Promotor critica sobrecarga e fechamento de promotorias em MT
Candidato ao cargo de procurador-geral de Justiça, o promotor Carlos Eduardo Silva diz que existe sobrecarga de trabalho em promotorias do interior e critica o fechamento de unidades em algumas cidades.
Hoje é público e notório que há uma sobrecarga de trabalho em algumas unidades
“Nós estamos hoje encerrando as atividades em algumas comarcas importantes e até históricas. Vamos falar de Poxoréu, de Nortelândia, de Dom Aquino. São promotorias que sempre projetaram nomes e figuras importantes”, disse.
“Também temos necessidade de criação de novas promotorias no interior. Hoje é público e notório que há uma sobrecarga de trabalho em algumas unidades como Barra do Garças, Sorriso e Cárceres”, completou.
Carlos Eduardo tem 27 anos de carreira no MPE e atualmente se dedica à área do saneamento no Estado.
Em entrevista ao MidiaNews, Carlos Eduardo também falou sobre suas propostas caso seja o escolhido para ser o novo chefe do MPE. A eleição acontece entre 1° e 4 de dezembro, quando sairá uma lista tríplice que será enviada ao governador Mauro Mendes, a quem cabe definir o novo procurador-geral de Justiça para o biênio 2025/2026.
Além disso, o promotor falou sobre suas prioridades caso seja nomeado, sua relação com o governador e avaliação da gestão atual do procurador Deosdete Cruz, e questões salarias, como sua opinião sobre o fim dos chamados “penduricalhos” na carreira.
Confira os principais trechos da entrevista:
MidiaNews – Por que o senhor decidiu entrar na disputa pelo cargo de procurador-geral de Justiça de Mato Grosso?
Carlos Eduardo Silva – Bom, eu sempre participei das movimentações e das discussões políticas internas do Ministério Público, e agora nos últimos três anos venho acompanhando de perto a administração. Com a notícia de que o procurador-geral Deosdete [Cruz Júnior] não sairia à recondução, abriu-se a possibilidade de a gente se posicionar no processo sucessório.
Com o apoio de alguns colegas, resolvi sair candidato a procurador-geral de Justiça. São 27 anos de carreira, muitos serviços prestados à instituição e isso, de certa forma, facilitou que diante dessa conjugação de fatores eu pudesse sair candidato.
MidiaNews – O senhor afirmou que faz parte de um grupo “independente” dentro da instituição. O que esse seu grupo defende?
Carlos Eduardo Silva – Na verdade, eu componho uma ala do Ministério Público que não está ligada a nenhuma das candidaturas postas hoje. Na verdade, houve uma cisão de um movimento e hoje a situação está um pouco polarizada, mas consigo circular bem por todos os movimentos dos concorrentes.
Respeito muito a postura de ambos, a candidatura de ambos, de modo que eu não componho nenhuma das alas, dos movimentos que estão aí hoje se digladiando. A minha candidatura é independente nesse sentido.
E também independente na perspectiva de que é a candidatura que representa a renovação dos métodos de administração, da própria postura do Ministério Público. Eu entendo que sou eu que trago esses atributos da renovação de quadros, da renovação de métodos de atuação do MPE.
MidiaNews – No MPE sempre houve um consenso de que o órgão era dividido em grupos. Nesta eleição, essa divisão se acentuou, com o ex-procurador-geral José Antônio Borges rompendo com atual Deodeste e se candidatando. Isso não é ruim para o órgão?
Carlos Eduardo Silva – A polarização nunca é boa, né? A questão se torna muito passional. Nós temos uma instituição relevante para a sociedade. Temos aí uma instituição que defende uma série de interesses que não podem ser deixados de lado.
Acredito que a minha candidatura, até pelo meu histórico de atuação, pela minha postura institucional, é nesse momento a mais adequada para que a gente possa trazer harmonia, paz, para que a gente possa também trazer mais racionalidade nas discussões internas do Ministério Público.
Acredito que a minha candidatura, até pelo meu histórico de atuação, pela minha postura institucional, é nesse momento a mais adequada
MidiaNews – Quais propostas seriam suas prioridades à frente do MPE?
Carlos Eduardo Silva – Bom, como eu mencionei, são 27 anos de carreira. Sempre fui promotor ‘chão de fábrica’, aquele que nunca se afastou das atividades, que conhece a realidade, que sabe das dificuldades que os promotores de justiça têm no dia a dia. Então todas as minhas propostas estão voltadas justamente para essas demandas.
