Com show barrado, investigado disse que iria recorrer a prefeito
As investigações da Força Integrada de Combate ao Crime Organizado de Mato Grosso (Ficco-MT) mostram o ex-assessor parlamentar da Câmara Municipal Elzyo Jardel Xavier Pires, suposto membro da maior facção criminosa de Mato Grosso, dizendo a um interlocutor que iria usar sua relação com políticos para tentar viabilizar um show de funk em Cuiabá. Um dos que ele cita é o prefeito Emanuel Pinheiro (MBD).
O fato gerou transtorno e descontentamento entre os integrantes, que buscaram reverter a situação através da interferência de agentes políticos
A conversa consta nas investigações relativas à Operação Ragnatela, deflagrada na quarta-feira (6) para desarticular um esquema de lavagem de dinheiro da facção por meio de shows e casas noturnas.
Jardel Pires, como é chamado, era assessor do vereador Paulo Henrique (MDB), mas também atuava na produção de show para a facção, conforme as investigações. Ele é um dos presos na operação.
Em junho de 2022, o grupo estava promovendo um evento chamado “Baile Carreta Treme-Treme”, a ser realizado na Acrimat, no dia 4 daquele mês.
A organização, no entanto, estava tendo dificuldades para conseguir os alvarás junto à Secretaria do Meio Ambiente da Prefeitura de Cuiabá porque o local do show é aberto, o que facilita a propagação do som alto.
“O fato gerou transtorno e descontentamento entre os integrantes, que buscaram reverter a situação através da interferência de agentes políticos”, consta no relatório da Polícia. Entre os agentes citados estavam os vereadores Marcus Brito (PV) e Paulo Henrique (MDB), além do prefeito Emanuel Pinheiro e Renivaldo Nascimento, hoje vereador, mas à época secretário de Meio Ambiente.
A intenção era pressionar Renivaldo a assinar o alvará.
“O investigado Jardel Pires, em conversa travada com um indivíduo chamado de Netinho Competition, cita a intenção de entrar em contato com o Prefeito de Cuiabá/MT, Emanuel Pinheiro, e os com vereadores Marcus Brito e Paulo Henrique para pressionarem o Secretário do Meio Ambiente, Renivaldo Nascimento”, dizem os investigadores.
“Eu vou fazer o seguinte: me empresta esse seguro desse cara, eu vou matar esse seguro lá. A hora que chega na mão de Renivaldo lá eu vou botar Emanuel no meio, todo mundo que puder no meio entendeu”, disse Jardel.
Netinho então responde: “Exatamente, tem que botar o prefeito no meio, porque eu coloquei…”.
E então, Jardel responde: “Eu vou botar, eu vou lá ligar pro Marcus Brito, ligar pro Paulo Henrique. Bota todo mundo, e fazer ele assinar, o Renivaldo… [Vou] paga de loco lá”, disse.
Heineken com produtor de evento
Três dias antes da data da show, a investigação interceptou o telefone de Rodrigo Leal – assessor parlamentar de Paulo Henrique e promotor de eventos. Ele recebeu uma chamada de uma pessoa não identificada que estava junto com Emanuel.
O pedido era para que Rodrigo comprasse uma “caixa de Heineken” para o prefeito e uma “caixa de Império Gold” para Emanuelzinho, deputado federal e filho do prefeito.
“Olha só, Alfredo pediu pra você trazer uma caixa de Heineken pro Prefeito e uma caixa de Império Gold pra Emanuelzinho que chegando aqui ele te dá o dinheiro. Que você vai passar uma rotatória, tem uma distribuidora”, disse a pessoa não identificada a Rodrigo.
“Eles estão aqui faz horas, desde sete horas irmão. Corre que você pega ainda”, completou.
Carreta treme-treme apreendida
Na véspera do evento, no dia 3 de junho daquele ano, a carreta de som foi apreendida pela Polícia Militar e a Secretaria de Ordem Pública de Cuiabá em uma ação fiscalizatória para averiguar suposta prática de poluição sonora.
A apreensão teria sido feita por conta de um fiscal da Prefeitura que não estaria dentro do esquema. Eles tentaram resolver entre o grupo e, segundo a investigação, chegaram a recorrer ao prefeito.
“O prefeito ligou pro cara [fiscal], pra não fazer nada e o cara nem atendeu, pagou de louco…Você bota fé?”, disse.
No dia 29 daquele mês, Rodrigo Leal ainda estaria tentando recuperar a carreta da Delegacia Especializada de Meio Ambiente, e teria tentando intermediar a retirada junto ao prefeito.
“Claro vínculo”
Para a investigação, as análises de conversas de aplicativos e interceptações telefônicas deixam claro “o vínculo dos investigados e políticos”.
“Essa estratégia teria o intuito de garantir de certa forma algum poder de influência na esfera política em tomadas de decisões do poder público a favor dos investigados Jardel no direcionamento a pessoas específicas para fiscalização, seja no endosso junto a outros servidores públicos vide o evento da prisão da carreta Treme-Treme no relatório 14.2022”, consta em trecho do documento.
O outro lado
Por meio de nota, o prefeito afirmou que recebe “milhares de demandas” ao longo do dia e naturalizou a fotografia com os investigados.
“Emanuel Pinheiro esclarece que recebe milhares de demandas e pedidos diariamente e que no caso especificado na reportagem não tomou nenhuma medida, o gestor apenas assegurou que a Secretaria de Ordem Pública estava cumprindo seu papel de fiscalização.
Quanto às imagens é válido esclarecer que cabe ao gestor de uma cidade, percorrer bairros e nestes casos, recebe muitos pedidos de fotografias”.
A operação
A Operação Ragnatela contou com apoio do Centro Integrado de Operações Aéreas de Segurança Pública (Ciopaer) e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado, força-tarefa permanente constituída pelo Ministério Público Estadual, Polícia Civil, PM, Polícia Penal e Sistema Socioeducativo.
A Ficco-MT é uma força integrada, composta pela Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil e Polícia Militar e tem por objetivo a atuação conjunta no combate ao crime organizado no estado do Mato Grosso.
Foram cumpridos oito mandados de prisão preventiva e 36 de busca e apreensão em Mato Grosso e Rio de Janeiro, além do sequestro de imóveis e veículos, bloqueio de contas bancárias, afastamento de servidores de cargos públicos e suspensão de atividades comerciais.
Leia mais sobre o assunto:
Empresário da noite e DJ são alvos de operação contra lavagem
Ex-líder de Emanuel, vereador é alvo de operação contra facção
Empresa de investigado doou telhas para sindicato de vereador