“Esquema envolve advogados e investigação está na fase final”

A titular da Delegacia de Estelionato de Cuiabá, delegada Eliane da Silva Moraes, revelou que advogados são investigados no golpe do “falso escritório de advocacia”, que envolve ao menos três estados. A investigação está em fase final e uma operação deve ser deflagrada em breve.

 

Alguns têm desconfiado, não fazem o pagamento e informam seus advogados, que têm vindo aqui na delegacia e registrado boletim de ocorrência

Nessa modalidade, em que os golpistas já lesaram muitas vítimas na Capital, eles se aproveitam da relação de confiança entre advogados e clientes e, em posse de dados obtidos através de ações em curso no Processo Judicial Eletrônico (PJe), convencem as vítimas que necessitam de um pagamento imediato por diferentes motivos.

 

“É uma investigação complexa, envolve muitas vítimas, muitos suspeitos, mas está a caminho da fase final. Tudo começou com acesso ao PJE, por onde eles [golpistas] obtêm as informações de ações em curso, onde constam os dados das vítimas”, contou.

 

“Eles entram em contato e, se a pessoa tem uma ação em andamento e não tem o cuidado de verificar se aquele telefone é do escritório mesmo, se é do advogado que contratou, efetuam o pagamento processual. […] A investigação está bem avançada e envolve pelo menos mais uns três estados”, completou.

 

Além desse caso, a delegada também falou sobre como evitar cair em golpes mais comuns, a função das empresas privadas de mídia social no combate a golpes eletrônicos e sobre outras investigações que estão em curso.

 

Leia os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews – Quais golpes têm ocorrido com mais frequência em Cuiabá?

 

Eliane da Silva Moraes – Hoje, o que existe com mais incidência é o boleto falso, falso intermediário e falso perfil no WhatsApp. No último caso, eles conseguem informações através de dados vazados e colocam a foto de um parente ou um amigo da vítima no perfil do WhatsApp. A partir daí, entram em contato com a vítima, pedindo dinheiro ou alguma coisa nesse sentido. 

 

Apesar de a foto ser de uma pessoa conhecida, parente ou amigo, geralmente o número não está salvo. Então, a pessoa deve questionar: por que há um número diferente? E aí ocorre o que chamamos de trabalho de “engenharia social”, que é o ato de convencimento feito pelo golpista. Eles inventam uma história para que a vítima acredite que houve algum problema no celular do “conhecido” e por isso que está com um número diferente. 

 

Quando começamos, em 2021, era uma diversidade de golpes, como perfil falso, portabilidade, falso empréstimo, golpe da panela, falso consórcio, falso emprego, falsa central, falso intermediário, site falso, hackeamento de Instagram, boleto falso e falso leilão. 

 

Atualmente, no Brasil todo, os principais golpes ocorrem com Pix. Porque o Pix é instantâneo. É a rapidez de entrar na conta do golpista e sair imediatamente. A nível nacional, o primeiro do ranking, com 22%, é o golpe do produto ou loja falsa, pelo Instagram e Facebook. Depois, o golpe do falso parente, com 20%. Golpe da falsa oportunidade de investimento; 18%; golpe da compra de um produto em rede social maquiada 12%, e por último golpe da falsa central de atendimento, com 9%, cuja incidência caiu.

 

Atualmente, no Brasil todo, os principais golpes ocorrem com Pix. Por que Pix? Porque é instantâneo. É a rapidez de entrar na conta do golpista e sair imediatamente

Tem o golpe da panela em frente aos mercados. Eles apresentavam panelas maravilhosas, quase R$ 5 mil o jogo. A pessoa comprava, eles falavam que ia chegar na casa da vítima e, quando chegavam, eram umas panelas velhas ou nem chegava. Foram presos alguns grupos e eles sumiram. Foram umas três ações contra eles. 

 

Há ainda o falso consórcio. Houve uma investigação grande nossa aqui que prendeu o pessoal que tinha uma estrutura montada no Edifício Top Tower. Muita gente foi vítima. Agora, quando começa uma célula, a gente identifica mais fácil e já faz o combate. No início, na pandemia, era difícil, porque tivemos que começar do zero. Agora, com as investigações, já fazemos com mais agilidade.

 

MidiaNews – Por que, às vezes, o dinheiro não pode ser recuperado?

 

Eliane da Silva Moraes – Com relação aos golpes, há um índice muito baixo de recuperação de valores. Isso em razão da rapidez com que os golpistas tiram o dinheiro daquela conta a qual foi destinada. O que acontece? Nos casos de Pix, a gente consegue fazer essa recuperação desde que a vítima haja de maneira rápida. Existe um mecanismo, que é o MED (Mecanismo Especial de Evolução), em que a vítima, assim que ela associou o golpe, deve imediatamente entrar em contato com o banco.

