Há risco de queda de blocos de várias toneladas, diz geólogo
O presidente da Federação Brasileira de Geólogos (Febrageo), professor Caiubi Kuhn, de 33 anos, detalhou os riscos de um desastre natural no Portão do Inferno, e em outros trechos da MT-251, após a comoção gerada na ultima semana com duas quedas de blocos em menos de 24 horas.
O professor explica que o nome apropriado para o fenômeno registrado no paredão é queda de bloco, ao invés de deslizamento de terra, como é popularmente chamado.
Apesar de a quantidade de rochas que se desprenderam do paredão ter sido pequena, Caiubi alerta para a possibilidade de um desprendimento muito maior, que pode atingir até 150 metros para além do ponto de queda.
“São blocos maiores do que um carro, de 7 e até de 10 metros. Imagina se um bloco desses cai sobre um carro, estamos falando de várias toneladas caindo sobre um veículo”, afirmou.
Apesar de esse ser um risco real é impossível, segundo o professor, eliminar todos os locais de áreas de risco ao longo de uma rodovia.
O docente falou ainda sobre as medidas necessárias para garantir a segurança da população e minimizar os riscos para um desastre.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Em menos de 24 horas foram registrados duas quedas de blocos no paredão do Portão do Inferno sobre o asfalto da MT-251. Como o senhor avalia essa situação?
Caiubi Kuhn – Desde próximo da Salgadeira até um pouco depois de Portão do Inferno existe risco de queda de bloco, tanto que é uma área sinalizada. Os processos que estão ocorrendo ali demonstram que naquela área em específico há algum processo de ruptura, ou seja, de quebra daquela rocha.
Esse processo pode já ter ocorrido de forma completa, ou seja, já ter caído tudo que era para cair. Ou pode ser indício de uma queda maior. Para se responder a isso é preciso que seja feito um novo estudo técnico, porque os estudos feitos em 2021 podem não representar o risco atual.
MidiaNews – Os deslizamentos foram pequenos dessa vez. Acredita na possibilidade real de uma queda de bloco muito maior?
Caiubi Kuhn – Nesse trecho existem locais onde, sim, podem ter quedas de blocos grandes, maiores do que o atual. O Portão do Inferno é onde visualizamos esse processo com mais facilidade, por estar do lado da rodovia. Mas todo esse trecho pode ser afetado. Porque se ocorre um processo de quebra desse bloco, às vezes, a área que vai ser afetada é maior do que 100 metros, podendo chegar a 150 metros. Para exemplificar, se jogarmos um prato de comida no chão, o arroz dele irá parar longe do prato. O mesmo acontece em uma queda de bloco dessas. Mas é preciso uma análise para verificar essa possibilidade.
Tivemos períodos de seca intensa nos últimos anos e a rocha se fragmenta conforme perde a umidade que está dentro dela. Ela pode se desprender e ter novas fraturas. Em períodos de chuvas, essa água infiltra no meio da rocha e daquelas pequenas fraturas que foram criadas no momento de seca intensa. Encharcada de água, ela fica como se fosse uma roupa molhada estendida no varal, fica muito mais pesada. E é aí que ocorre a ruptura.
Está se discutindo muito o Portão do Inferno, mas Mato Grosso tem inúmeras áreas de risco, em outros trechos. O problema é que hoje o Governo de Estado não tem uma equipe técnica permanente para realizar a política de prevenção e monitoramento de área de risco. Em outros estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, existe dentro da Defesa Civil essa equipe técnica ou um órgão estadual específico para realizar esses monitoramentos e minimizar o impacto de desastres naturais. Mas no Estado de Mato Grosso a gente ainda utiliza como medida preventiva a oração. Parece que a parte técnica não é uma prioridade do governo.
MidiaNews – Considera que a construção da rodovia passando por aquele paredão foi um erro em razão do tipo de rocha que existe ali?
Caiubi Kuhn – Não, não é um erro, necessariamente. É um dos locais de maior facilidade de acesso da Baixada Cuiabana para Chapada dos Guimarães. Em todos os acessos até lá existe algum tipo de área de risco. O que precisa ser feito é esse monitoramento, porque não tem como excluir tudo em termos de área de risco.
Teremos que passar, às vezes, próximo de locais onde pode ocorrer queda de bloco, um deslizamento. Temos também as cabeças d’água, em que o nível do rio sobe muito rápido. Então, em todos esses casos, o que a gente precisa ter é um monitoramento, prevenção e orientação da população.
MidiaNews – Alguns geólogos defendem a interdição total do trecho. O senhor também acredita que essa seja uma medida necessária?
