Médico: “cotonete” é vilão; causa microlesões e favorece infecção

Conhecidas popularmente como “cotonetes”, as hastes flexíveis são itens comuns nas casas dos brasileiros. No entanto, segundo o médico otorrinolaringologista Flávio Cabral, o uso pode ferir a região dos ouvidos e contribuir para o desenvolvimento de microrganismos causadores de infecções. Para o profissional, os cotonetes são vilões da saúde do ouvido.

 

“Com o atrito do algodão, a pele pode ficar descamando, como se fosse caspa, o que gera microlesões. Bactérias podem entrar e causar otite externa”, explicou.

 

Com o atrito do algodão, a pele pode ficar descamando, como se fosse caspa, o que gera microlesões

Além dos cotonetes, Flávio lista outros vilões para os otorrinolaringologistas no tratamento de patologias da garganta e do sistema respiratório. Entre eles está o uso de medicamentos vasoconstritores, que podem causar efeito rebote e ocasionar problemas cardiovasculares a longo prazo.

 

“O otorrinolaringologista abomina o uso de vasoconstritores. Eles causam vários problemas. O principal é que não tratam a causa do problema; apenas mascaram os sintomas.”

 

Em entrevista ao MídiaNews, Flávio Cabral explicou a importância de tratamentos preventivos para a região da garganta, nariz e ouvidos e abordou as consequências do uso frequente de fones de ouvido e a exposição a ruídos extremos.

 

Confira a entrevista (a íntegra está no vídeo ao final da matéria): 

 

MidiaNews – Cuiabá é uma cidade quente. Todo mundo tem ar condicionado no carro ou em casa. O uso frequente do ar condicionado pode acarretar e trazer algum problema respiratório?

 

Flávio Cabral – Estou em Cuiabá há 15 anos e a primeira coisa que eu comprei foi o ar-condicionado. É um item básico. O problema do ar-condicionado é que o ar que ele emite é um pouquinho mais seco do que o ar natural. A gente tem que ter algumas estratégias para minimizar esse problema. O mais comum é tomar água, lavar o nariz com soro fisiológico e usar um umidificador de ar.

 

  

MidiaNews – E quanto aos umidificadores de ar, quando e como usá-los? 

Flávio Cabral – O problema dos umidificadores é que, se você deixá-los ligados o tempo todo, eles podem causar umidade em móveis e roupas de cama, o que pode gerar fungos. Então, o mais correto é usar umidificadores com funcionamento intermitente.

 

Se não tiver aquele modelo digital, em que você ajusta a umidade do ar, o ideal é manter entre 50% e 60%. Uma hora de funcionamento, cerca de 3 horas antes de dormir, já melhora a umidade no seu quarto.

 

MidiaNews – Com sua experiência como otorrino, atuando principalmente aqui em Cuiabá, o senhor consegue perceber se as pessoas dão o devido cuidado para a saúde do sistema auditivo e respiratório?

Flávio Cabral – As pessoas só vão ao médico quando estão sentindo algo. É raro fazerem algum método preventivo. Não é o ideal. O ideal seria fazer consultas de rotina preventivas para sempre melhorar a qualidade de vida.

 

MidiaNews – E quando elas devem procurar um especialista?

Flávio Cabral – Se o paciente percebe que a sua qualidade de vida está sendo comprometida, é o momento de procurar o médico. Não precisa esperar chegar a um momento insuportável, como uma dor incapacitante. Se estiver atrapalhando um pouco o sono ou as atividades físicas, o otorrino já pode ajudar nessa questão.

 

MidiaNews – O que pode indicar que o paciente está com desvio de septo?

 

Flávio Cabral – O sintoma mais característico do desvio de septo é você sempre sentir um lado respirando melhor do que o outro. Essa diferença pode ser intermitente ou constante.

 

MidiaNews – Algumas pessoas podem confundir essa situação com o clima ou com um nariz entupido e acabam recorrendo a vasoconstritores. Há alguma contraindicação para esses medicamentos?