 

Daí, o banco bloqueia o dinheiro que foi para aquela conta até identificar se foi golpe ou não. Eles têm um prazo para devolução. Muitas pessoas não têm conhecimento de que podem solicitar a função do MED e ficam peregrinando pelas delegacias, não sabem o que fazer e perdem tempo. Então, a primeira medida deve ser essa: solicitar o bloqueio pelo MED assim que perceber o golpe. Todos devem saber qual o contato de seu banco para acionar o MED. 

 

A vítima apresentando as provas, o boletim de ocorrência, de que caiu em um golpe, pode conseguir reaver esse dinheiro. Mas isso depende de uma ação rápida da vítima, para que o banco possa atuar também na mesma rapidez.

 

MidiaNews – Muitas pessoas acabam não registrando o crime por achar que não vão reaver dinheiro, também por vergonha e culpa de ter caído no golpe. O que pode dizer a essas pessoas para ressaltar a importância de registrar o boletim de ocorrência?

 

Eliane da Silva Moraes – É importante o registro do boletim de ocorrência, mesmo que não se tenha esperança de recuperar o dinheiro. Porque é a partir desse documento que temos uma dimensão do que está acontecendo com relação ao crime de estelionato. Se a pessoa deixar de registrar, a gente vai achar que tem pouca incidência do crime, que o número de estelionatos não está tão alto como se propaga. Então, é a partir daí que a gente consegue pressionar as autoridades para que invistam em políticas públicas para o combate do estelionato.

 

Se eu não tiver um levantamento através do boletim de ocorrência, de que o crime de estelionato está em alta, eu não tenho como direcionar recursos para a melhoria da delegacia que trabalha com o crime 

MidiaNews – É impressão ou a incidência destes golpes tem crescido cada vez mais em Mato Grosso? A delegacia tem um levantamento de inquéritos abertos?

 

Eliane da Silva Moraes – Ainda estamos numa crescente desse tipo de crime no Estado. Em Cuiabá houve um aumento no número de prisões, apreensões, ações no combate ao crime de estelionato. Acho que no ano passado, de medidas judiciais, foram em torno de 400 ações de combate. Foram mais de 200 pessoas presas, mais de 200 mandados de busca e apreensão cumpridos nas residências de golpistas, ações de sequestro de bens. Com relação a esse combate, hoje, Cuiabá é a delegacia que está mais estruturada nesse sentido. A nível de Brasil, a estelionato daqui está sendo uma das melhores. 

 

MidiaNews – Há golpes em que os bandidos ligam para a pessoa e, na tela do celular, aparece o número do telefone do banco em que ela tem conta. Como isso é possível?

 

Eliane da Silva Moraes – Eles conseguem mascarar o número da instituição bancária e entram em contato com a pessoa para que ela possa fazer alguma ação por telefone. É preocupante, mas se ficarmos um pouco mais atentos, vai perceber que é um agir diferente de banco que já é motivo para desconfiar. Porém, entendemos que, às vezes, os golpistas são tão bons de conversa que é difícil desconfiar. 

 

Então, qual é a medida deve tomar? Primeiro, não aceite ligações de nenhum banco. A partir do momento em que ele apresentar um problema para você, diga que vai verificar, desligue e entre em contato com o banco. Se você não tem um gerente vinculado, ligue na agência pelo contato no aplicativo. Essa é uma maneira de não cair no golpe. 

 

Hoje, é difícil a gente saber se é golpe ou não, então, temos que mudar nosso comportamento e agir de forma diferente, não acreditando em tudo que vemos no aparelho celular, que ouvimos em uma ligação. 

 

Angélica Callejas/MidiaNews

eliane da silva moraes

A delegada Eliane Moraes, que investiga o caso do falso escritório de advocacia

MidiaNews – Outro golpe que tem sido comum em Cuiabá e até motivou uma reunião da OAB com a Polícia Civil é do falso escritório de advocacia. A delegacia já conseguiu identificar essas quadrilhas? 

 

Eliane da Silva Moraes – Nessa situação não vou poder dar muitas informações, porque está em investigação. É uma investigação complexa, envolve muitas vítimas, muitos suspeitos, mas está a caminho da fase final. Tudo começou com acesso ao PJE, por onde eles obtêm as informações de ações em curso, onde constam os dados das vítimas.

 

Eles entram em contato e, se a pessoa tem uma ação em andamento e não tem o cuidado de verificar se aquele telefone é do escritório, se é do advogado que contratou, efetuam o pagamento processual. Alguns têm desconfiado, não fazem o pagamento e informam seus advogados, que têm vindo aqui na delegacia e registrado boletim de ocorrência. A investigação está bem avançada e envolve pelo menos mais três estados. 

