Inexigibilidade e a influência da Lei das Estatais

Iniciar um artigo de forma pessimista propende a não entusiasmar o leitor. Todavia, sempre que nos debruçamos sobre o tema da inexigibilidade, prepondera uma provocação aerada quanto a qualquer solução que possa ser conferida ao caso, a despeito de a legislação obtemperar um mínimo de segurança, que se espera seja respeitada pelos órgãos de controle.

 

Os principais pontos encontram lugar nos critérios pelos quais se atinge o conteúdo do núcleo do inexigível e, sobretudo, do preço. Dessa forma, o caput do artigo 74 da Lei nº 14.133/2021 assinala que a inexigibilidade pressupõe a inviabilidade de competição.

 

Ponto comum na doutrina, bem assim no entendimento majoritário dos órgãos de controle, o pressuposto da inviabilidade de competição parece ser, ao menos na abstração teórica, impassível de questionamentos. Por outro lado, adaptar a inviabilidade a uma determinada situação fática não deixa de perpassar por um juízo minimamente discricionário por parte da autoridade que deflagra o processo licitatório (com ou sem competição).

 

Isso porque não existe um standard interpretativo hermético em tal sentido, monopolizando a afeição pela inviabilidade de competição como sendo um panorama elegível por aquele que deflagra a sobredita contratação direta. De certo modo, em determinadas situações, não deixa de ser um movimento entrópico e, por vezes, autofágico, presumindo que o (menor) preço tende a ser o fiel da balança para a escolha.

 

Para qualquer das previsões que constam nos incisos do artigo 74 da Lei Geral de Licitações e Contratos Administrativos há uma tentativa de fechamento espalhada nos cinco parágrafos do mesmo dispositivo legal, coadunando uma pretensa relação de adequação ao tipo, é dizer, para um tipo (incisos), uma exigência terminativa (parágrafos).

 

Nada obstante essa possível prognose de, caracterizada a inviabilidade de competição (obedecido os trâmites do artigo 74 acima aludido), haver um deferimento à contratação direta, na prática sói ocorrer uma priorização em sentido contrário, pois, sempre que possível, opta-se pela competitividade, eliminando qualquer apreciação ou glosa contrastante por parte de quem inspeciona – reprimindo ou não.

 

Essa simpatia refratária (que não deixa de ser uma vocação ao medo) evita inovação, melhores contratos – se se parte do pressuposto de que o inexigível é melhor e singular – e, salvo algum interesse que não o público primário, desfaz o conteúdo normativo pretendido pelo legislador em qualquer das normas que possibilitam a contratação direta por inexigibilidade.

 

Lei das Estatais

 

Sempre foi assim em qualquer dos cenários normativos, seja na anterior Lei nº 8.666/1993, seja na atual Lei nº 14.133/2021. Sucede que, nesse interregno temporal (com licenças à minguante tautologia), desponta a Lei nº 13.303/2016, que dispõe sobre o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e das suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Lei das Estatais).

 

E o que há de distintivo entre as referidas leis? Este é um ponto crucial, cujas vicissitudes podem amealhar soluções mais salutares para a administração pública contratante, por quê?

 

Porque, mesmo encontrando praticamente a mesma proteção restritiva da Lei nº 14.133/2021, o artigo 30, da Lei das Estatais não é tão extenso quando comparado ao artigo 74, da Lei de Licitações e Contratos Administrativos. Muito embora o caput do artigo 30 expresse a mesma nomenclatura adotada no caput do artigo 74 da outra lei “inviabilidade de competição”, a exemplificação mínima (rol menos exaustivo) pode convergir para uma maior autorização, considerando casos não contemplados no texto normativo.

 

Some-se a isso o fato de que, embora o processo licitatório seja prévio ao contrato (obviedade assumidamente proposital), este, na Lei das Estatais, rege-se, prioritariamente, por normas de Direito Privado, seguindo a inteligência interpretativa literal do caput do artigo 68.

 

Logo, se o contrato possui uma mais tímida rispidez excessiva e se ele (o contrato) é a consequência natural do processo, senão sua finalidade principal, ao procedimento não se pode aplicar uma predisposição de cláusulas exorbitantes encontradas no conteúdo da Lei nº 14.133/2021. Há, sem tantas inquietudes, uma maior liberdade de formas.

 

E, mesmo na Lei nº 14.133/2021, o cerne também parece residir no preço. Logo, ultrapassada a peculiaridade do preço (evitando sobrepreço ou superfaturamento – terminologia inaugural encontrada no § 2º do artigo 30 da Lei nº 13.303/2016), a resolutividade de outras questões estaria mais adstrita à liberdade da forma de contratação, seja pela irradiação das normas de Direito Privado, seja pela propensão de um controle externo mais flexível (o que não significa dizer seja corrompido).

 

Assim que, atento à Lei das Estatais, em se tratando de aplicação da Lei nº 14.133/2021, a adaptabilidade das hipóteses de inexigibilidade ganharia mais respaldo tanto quanto maior fosse a amplitude discricionária do gestor em identificar a “inviabilidade de competição”.

 

Quanto ao preço – supostamente percalço comum a ambas as leis – o controle externo é severo e não se prende a análises comparativas, mas sim a cifras, usualmente em plena desproporção à qualidade do contratado, que, se realmente inexigível, teria a possibilidade de melhor estipular seu valor.

 

Guilherme Carvalho é doutor em Direito Administrativo.



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