São propostas ligadas ao apoio direto aos promotores de justiça, através de um núcleo de apoio remoto, através da racionalização dos centros de apoio, ganhando em escala os servidores que podem atuar em auxílio aos promotores.
Uma questão que eu venho discutindo com os colegas é que o Ministério Público possa acompanhar a expansão que o Poder Judiciário hoje está tendo no interior. Em vez de acompanhar essa expansão, ao que me parece, nós estamos até encerrando as atividades em algumas promotorias. Isso me preocupa muito.
O Estado está com uma arrecadação crescendo, o Poder Judiciário em franca expansão, a Defensoria Pública também. E nós estamos hoje encerrando as atividades em algumas comarcas importantes e até históricas.
Vamos falar de Poxoréu, vamos falar de Nortelândia, de Dom Aquino. São promotorias que sempre projetaram nomes e figuras importantes no Ministério Público e no campo jurídico do estado de Mato Grosso.
Também temos necessidade de criação de novas promotorias no interior. Hoje é público e notório que há uma sobrecarga de trabalho em algumas unidades como Barra do Garças, Sorriso e Cárceres com a necessidade que nós temos hoje, principalmente por promotorias criminais nesses locais.
Acredito que eu reúno as melhores condições para enfrentar essas demandas apresentadas pelos colegas do interior.
MidiaNews – Formada a lista tríplice, o governador é quem decidirá quem será o novo procurador-geral. Como é sua relação atual com o governador Mauro Mendes? Já chegou recentemente de se encontrar com ele para conversar?
Carlos Eduardo Silva – Ao longo da minha trajetória institucional, eu tive a oportunidade de trabalhar com o governador Mauro Mendes desde a época em que ele foi prefeito de Cuiabá. Eu, como promotor ambiental aqui da cidade, ele como prefeito, tivemos algumas parcerias importantes nesse trabalho.
Na época, prefeito Mauro Mendes fez a intervenção na antiga CAB e com o resultado dessa intervenção nós tivemos um novo ator operando no sistema de água e esgoto aqui da Capital com o aporte de um plano emergencial de mais de R$ 700 milhões. Isso foi uma parceria, Prefeitura e Ministério Público.
Agora, ele como governador, também temos uma parceria importante no âmbito do saneamento. Então não há problema algum com o governador, nós temos um relacionamento excelente, inclusive pessoal.
Não vejo problemas, sendo procurador-geral de justiça, em ter uma relação amistosa com o governador, também com o Tribunal de Justiça e o desembargador José Zuquim [presidente eleito], com quem eu trabalhei quando era juiz da vara ambiental, com o próprio TCE, com o conselheiro Sérgio Ricardo. Então eu não vejo problema em termos institucionais na relação com os demais poderes e instituições.
MidiaNews – Então a relação com o governador caso o senhor fosse o escolhido seria respeitosa?
Carlos Eduardo Silva – Sim, respeitosa, horizontal, como sempre foi. Hoje ainda temos um excelente relacionamento.
É uma relação de confiança e eu acho que é importante dos Poderes, né? A gente tem essa relação transparente de confiança e todos imbuídos em prol do interesse comum.
MidiaNews – Qual avaliação o senhor faz da gestão do procurador-geral Deosdete Cruz?
Carlos Eduardo Silva – Posso dizer que a atual gestão do procurador Deosdete é uma gestão que trabalhou incisivamente na boa administração orçamentária do Ministério Público e teve conquistas importantes nesse sentido, mas também a gente verifica a necessidade de algumas correções.
Acredito que a própria estrutura da Procuradoria Geral de Justiça pode ser modificada. A gente pode delegar mais atividades aos promotores de justiça, deixar de concentrar menos investigações e apurações no âmbito da Procuradoria e delegar mais os promotores.
Podemos também ter preocupações atinentes ao respeito à independência funcional dos promotores. É importante a gente resgatar um pouco isso, que sempre teve no Ministério Público, da liberdade para os promotores poderem investigar e apurar.
Não que isso não tenha ocorrido. Em alguns pontos a gente entende que houve falhas e equívocos por parte da administração. Nós colocamos isso no âmbito do mutirão ambiental e também no âmbito de recomendações que foram feitas aos promotores de justiça, como em acordos de não persecução penal.
Na minha gestão nós vamos nos abster de fazer esse tipo de interferência ou de colocação para que os promotores possam atuar mais livremente.
MidiaNews – Se o senhor tivesse que falar um problema principal do Ministério Público atualmente, da gestão atual, qual seria ele?
