Assassino é narcisista, egocêntrico e materialista, diz promotor
O promotor de Justiça Herbert Ferreira Dias, que atua na 1ª Vara Criminal de Sinop, classificou o mestre de obras, Edgar Ricardo de Oliveira, de 32 anos, responsável por uma chacina no Município que deixou sete mortos, como “narcisista, egocêntrico e materialista”.
Ele não demonstrou arrependimento, […] sequer em relação à adolescente que disse ter assassinado sem a intenção
Dias foi responsável pela acusação de Edgar, que na última terça-feira (15), foi condenado a 136 anos, 3 meses e 20 dias de prisão pelos crimes. O caso ocorreu no dia 21 de fevereiro de 2023, em um bar, após uma disputa de sinuca na qual Edgar foi derrotado.
A chacina que chocou o País também teve a participação de Ezequias Souza Ribeiro, de 27 anos, que não foi a julgamento uma vez que foi morto em confronto com policiais militares um dia depois dos assassinatos.
“O interrogatório disse muito sobre a visão do próprio réu em relação ao crime e também sobre o seu desrespeito a um semelhante. Ele não demonstrou arrependimento, ele não materializou nenhum sofrimento e também não externou remorso, sequer em relação à adolescente que disse ter assassinado sem a intenção”, disse Dias, em entrevista ao MidiaNews.
“E o que o réu conseguiu com a sua autodefesa, a partir da própria versão acerca dos crimes que praticou, foi demonstrar um pouco da sua personalidade que já estava desenhada pelas provas: a de uma pessoa narcisista, egocêntrica e materialista”, completou.
Na chacina, foram vitimados Getúlio Rodrigues Frasão Júnior, de 36 anos, a filha dele, de 12, Orisberto Pereira Sousa, de 38, Adriano Balbinote, de 46, Josué Ramos Tenório, de 48, Maciel Bruno de Andrade Costa, de 35, e Elizeu Santos da Silva, de 47
MidiaNews – O senhor ficou satisfeito com a pena imposta?
[…] é muito bom ver uma decisão que toca em um ponto muito importante, que por vezes não é valorado e que por vezes é esquecido, que se trata das consequências do crime
Herbert Ferreira Dias – A pena estabelecida ficou dentro daquilo que era esperado pelo Ministério Público e dentro daquilo que é previsto pela nossa legislação. Mas mais do que isso, é muito bom ver uma decisão que toca em um ponto muito importante, que por vezes não é valorado e que por vezes é esquecido, que se trata das consequências do crime. E essa sentença, especificamente, se valeu das consequências do crime para aumentar a pena do réu, e utilizou como fundamento o relatório psicológico que foi produzido pelo Núcleo de Defesa da Vida, órgão do Ministério Público do Estado de Mato Grosso, que tem por função principal levar a informação, oportunizar a colaboração e oferecer um apoio, proteção e acolhimento às vítimas sobreviventes e aos familiares das vítimas de crimes de latrocínio e também de crimes de homicídio.
E coube a esse Núcleo de Defesa da Vida do Ministério Público do Estado de Mato Grosso levar para dentro desse processo informações sobre quem eram as vítimas, quem eram os familiares dessas vítimas, como é que essas pessoas ficaram, como é que elas foram atingidas e quais foram as consequências do crime na vida dessas pessoas. Dessa forma, nós podemos observar que vítimas deixaram filhos menores de idade, familiares tiveram que ser submetidos a tratamento de saúde, tratamento medicamentoso, alguns familiares de vítimas tiveram crises de ansiedade, de pânico, familiares que dependiam financeiramente de vítima que foi assassinada nessa chacina, ou seja, buscou-se demonstrar as consequências extremamente negativas para esses familiares que felizmente foram consideradas pela juíza e que valeram para aumentar a pena do réu.
MidiaNews – Acredita que a decisão acalmou o clamor social que havia por punição?
Herbert Dias Ferreira – É fato que crimes com tamanha gravidade e repercussão difundem de modo praticamente uniforme em todos nós sentimentos de inconformismo, indignação e de necessidade de punição. Há, então, esse clamor por Justiça que nos atinge a todos e, após um processo judicial, a resposta do Estado vem através da sentença e pode se revelar satisfatória para alguns ou insuficiente para outros, mas que é dada segundo o que prevê a lei, que se aplica a todos. E, considerando esse aspecto, a condenação do réu ocorreu seguindo aquilo que está previsto na nossa legislação.
