Conversa de médicos revela que pacientes foram pegos na rua para manter UTI lotada
Uma troca de mensagens entre médicos alvos da “Operação Espelho”, que investiga um esquema de fraude em contratos médicos em hospitais de Mato Grosso, revelou uma força-tarefa para manter Unidades de Tratamento Intensivo (UTI’s) lotadas durante a pandemia da Covid-19.
“Está dando um trabalho do cão pra deixar esses leitos ocupados, precisa ver o rolo que eu faço todo dia aqui, mas está rolando com 100% de ocupação […] a gente está aceitando paciente sem muito prognóstico, pois infelizmente a gente precisa ter uma ocupação maior”, diz uma mensagem de áudio do médico Renes Leão Filho.
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Em uma mensagem de texto, o mesmo médico ainda conta aos colegas sobre a primeira vez que ocupou 10 leitos na UTI. “Peguei paciente na rua andando”. (veja abaixo o que dizem as defesas dos envolvidos).
Reprodução | TV Centro América
Os prints constam em uma denúncia que o Ministério Público do Mato Grosso fez à Justiça. De acordo com o promotor Sergio Silva da Costa, os médicos colocaram em UTIs pacientes que não deveriam estar lá.
Além disso, existem outras mensagens que dizem que eles permaneciam com as internações no prazo máximo possível. Pacientes aptos a sair da UTI não eram liberados pelos médicos para que eles tivessem mais ganhos ilícitos, pois, quanto mais tempo na unidade, mais gastos eram gerados, consequentemente, mais lucros aos administradores.
Início do esquema
As investigações da Polícia Civil revelaram que o suposto esquema começou no Hospital Metropolitano, em Várzea Grande, que foi referência para o tratamento da Covid-19 no estado, em 2020.
“A delegacia especializada de combate à corrupção recebeu uma denúncia no ano de 2021 informando que uma empresa contratada para fornecer médicos para o Hospital Metropolitano não estava cumprindo o contrato, ou seja, estava fornecendo o número inferior daquele previsto no contrato”, explicou o diretor de atividades especiais da Polícia Civil, Victor Bruzulatto.
Segundo o diretor, por causa dessa denúncia, várias investigações foram realizadas, inclusive a solicitação de auditoria por parte da Controladoria-Geral do Estado e, após análise dos espelhos das folhas de ponto, foi identificada a fraude, consequentemente, o desvio de recurso público. Com isso, aconteceu a primeira fase da Operação Espelho.
No decorrer da investigação, foi identificado que essa empresa integrava um cartel de empresas que tinha por objetivo fraudar licitações e contratos de prestação de serviços médicos em municípios e também em hospitais regionais de Mato Grosso, ainda de acordo com Victor Bruzulatto.
Fraude
Em uma mensagem de texto enviado em um grupo com vários médicos, um deles, identificado como Osmar Gabriel Chemin, sócio da empresa Medtrauma, se mostra confiante em relação ao esquema.
“Gurizada, início de um grande projeto. Aperta o cinto que o papai tá sedento”, declara.
O promotor explicou que Osmar Chemim é apontado como chefe do grupo liderado pela Medtrauma e outras empresas integrantes do grupo, e associou-se a outra organização, chefiada por Luiz Gustavo Ivoglio.
“Eles observaram que o Estado estava carente de prestação de serviços médicos e também de equipamentos de UTIs e fizeram um cartel, uniram empresas antagônicas, concorrentes e fatiaram o estado em prol da versão criminosa”, disse.
Réus
Ao todo, 15 médicos são réus no processo na Justiça de Mato Grosso. Segundo a denúncia do Ministério Público, entre contratos emergenciais e pagamentos indenizatórios de serviços sem nenhum tipo de licitação ou contrato, o Estado pagou mais de R$ 90,2 milhões às empresas do suposto grupo criminoso.
Além de prisão e indenização de R$ 57,5 milhões para os réus acusados de organização criminosa, o promotor pediu na Justiça a perda de cargo de três servidores públicos.
O processo que apura os crimes investigados na operação espelho está em fase de instrução. A Procuradoria-Geral de Justiça aceitou o pedido de acordo de não persecução penal para dois sócios da Medtrauma: Osmar Gabriel Chemim, apontado como um dos chefes da suposta organização criminosa, e Alberto Pires de Almeida.
O acordo significa que os processados concordam, com a imediata aplicação de penas, abrindo mão do processo e de recursos até a decisão, e a Justiça vai validar ou não esse tipo de acordo.
Veja o que disseram a defesa dos envolvidos:
Em nota o procurador-geral de justiça afirmou que entendeu que a medida – acordo de não persecução penal – era cabível pela lei, porque os réus estão sendo processados criminalmente por organização criminosa, que tem pena mínima de 3 anos, e os acordos são permitidos em caso de crime de pena inferior a 4 anos, e que este momento não há impedimento e que, se eles forem processados criminalmente por outros crimes, isso poderá ser reconsiderado.
A defesa de Osmar Gabriel Chemim e Alberto Pires de Almeida disse que eles reafirmam que seguem uma conduta correta e atuação regular de suas empresas, e que estão apresentando à Justiça todos os esclarecimentos necessários sobre os contratos com o estado.
O advogado de Luiz Gustavo Ivôglio afirmou que os fatos narrados na denúncia não procede, e que na semana passada pediu a anulação de toda a investigação, afirmando que a verba utilizada para pagamento é federal. A defesa aguarda a manifestação da justiça.
A TV Centro América entrou em contato com a defesa de Renes Leão Silva, mas, até a publicação desta reportagem, não obteve retorno.
A Secretaria Estadual de Saúde informou que os R$ 90 milhões foram pagos por serviços emergenciais que não podiam aguardar licitação, e que esses recursos foram pagos antes da Operação Espelho e cumpriu todas as decisões judiciais.
O prefeito de Cuiabá, Emanuel Pinheiro, determinou nessa segunda-feira (19), a suspensão, seguida de cancelamento, dos contratos relacionados à compra de materiais ortopédicos com a empresa Medtrauma. Ficou mantido o contrato com a Medtrauma para os serviços de cirurgias, até que seja concluída a licitação para para contratação de uma nova empresa. O decreto determina ainda uma auditoria interna nos pagamentos efetuados durante o período em que o gabinete de intervenção comandou a saúde do município