Carlos Eduardo Silva – Acho que o ponto crucial que nós tivemos foi esse estado de falta de harmonia, de discussão, de amadurecimento das questões. Faltou um pouco de autoridade na construção desses trabalhos, na criação de espaços de diálogo internos no Ministério Público.
Houve, de certa forma, e a gente faz uma crítica, eu não faço a crítica à pessoa do procurador Deosdete, mas a forma como ele conduziu algumas questões ambientais. Faltou diálogo com os promotores que atuam no meio ambiente, faltou diálogo com os promotores que atuam na área criminal nessa questão do apoio de não persecução penal.
Então são pontos que envolvem diretamente a questão da independência funcional, que é um dogma no Ministério Público, que é um princípio no Ministério Público. Então eu, como procurador-geral, vou valorizar a independência funcional dos membros. Acho que esse é um problema que deve ser urgentemente enfrentado.
MidiaNews – Como que na prática o senhor faria para resolver esse problema, essa falta de harmonia?
Carlos Eduardo Silva – Sou uma pessoa do diálogo, aberta a ouvir todos os membros, procuradores, promotores da Capital, do interior. Então, através do diálogo, da boa condução política, criando um clima de governabilidade interna, penso que eu vou conseguir trazer um pouco mais de harmonia às relações do Ministério Público.
MidiaNews – Um levantamento recente mostrou que, em junho, 34 membros do MPE receberam mais de R$ 150 mil. Não acha que isso seja um exagero, levando-se em conta o teto do funcionalismo e principalmente a média salarial do brasileiro?
Carlos Eduardo Silva – É importante colocar que esses valores não são referentes ao salário-mês. Esse valor é resultado também de pagamento de passivos ou créditos que os colegas têm e que deixaram de ser pagos também ao longo dos anos.
A remuneração nossa é similar a de demais carreiras jurídicas como de magistrados, procuradores de Estado e a próprios defensores públicos. A remuneração nossa é com base em um parâmetro similar ao que as demais carreiras jurídicas recebem.
O que nós temos talvez, e que possa ter refletido nesses valores, são justamente os créditos, os passivos, que nós estamos recebendo de acordo com a disponibilidade orçamentária do órgão.
MidiaNews – O senhor não acha que esses valores desses créditos sejam muito altos, um exagero?
Carlos Eduardo Silva – É que a gente acaba, de acordo com a disponibilidade orçamentária, recebendo esses valores. São frutos de férias não pagas, são frutos também de valores remuneratórios de diárias ou outros valores não pagos ao longo do tempo e que viraram créditos, e que hoje a instituição está tendo condições de pagar.
Mas a nossa remuneração não muda em relação ao que as demais carreiras jurídicas recebem. O que acontece é que a gente está tendo a oportunidade agora de resgatar um pouco aquilo que deixou de ser pago ao longo dos anos.
MidiaNews – O que acha da proposta de se acabar com os penduricalhos nos salários dos membros da Justiça e do MP?
Carlos Eduardo Silva – A gente tem que pensar que as carreiras jurídicas e carreiras de Estado trabalham com questões muito sensíveis e que demandam uma especial atenção por parte do Estado.
Nós temos que ter bons salários, recrutar bons profissionais através de concursos públicos sérios. Então a remuneração, não só aqui no Brasil, como em todo lugar, é uma remuneração que é o ápice do funcionalismo público, a cúpula.
Então entendo que alguns desses “penduricalhos” vêm ao longo do tempo justamente para suprir algum déficit remuneratório ou alguma questão que traga algum tipo de desvalorização à carreira.
Hoje, a carreira da Magistratura em termos previdenciários já bate no teto previdenciário. Antes você recebia integralmente na aposentadoria o valor que você percebia na carreira. Então, já não está sendo tão atrativa como antes.
Esses adicionais que são incorporados à carreira ao longo do tempo, justamente vem para suprir esses débitos. O interessante era que se houvesse realmente um valor único e que pudesse contemplar todas as necessidades e pudesse valorizar a carreira também.
MidiaNews – Então, o senhor seria contra o fim dos penduricalhos?
Carlos Eduardo Silva – Não, eu não sou contra. Penduricalho eu acho uma palavra forte.
O que o promotor ou juiz recebe? Ele recebe mais se ele responde por uma outra vara, uma outra promotoria, durante aquele período que ele está respondendo. Ele recebe diárias, são as verbas que são pagas para outras carreiras jurídicas também.