 

MidiaNews – Há mais de uma quadrilha atuando neste esquema?

 

Eliane da Silva Moraes – A gente entende que são três núcleos de uma quadrilha só. Tem núcleo de golpistas que acessam o PJE, núcleo de golpistas que recebem o dinheiro na conta e o núcleo dos golpistas que efetuam as ligações, enviam as mensagens. A partir daí, eles dão golpe também no Brasil todo. 

 

MidiaNews – Neste caso específico, o que chama a atenção é que os golpistas têm todos os dados da vítima, inclusive dados de ações que elas possuem na Justiça. Pode haver servidores do Judiciário envolvidos?

 

Eliane da Silva Moraes – Não. Não acreditamos que haja envolvimento de servidores.

 

MidiaNews – E existem advogados envolvidos?

 

Eliane da Silva Moraes – Na nossa investigação tem participação de advogados, em sua maioria. O que foi identificado dos acessos envolve advogados. Até porque, são pessoas que têm conhecimento jurídico para procurar as ações e obter as informações para aplicarem o golpe.

 

MidiaNews – Um dos grandes temores é o uso de inteligência artificial para reproduzir vozes de pessoas conhecidas. Tem conhecimento de algum deste tipo de golpe em Mato Grosso?

 

Eliane da Silva Moraes – Ainda não. Mas temos conhecimento e é bastante preocupante. Se não me engano, é a partir desses vídeos que todos postam no Instagram, nas redes sociais, que eles pegam e fazem a montagem com você. Ainda não chegou nada para nós nesse sentido, mas sabemos que vai ser bem desafiador. 

 

Acredito que ela tem que estar preparada para coibir esse tipo de conteúdo de golpe assim que chegar a informação nela ou assim que for solicitado. Deve haver uma resposta imediata […]

MidiaNews – Um tema que tem sido discutido no Congresso é a possibilidade de se responsabilizar as empresas de tecnologia, como Facebook, Instagram e WhatsApp, por crimes cometidos por meio delas. O que pensa a esse respeito?

 

Eliane da Silva Moraes – Eu acho que elas têm que franquear o acesso para a Polícia. Não sei até que ponto a empresa deve ser responsabilizada, porque ela coloca uma rede à disposição, para as pessoas terem acesso e publicarem o que acham interessante. Eu, sinceramente, ainda não consegui formar uma opinião nesse sentido de responsabilizá-la. Acredito que ela tem que estar preparada para coibir esse tipo de conteúdo de golpe assim que chegar a informação. Deve haver uma resposta imediata para bloquear, impedir, banir, alguma coisa nesse sentido. 

 

MidiaNews – Qual o perfil das vítimas de golpes pelo celular?

 

Eliane da Silva Moraes – Todo mundo está sujeito a cair em golpes. Nessa pesquisa a nível de Brasil, da Silverguard, com relação aos golpes com Pix, fala que 7 em cada 10 golpes são iniciados pelas redes da Meta: 38% WhatsApp, 22% Instagram e 10% Facebook. Por faixa etária os golpes no Instagram e Facebook são 40%, as vítimas têm entre 18 e 39 anos. Pelo WhatsApp, geralmente, são mulheres de 40 a 59 anos, e idosos que são as maiores vítimas. 

 

MidiaNews – Que dicas dá para que as pessoas não caiam nesses golpes?

 

Eliane da Silva Moraes – No estelionato, via de regra, há participação da vítima. Ou seja, a vítima contribui para cair no golpe. E isso acontece por distração. A pessoa entra em um anúncio no Instagram e compra. Então, duvide das ofertas. Não devemos clicar em link que mandem por SMS, pelo WhatsApp, devemos excluir tudo. No boleto, quando efetuar o pagamento, confira a conta de destino. No caso do falso intermediário, evite fazer negócio por intermédio. Fale direto e somente com o proprietário.

MidiaNews – A senhora poderia falar um pouco sobre as principais investigações que estão em curso?

 

Eliane da Silva Moraes –  Estão em investigação o caso dos boletos falsos da Energisa, que pegou muita gente também, foram em torno de 60 vítimas. Então, de novo oriento que, quando forem pagar boleto, confiram para onde será o destino do valor. Os golpistas colocam nomes parecidos, mas na maioria das vezes, se formos atentos, é possível perceber o golpe. 

 

Tem outras investigações que não posso dar detalhes, mas que iremos deflagrar operação daqui uns dias, como a que envolve vítimas idosas e carentes. O caso dos haitianos que tomaram um golpe de R$ 750 mil e de uma idosa que levou golpe de mais de R$ 1 milhão em um falso investimento de bitcoin. Em andamento aqui, tem cinco operações para serem deflagradas. 

 



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