Investigados por venda de sentença advogam em mais de 200 ações
Advogados citados como interlocutores ou operadores nas suspeitas de vendas de decisões judiciais atuaram em mais de 200 processos que chegaram ao STJ (Superior Tribunal de Justiça) nos últimos anos.
Até o momento, não há indícios de irregularidades nos julgamentos desses processos no STJ, mas o tribunal afirma que tem levantado as informações e feito apurações internas.
Esses advogados são mencionados em relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) que levou ao afastamento de dois desembargadores de Mato Grosso em agosto ou em investigação da Polícia Federal que provocou o afastamento de cinco desembargadores de Mato Grosso do Sul no último dia 24 de outubro.
Nas últimas semanas, as investigações também apontaram suspeitas sobre venda de decisões em gabinetes do próprio STJ e foram enviadas para o STF (Supremo Tribunal Federal), onde tramitam sob sigilo. O relator é o ministro Cristiano Zanin.
Um dos citados pelo CNJ é Rodrigo Vechiato da Silveira, que assessorava até 2019 o desembargador Sebastião de Moraes Filho, de Mato Grosso.
O conselho afirma que, depois de deixar o gabinete de Sebastião, Vechiato atuava como interlocutor do magistrado, “intermediando negócios aparentemente ilícitos entre [o advogado] Roberto Zampieri e o gabinete do desembargador em questão”.
Sebastião foi afastado em agosto sob suspeita ter recebido dinheiro e barras de ouro de Zampieri, que foi assassinado no fim de 2023.
A partir da época em que saiu do gabinete de Sebastião, em 2019, Vechiato também passou a ser o representante de ao menos 27 processos da região que chegaram ao STJ –6 deles estão ainda em tramitação.
Outro advogado envolvido em suspeitas é Felix Jayme Nunes da Cunha, um dos principais alvos das investigações sobre Mato Grosso do Sul, que também trata de suspeita de um esquema de venda de decisões.
Em mensagens obtidas pela Polícia Federal, Jayme falava em leilão para obter votação favorável no Tribunal de Justiça de MS, citava valores que deviam ser repassados a magistrados e tentava convencer clientes a entrar no esquema, dizendo que estava barato.
Jayme tem cerca de 200 ações como advogado no STJ. Uma dessas causas, que chegou ao tribunal superior por meio de três recursos, é investigada por suspeita de pagamentos a desembargadores do TJ-MS.
Esse processo envolve a disputa por um imóvel rural chamado Fazenda Paulicéia, situado em Maracaju (MS).
A PF encontrou indícios de que houve compra de decisões por parte de uma empresa de agropecuária em um processo relacionado a parentes de um conselheiro do Tribunal de Contas do Estado.
O caso envolve expulsão de proprietário do terreno, falsificação de documentos e também extorsão.
“Há fartos e veementes indícios da atuação dos investigados, juntamente com o advogado Felix Jayme Nunes da Cunha, na negociação para obtenção de decisão judicial favorável aos seus interesses”, diz a decisão do ministro do STJ Francisco Falcão que autorizou a operação.
No STJ, a parte contrária aos clientes de Jayme tentou suspender decisões tomadas no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul em três ações, que foram relatadas pela ministra Nancy Andrighi. Ela negou os recursos em 2022, e os processos foram arquivados.
Além desses processos, também existem ao menos quatro representados pelo advogado Rodrigo Gonçalves Pimentel, o filho do desembargador afastado Sideni Pimentel.
Rodrigo Pimentel é suspeito de envolvimento em decisões que envolvem diferentes magistrados do tribunal sul-mato-grossense.
Procurada, a ministra Nancy Andrighi afirmou em nota à Folha de S.Paulo que os recursos citados na reportagem “foram decididos conforme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, decisões contra as quais não houve interposição de recurso pelas partes”.
“Friso que já coloquei meu gabinete à disposição para contribuir na elucidação dos fatos noticiados pela imprensa e confio na apuração realizada pelo Superior Tribunal de Justiça e pelas demais instituições, a fim de que os eventuais envolvidos sejam punidos de forma exemplar.”
O STJ foi questionado se tem dados sobre os processos nos quais houve a atuação de investigados e informou que “os levantamentos estão sendo feitos e as investigações estão em curso”.
Em nota a defesa de Rodrigo Vechiato da Silveira afirma que não atua e nunca atuou no STJ em processos que tenha qualquer relação com o advogado Zampieri e com o desembargador Sebastião.
“Acerca dos fatos, esclarece que tomou conhecimento exclusivamente pelos veículos de comunicação e matérias divulgadas na imprensa, e que até o momento não teve acesso formal aos autos mencionados. Portanto, ainda não dispõe de informações detalhadas que lhe permitam fazer uma avaliação completa das matérias ventiladas”, diz a nota.
“Não obstante, em postura colaborativa, sempre se colocou à disposição dos órgãos de controle para prestar quaisquer esclarecimentos que viessem a ser necessários.”
“Por fim, reafirma que, assim que tiver acesso integral aos procedimentos mencionados, se manifestará com total clareza e transparência sobre todas as ilações indevidamente ventiladas na mídia”, diz nota assinada pelos advogados Léo Catalá e Valber Melo.
A reportagem não conseguiu localizar Felix Jayme e Rodrigo Gonçalves Pimentel ou as suas defesas.