvido pela reportagem negou que o caso da PEC interfira no julgamento de mérito sobre os precatórios. Na corte, porém, há a avaliação de que o prazo pode ser afetado.
Outro tema de interesse do governo é o critério de correção do saldo do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço). Até agora, três ministros, entre eles Barroso, votaram a favor da remuneração pela poupança.
O governo busca um acordo com o STF, alegando que essa fórmula provocaria um gasto adicional de R$ 8,6 bilhões ao ano.
A poupança rende hoje 6,073% ao ano, enquanto FGTS é corrigido em 3% ao ano mais TR (Taxa Referencial). A oferta do governo seria de atualização dos valores por 3% mais TR (Taxa Referencial), mais a distribuição do resultado.
Integrantes do governo acreditam que o líder do governo pode ter feito um cálculo equivocado, de apoiar a proposta para se aproximar da oposição e, sobretudo, de Davi Alcolumbre (União Brasil-AP) e Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e, com isso, conseguir aprovar propostas do governo na casa, em especial as econômicas.
Entretanto Wagner disse que se tratou de uma decisão pessoal.
“Esclareço que meu voto na PEC que restringe decisões monocráticas do STF foi estritamente pessoal, fruto de acordo que retirou do texto qualquer possibilidade de interpretação de eventual intervenção do Legislativo”, declarou o senador, nas redes sociais.
O mesmo argumento foi dado em ligação entre Wagner e Lula, segundo relatos.
Antes da proposta que limita os poderes de ministros do Supremo ir a plenário, o líder do governo chegou a conversar com os ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais).
A eles relatou que tentava construir um acordo para que a PEC contemplasse tanto o Congresso quanto o Supremo.
Para que a proposta fosse aprovada, dois dispositivos que irritavam o STF foram retirados –ainda assim, o texto desagradou a corte pelo simbolismo e o temor de que esta seja a primeira de várias investidas.
“Eu me orgulho de ter participado de um movimento no sentido de minimizar ou diminuir as diferenças que poderiam incomodar ou serem interpretadas equivocadamente como uma intromissão do Legislativo na corte superior”, afirmou Wagner durante a sessão.
Já o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (PSD), votaram contra –este último deixou o cargo no Executivo e reassumiu o mandato temporariamente, por isso conseguiu participar.