Em regra, ele recebeu uma condenação de mais de 17 anos em relação a cada homicídio praticado, além de mais de 10 anos pelos crimes patrimoniais de furto e de roubo. Isso elevou o total da pena dele para além de 136 anos, que é uma pena alta, porém proporcional, segundo a nossa legislação, à gravidade do que ele praticou. E, por isso, vemos que essa resposta do Estado vai ao encontro do que a sociedade anseia, demonstra a necessidade de responsabilização, e também informa a todos que crimes dessa natureza serão severamente punidos.
MidiaNews – O réu adotou uma postura de enfrentamento, quando disse “que ninguém morre de graça”. Qual a opinião do senhor sobre esse comportamento?
Ele apresentou uma versão fantasiosa e inverossímel, a qual foi afastada pelo Ministério Público durante os debates
Herbert Dias Ferreira – O interrogatório disse muito sobre a visão do próprio réu em relação ao crime e também sobre o seu desrespeito a um semelhante. Ele não demonstrou arrependimento, ele não materializou nenhum sofrimento e também não externou remorso, sequer em relação à adolescente que disse ter assassinado sem a intenção. O que se percebe é que a preocupação dele era, a todo momento, a de não passar a imagem de alguém que subtrai patrimônio. Mas nos parece que ser reconhecido como alguém que subtrai vidas, para ele, não era algo que denigre a sua moral, desonra sua família ou mancha a sua história.
MidiaNews – Por diversas vezes, o réu disse que algumas das vítimas queriam ser como ele, e exaltava a si dizendo que era rico, empresário, tinha várias mulheres, às vezes até de forma agressiva. Como essa atitude influenciou o júri, na sua opinião?
Herbert Dias Ferreira – O interrogatório é um momento importante dentro do processo. É nessa fase que se ouve diretamente aquela pessoa que está sendo acusada. É a oportunidade que essa pessoa tem de falar sobre os fatos. E o que o réu conseguiu com a sua autodefesa, a partir da própria versão acerca dos crimes que praticou, foi demonstrar um pouco da sua personalidade que já estava desenhada pelas provas: a de uma pessoa narcisista, egocêntrica e materialista, que tentou a todo custo e a qualquer modo responsabilizar as vítimas pelos crimes que ele mesmo praticou. Ele apresentou uma versão fantasiosa e inverossímel, a qual foi afastada pelo Ministério Público durante os debates e facilmente percebida pelos jurados que o condenaram nos termos da denúncia.
MidiaNews – Durante o depoimento de Edgar, ele trouxe várias alegações, como ter o celular clonado, perseguição, manipulação de jogos no bar. Em algum momento da investigação isso foi levantado?
Herbert Dias Ferreira – A motivação para a prática do crime ficou bem evidenciada durante a investigação e a instrução processual. Está relacionada a perda do jogo de bilhar. O Estado não pode agir como réu tomando decisões arbitrárias e imediatas. É por isso que existe o processo e nele as garantias, inclusive a de preservar a integridade do acusado e permitir que ele produza as provas que entender pertinente. E apesar das alegações do Edgar, não há prova sobre os fatos que ele levou para a sessão de julgamento. Fatos esses, inclusive, que não haviam sido sequer mencionados por ele em todas as ocasiões anteriores nas quais foi ouvido. O que se nota, então, é que ele, já antevendo uma possível condenação, optou por tentar convencer o jurado sobre algo que só existia na cabeça dele e, claro, desrespeito a memória das vítimas dessa chacina.
MidiaNews – Como foi trabalhar em um caso de tamanha repercussão?
Herbert Dias Ferreira – A rotina junto à 1ª Vara Criminal de Sinop nos leva à realização de pelo menos dois júris por semana. Logo, nos deparamos com certa frequência com crimes de homicídios. Mas esse caso nos chama mais a atenção, e, de fato, gera mais comoção, primeiro pela forma como foi praticado, pelos fatos terem sido registrados em áudio e vídeo e todos terem visualizado uma cena que é chocante, mesmo para quem está inserido no sistema da Justiça Criminal, seja a Polícia, o Ministério Público, o Poder Judiciário. E também pelo número de pessoas que foram assassinadas, dentre elas, lamentavelmente, uma adolescente. E todas as vítimas tinham muito futuro pela frente, todas com planos e sonhos que, infelizmente, não vão mais se realizar. Embora nós não possamos restituir as vítimas desse bem maior, que é a vida, poder trabalhar como Promotor de Justiça em nome da memória delas e também na defesa da sociedade é algo que nos honra a todos os integrantes do Ministério Público do Estado de Mato Grosso.