Turismo descontrolado causou erosões no mirante de Chapada

O Mirante de Chapada dos Guimarães, uma das paisagens mais marcantes do Estado, foi interditado em dezembro devido à degradação causada pela visitação desordenada de turistas, que resultou em processos erosivos no espaço turístico.

 

Os visitantes não fazem a mínima ideia da consequência de formar trilhas assim. Vai uma pessoa, passa pelo lugar […] e assim chega ao estado de degradação que vemos hoje

A área é usada como ponto turístico e de observação desde 1980, mas nunca teve implantada estruturação adequada para a atividade. O problema surge a partir disso, uma vez que as erosões ocorrem devido às trilhas que os milhares de visitantes “criam” durante a exploração local.

 

Ao MidiaNews, o professor de Geologia da UFMT (Universidade Federal de Mato Grosso), Caiubi Kuhn, explicou que, em 10 anos, o desenvolvimento dessas erosões foi tão descontrolado que algumas se tornaram voçorocas, termo dado às cavidades que atingiram a profundidade do aquífero. A maior delas, segundo o professor, tem quase 3 mil metros quadrados.

 

Devido à situação crítica, a Sema (Secretaria Estadual de Meio Ambiente) interditou, de fato, a área, e iniciou, em dezembro, obras de recuperação no Mirante, com investimento informado de R$ 2 milhões. O projeto, entretanto, não foi divulgado.

 

“Provavelmente, os visitantes não fazem a mínima ideia da consequência de formar trilhas assim. Vai uma pessoa, passa pelo lugar para descer até a beira do paredão, aí vem outra pessoa, vê um caminho e que a vegetação está amassadinha, e fala ‘vamos por aqui’ e assim chega ao estado de degradação que vemos hoje”, explicou Caiubi.

 

“Nunca foi estruturado, nunca teve planejamento. Nessas trilhas retas, a vegetação vai morrendo, compacta o solo, o que diminui a infiltração e, depois, conforme vêm as chuvas, e causar as erosões. A longo prazo, o problema maior da erosão é o risco de inviabilizar o próprio mirante e tornar um espaço impróprio para visitação“.

 

Apesar de a reportagem não ter tido acesso ao projeto de recuperação por falta de retorno da Sema, o professor acredita que as intervenções visam conter, estabilizar e recuperar os processos erosivos com utilização de madeiras e da própria vegetação, que seria o mais indicado para a área.

 

“A contenção envolve impedir o fluxo de água para dentro do canal da erosão e assim estabilizá-la. Isso pode ser feito com medidas estruturais, desde colocar estruturas de madeira, vegetação ou concreto, mas este último acredito que não será feito lá. Então, são medidas estruturais junto com medidas vegetativas”, disse. 

 

“A gente considera que uma erosão está estabilizada quando ela possui, por exemplo, uma vegetação densa dentro dela. Nesse caso significa que não está tendo mais a remoção de partículas do solo que está dentro daquela erosão. Ou seja, precisa impedir esse fluxo de água para dentro dos canais das erosões”.

 

Entretanto, o professor afirmou que, após a conclusão da obra de recuperação, é de importância crucial que haja a implementação de um projeto de infraestrutura que possibilite o uso público de forma ordenada e segura. Entre os projetos, Caiubi ressaltou a criação de trilhas e fiscalização.

 

Arquivo pessoal

Registro de satélite da erosão em 2014, e na segunda foto, a mesma erosão, em 2023

Registro de satélite da erosão em 2014, e na segunda foto, a mesma erosão, em 2023

“Enquanto tiver um fluxo desordenado, a gente vai continuar tendo esse problema. Nós temos algumas áreas ali à direita do mirante, que hoje já estão se fazendo novas trilhas até a beira do paredão, à beira da escarpa. Daqui cinco anos, dez anos, vai ser uma nova erosão. Isso é um fato”.

 

“Teria como chegar à beira da escarpa sem causar erosão? Sim. São feitas trilhas com tablados, devido ao fluxo intenso. Não pode ser um caminho linear, porque senão a água ganha velocidade e tem uma capacidade maior de remover partículas do solo, resultando nessa degradação que vemos hoje”.

 

“A gente precisa ter um ordenamento da ocupação de espaço, um planejamento, e conseguir passar também para as pessoas que vão lá, além da beleza cênica, a história do local, o que que essa beleza representa e o que tem lá”. 

 

Interdições e a causa comum

 

Ao longo das últimas décadas, houve três interdições no mirante, motivadas por problemas ambientais e estruturais, determinadas por órgãos ambientais e pela Justiça. As interdições têm em comum o fato de serem motivadas pela degradação ambiental e pelos riscos à segurança. Porém, até este ano, o local ainda recebia visitantes.

 

Em 2011, a interdição ocorreu devido à fragilidade do solo, que estava sendo agravada pelo tráfego intenso de turistas, devido a criação de trilhas informais e o pisoteio constante na área. O ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) determinou a proibição de visitas em áreas consideradas de risco, visando prevenir danos maiores e iniciar estudos sobre a viabilidade de visitação controlada.

 

Já em 2015, a nova interdição foi decretada pelo agravamento das erosões. A Sema (Secretaria de Estado de Meio Ambiente) e o ICMBio decidiram pelo fechamento completo do mirante até que fosse elaborado um plano de manejo que equilibrasse a preservação ambiental com a exploração turística. O que não ocorreu.

 

No ano de 2021, houve outra interdição, relacionada às erosões que não foram recupedadas e estabilizadas, e continuavam avançando devido à falta de medidas efetivas de controle. Durante o período, a Sema e o ICMBio planejaram a implementação de infraestrutura básica e intervenções para contenção do solo, que não foi executado.

 

Na interdição mais recente, em dezembro de 2023, os estudos revelaram erosões severas, devido a terem atingido o aquífero subterrâneo. Dessa vez, a Sema fechou oficialmente a visitação do mirante e em dezembro de 2024 início às obras.



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