Então se o Congresso Nacional definir que vai ser uma parcela única, um valor único não há problema nenhum, nós vamos receber férias, vamos receber os valores, como qualquer outra carreira.
O que não se pode é também a gente criar um clima de que o Ministério Público, a Magistratura, só recebe penduricalhos, não é bem isso. O promotor recebe porque está respondendo por uma outra promotoria, está em sobrecarga de trabalho. Então são vantagens que são agregadas à carreira por conta de atividades extras.
MidiaNews – Temos visto o avanço de facções criminosas no Estado, cometendo crimes com ordens saindo dentro de presídios. O Governador Mauro Mendes chegou a defender leis mais duras e que os estados pudessem legislar sobre a legislação penal. Como o senhor vê tudo isso?
Carlos Eduardo Silva – A Constituição Federal estabelece que só a União pode legislar sobre leis federais justamente para harmonizar a aplicação da lei penal em todo o território. Não faz muito sentido, de repente, você ter um crime ambiental previsto em Mato Grosso e em outro local não ser crime ambiental ou um homicídio ter uma pena aqui e em outro local ter uma pena menor, porque atravessou a ponte e está lá em Goiás.
Eu não vejo muito sentido em propostas como essa. Acho que algumas questões legislativas, até pela própria formatação do estado brasileiro, estado federativo, a gente tenha que estabelecer uniformidade para todas as unidades.
Não é a mudança de lei penal permitir que o estado legisle sobre determinada matéria penal e outro não que isso vai arrefecer a questão da criminalidade nesses estados. São ações efetivas do poder público e outras questões sociais.
Há uma enormidade de fatores de crescimento da criminalidade, até a racha entre facções. Então não é a simples mudança de capacidade de criar leis que vai diminuir ou não a criminalidade em determinado espaço do território brasileiro.
Eu sou contra. Acho que a competência deve ser da União para legislar sobre esses assuntos.
MidiaNews – E sobre endurecer as leis atuais?
Carlos Eduardo Silva – Em determinados pontos, sim. Eu acredito que, por exemplo, os crimes cometidos contra o meio ambiente no Brasil ainda têm uma legislação muito branda.
A gente pode endurecer um pouco mais algumas leis penais, mas isso não significa necessariamente que você vai combater criminalidade só com isso, só com esse instrumento.
A forma de aplicação da lei é importante para combater a criminalidade. O aparato estatal de combate à criminalidade e o aparato estatal de amparo social também.
Eu não concordo só com o aumento das penas como forma de arrefecer os impactos da criminalidade no país. Mas em alguns pontos sim, alguns tipos de crime, como crimes contra a vida, contra o meio ambiente, contra o patrimônio público são questões muito sensíveis para a organização do Estado e da sociedade, que nós deveríamos ter sim leis mais duras.
MidiaNews – A democracia no Brasil tem passado por diversos estresses. O Judiciário, por exemplo, tem sofrido ataques, principalmente o STF e seus ministros. A que o senhor atribui esse momento do Brasil?
Carlos Eduardo Silva – Eu acho que o Poder Judiciário veio mostrar a sua importância fundamental para a manutenção da democracia, justamente nesse período crítico que nós tivemos. Se nós não tivéssemos um Judiciário forte e independente, pelo que nós estamos vendo aí, nós teríamos tido um ataque direto e frontal à democracia no país.
Então, é claro que até por conta do protagonismo que teve nesse processo, ele acaba se expondo. O Poder Judiciário foi muito firme naquele momento institucional conturbado que nós tivemos ali e graças ao Poder Judiciário é que nós podemos hoje falar sobre democracia.
Então, as críticas são importantes, são válidas, mas a gente não pode confundir a crítica com a própria essencialidade da existência do Poder Judiciário. Um ponto aqui, outro ali, mas que isso não possa enfraquecer a importância que o Poder Judiciário tem para a manutenção do nosso Estado democrático de direito.
MidiaNews – E ao que que o senhor atribui esses ataques?
Carlos Eduardo Silva – A uma série de fatores. Podem ser por erros judiciais. Estamos também sujeitos a recursos, a críticas, mas também a questões políticas que nós vivenciamos fortemente naquele momento histórico.
Crítica à própria urna eletrônica, ao processo eleitoral e também a alguns equívocos que ocorrem mesmo. O Judiciário é formado por pessoas, o Ministério Público é formado por pessoas; estamos sujeitos a erros.
Então com a imprensa livre, com as pessoas podendo se expressar num Estado democrático de direito, é normal que ocorram normalmente essas críticas aos poderes constituídos e também ao Judiciário.