A história dos negros dos EUA que tentaram imigrar para MT
Notícias sobre a formação de uma associação norte-americana com o intuito de migrar para Mato Grosso, no ano de 1921, animaram o Governo brasileiro, que buscava investimentos nas regiões Norte e Centro-Oeste do Brasil. Com o passar do tempo, os governantes do Estado foram mudando de ideia e o acordo com os agricultores acabou sendo cancelado. Para a pesquisadora Cibele Barbosa, que prepara um livro sobre o tema, a decisão foi motivada por racismo.
um país que se dizia sem preconceitos, um país aberto, sem segregação, isso então atraiu a atenção de alguns
Autointitulada como terra do progresso e da igualdade, o território mato-grossense, comandado na época pelo governador Dom Aquino Correia, passou a oferecer concessões de terras para novos investidores interessados em administrar propriedades rurais na região.
“Já se começou a fazer ali a propaganda, por meio de conferências públicas e exibições cinematográficas, demonstrando assim as esplêndidas pastagens e a exuberância dessas terras”, publicava o jornal carioca A União em 17 de fevereiro de 1921.
Com anúncios em jornais, a campanha rodou o Mundo e despertou o interesse de um grupo de norte-americanos residentes em Chicago.
Ao saber dos benefícios oferecidos pelo Governo brasileiro, o empresário Arthur Shindelar iniciou as negociações para a concessão de pouco mais de 1 milhão de hectares de terras mato-grossenses. As informações sobre as negociações circularam na imprensa nacional e chamaram a atenção de empresários e políticos do país.
“O Sr. Arthur Shindelar, comissário do contrato, pretende introduzir milhares de famílias de colonos, exclusivamente agricultores, com a vantagem de que esses colonos trazem dinheiro e se apressarão em comprar os lotes de terra de que necessitam”, dizia trecho de uma notícia publicada no Correio da Manhã no dia 14 de fevereiro de 1921.
Apesar de Arthur Shindelar estar à frente das negociações, Cibele Barbosa esclarece que ele era apenas uma ponte entre o Governo brasileiro e um sindicato de norte-americanos negros a quem a compra de terras interessava.
Denominado Brazilian-American Colonization Syndicate (BACS), o grupo de investidores buscava formar uma colônia de agricultores em diversas regiões do Estado. Impulsionados pelo discurso de paraíso racial e sem discriminação, promovido pelas propagandas dos governos norte-americano e brasileiro, o grupo passou a planejar a compra de terras em Mato Grosso.
“O interesse dos afro-americanos em migrar para o Brasil entre 1920 e 1921 se deu pelo incentivo de uma propaganda recorrente na imprensa negra norte-americana, desde os anos 1910, passando pelos anos 1920, que promovia o Brasil como uma terra de oportunidades. O Brasil, por sua vez, também queria atrair imigrantes, e se valia dessa imagem para incentivar a vinda deles”, explica a pesquisadora.
Com o investimento vindo de Chicago, o Governo brasileiro tinha o objetivo de levar mais mão de obra e, consequentemente, aumentar a geração de renda na região.
“Mato Grosso, que tem visto a sua vida entravada pela falta de braços, muito terá a lucrar com essa imigração escolhida e, o que é mais importante, dispondo de fartos recursos pecuário”, afirmava o jornal Correio da Manhã em fevereiro de 1921.
Conflitos raciais e cancelamento das concessões
Reprodução/ Lasser
Anúncio do BACS
O interesse do BACS em deixar Chicago e investir no Brasil aumentava à medida em que conflitos raciais se intensificavam em território norte-americano. O ápice aconteceu no início de 1921, com o massacre de Tulsa, no estado de Oklahoma, que deixou dezenas de negros mortos.
“Neste momento, nos Estados Unidos estava havendo uma série de conflitos raciais, segregação em vários estados, confrontos… Então, com o linchamentos e a ideia de que era possível, que existia um país que se dizia sem preconceitos, um país aberto, sem segregação, isso atraiu a atenção de alguns”, explica a historiadora.
Apesar dos investimentos que as concessões trariam para a região, ao ter conhecimento dos conflitos raciais envolvendo os futuros investidores, a possibilidade da imigração norte-americana começou a perder força. Dom Aquino Correia assinou o cancelamento das concessões destinadas ao Brazilian-American Colonization Syndicate.
“Isso gerou uma forte reação e uma grande pressão na imprensa por parte de alguns setores. Porque achavam que a vinda de imigrantes negros era um problema, pois eles iriam trazer o ódio racial para o Brasil”, declara Cibele.
É que, em meio aos novos ideais de “desenvolvimento”, a nação brasileira travava um projeto de embranquecimento da população e, ao dar-se conta de que os novos habitantes pertenciam à comunidade negra norte-americana, o acordo foi quebrado entre os países.
“O bispo Aquino desfez a concessão, dizendo que seria um problema para a segurança nacional. Quer dizer: eles não entravam na questão especificamente racial e usavam o subterfúgio de que era uma questão ligada à segurança nacional, sem nenhuma razão plausível para isso, simplesmente pelo fato de serem negros”.
O bispo Aquino desfez a concessão, dizendo que seria um problema para a segurança nacional
Com a difusão dessas informações, os deputados Andrade Bezerra (Pernambuco) e Cincinato Braga (São Paulo) apresentaram à Câmara dos Deputados um projeto impedindo “a importação de indivíduos de raças negras”. O projeto não foi para frente, mas gerou debates e impactou a imigração no país.
“Não houve na lei, mas os imigrantes negros não conseguiam visto, por exemplo, não conseguiam concessão de terras. Outros mecanismos da administração pública se empenhavam a impedir que eles conseguissem, ao contrário dos europeus, que tinham vários apoios e financiamento para ocupar as terras. Há um tratamento bem desigual em relação aos imigrantes”.
“Essas tentativas mostram os limites de como o projeto de migração para o Brasil era também racial, de branqueamento”, finaliza a pesquisadora.