Caiubi Kuhn – Se for identificado que tem algum bloco maior que está para cair, existem vários caminhos técnicos para identificar a melhor ação. Acho que a interdição da rodovia é uma possibilidade que não cabe. Temos outras rodovias no Brasil com muitas áreas de risco. O que é feito é o monitoramento para evitar o desastres. Se interditar a MT-251, que outro caminho teremos para Chapada? E mesmo com uma nova estrada, haverá outras áreas de risco, temos que aprender a conviver com elas. Se disser que vai fechar todas as rodovias com áreas de risco, teremos que fechar muitas em todo o Brasil. Hoje a interdição não é um caminho. É preciso encontrar solução de forma técnica, organizada e, principalmente, permanente, não só quando ocorre algum desastre.
MidiaNews – No dia 13 de dezembro foi emitida uma portaria que impede a circulação de veículos de carga entre a Salgadeira e o Portão do Inferno, na MT-251. Acredita que a medida seja suficiente?
Caiubi Kuhn – É mais do mesmo. Naquela estrada já não se podia transitar carretas, por exemplo. Tanto que recentemente teve uma carreta que virou na curva da Mata Fria e o motorista foi autuado por estar transitando em uma estrada que não era recomendada. As curvas são muito fechadas com áreas muito sensíveis. Se o motorista quer descer de carreta da região de Campo Verde para Cuiabá, o trajeto adequado é via Serra de São Vicente, não via Chapada dos Guimarães.
MidiaNews – Quais as consequências de um deslizamento de terra ainda maior? De que tipo de danos estamos falando? O asfalto pode ceder?
Caiubi Kuhn – Na parte inferior do Portão do Inferno, que não é que hoje tem a queda de bloco. Se ocorrer uma queda maior pode afetar a rodovia e ceder o asfalto, sim. Mas são rochas diferentes, a que está na base da rodovia é diferente da que está na lateral, até na cor. São duas unidades geológicas diferentes que vão ter características diferentes.
Para a parte superior, que é a que atualmente tem as quedas de bloco, se ocorrer a queda em cima de um veículo pode ocasionar um acidente fatal. Isso porque aquela rocha superior às vezes solta blocos em outros lugares em Chapada, que são blocos maiores do que um carro, de 7 e até de 10 metros. Imagina se um bloco desses cai sobre um carro. Estamos falando de várias toneladas caindo sobre um veículo. O motorista pode também colidir contra um desses blocos, se ele não estiver atento e não conseguir reduzir a velocidade. Em caso de motocicletas, até aquela areia pode fazer o motociclista deslizar na pista.
MidiaNews – No ano passado, o geólogo Gregório Prudêncio defendeu fechar a curva do Portão do Inferno e construir um túnel. Acha viável?
Caiubi Kuhn – Tem um custo elevado, mas pode ser uma saída para reduzir o risco, porém ele não elimina esse risco. Precisamos desenvolver outras medidas para garantir a segurança da população. Tem que monitorar os locais em que ainda fica algum tipo de risco.
MidiaNews – Existe um projeto de construção de uma nova rodovia ligando Cuiabá e Chapada. O senhor é a favor da ideia?
Caiubi Kuhn – É uma ideia que precisa ser discutida mais a fundo. As áreas de risco precisam ser consideradas na escolha do trajeto e até agora eu não vi uma discussão técnica sobre essa questão, sobre as opções de trajeto e os impactos ambientais que serão gerados pela nova rodovia. A rodovia pode ser uma saída boa para vários tipos de problemas que temos hoje, não pode ser feita só por decisão política. É preciso uma análise técnica para garantir a boa aplicação do recurso público. Senão, depois essa obra pode apresentar problemas e as pessoas vão falarem: ‘Ah, não tinha como prever um problema geológico’. É claro que tinha como prever algum tipo de problema geotécnico.
MidiaNews – Enquanto não se realiza uma intervenção definitiva, o que pode ser feito para minimizar os riscos?
Caiubi Kuhn – A primeira medida é a orientação dos motoristas em relação à atenção para o trecho entre a Salgadeira e a curva da Mata Fria, não é só o Portão do Inferno. Em relação à redução de velocidade e atenção nesse período de chuvas.
O segundo ponto é analisar se existe algum bloco maior com possibilidade de queda no Portão do Inferno. Porque quando tem essas quedas menores é possível que esteja se soltando esse bloco maior e ele venha a cair. Deve ser feita a limpeza adequada desses locais, tirar toda a areia, não só as pedras.
E buscar essas soluções de médio e longo prazo. O governo do Estado deve criar na Defesa civil uma equipe permanente com profissionais concursados para desenvolver as medidas de prevenção e monitoramento de área de risco, porque esse não é o primeiro, nem vai ser o último desastre ou área de risco que teremos no estado de Mato Grosso.