 

Flávio Cabral – O otorrino abomina o vasoconstritor. Tem vários problemas. O primeiro é que não trata a causa do problema; só mascara a questão. Em segundo lugar, cria um efeito rebote: o nariz dá uma emagrecida, murcha. Quando o efeito passa, ele incha. O nariz vai se acostumando a ficar mais entupido.

 

No final das contas, aquele paciente que é viciado no vasoconstritor geralmente acaba indo para a cirurgia, porque a gente acaba retirando pedaços das carninhas no nariz que estão mais inchadas. Ganha mais espaço com a cirurgia, mas, mesmo que o paciente faça a cirurgia e continue usando o Neosoro, o resultado da cirurgia não será bom.

 

 

 

 

 

MidiaNews – E essa utilização frequente pode levar a algum tipo de doença a longo prazo?

 

Flávio Cabral –  Sim. O vasoconstritor tem mais um problema: quanto mais se usa, ele aumenta a absorção sistêmica. E aí pode haver absorção no músculo do coração, o que pode desencadear arritmias, aumento da pressão arterial e, às vezes, como ele é um vasoconstritor, pode comprimir alguns vasos mais importantes do coração, aumentando o risco de problemas cardiológicos.

 

MidiaNews – E o que pode ocasionar o desvio de septo?

 

Flávio Cabral –  O desvio mais comum é no estirão, aquele adolescente de uns 14, 15 anos. A cartilagem do nariz cresce contra o osso no fundo do nariz e, aí, pelo crescimento ósseo contra a cartilagem, o desvio se cria. Pode ser causado também por traumas: o cara foi jogar futebol, tomou uma cotovelada, e o septo se desvia por trauma. Ou, às vezes, a criança, no canal de parto, fica com o narizinho comprimido e acaba crescendo já com esse desvio, desde o nascimento.

 

MidiaNews – Levando agora um pouquinho para o canal auditivo: infecções nas vias respiratórias podem também afetar o ouvido?

 

Flávio Cabral –  Sim, bastante. A gente tem um canal que comunica o nariz com o ouvido, chamado tuba auditiva. Sempre que há muito catarro ou secreção, ou, como eu comentei, se lavar o nariz com uma pressão acima do desejado, esse catarro pode ir para o ouvido e causar infecção.

 

MidiaNews – Por que algumas pessoas desenvolvem surdez e outras não?

 

Flávio Cabral –  A surdez pode ter várias causas. Pode ter fundo genético, porque a gente já tem alguns genes detectados que causam esse tipo de surdez. A exposição a barulho ajuda bastante.

 

Se você for um trabalhador exposto a altos ruídos, se você usar fone de ouvido num volume acima de 60, 80 decibéis e não tiver aquele período de descanso da audição, você estará expondo seu ouvido a traumas, e isso geralmente resulta em uma perda irreversível.

 

Há outras causas que são menos comuns, por exemplo, pacientes internados em UTI que tomam antibióticos, os chamados ototóxicos. Eles afetam a audição também de maneira irreversível.

 

 

 

MidiaNews – O senhor falou um pouco ali sobre os fones de ouvidos. Quais são os modelos mais indicados?

 

Flávio Cabral –  Tem algumas melhorias com a tecnologia. O fone de ouvido com fone externo é menos prejudicial do que o plug, e os que têm cancelamento de ruído são melhores, porque você consegue escutar com um volume menor. Geralmente, os mais modernos têm até um limitador de decibéis, e o limitador que a gente geralmente orienta é não passar nunca de 60 decibéis.

 

MidiaNews – Além da perda auditiva, a utilização de fones de ouvido pode causar algum outro problema, como por exemplo infecção?

 

Flávio Cabral –  Fones que estão mal ajustados ou que têm a capinha muito dura podem causar problemas. Se o ouvido já tem algum machucadinho, esse machucado pode servir como porta de entrada para bactérias.

 

MidiaNews – Quais são os primeiros sintomas de quem está começando a ter perda auditiva?

 

Flávio Cabral –  A surdez progressiva costuma ser observada mais na faixa etária acima dos 60 anos. Se você conhece alguém nessa faixa etária que está falhando na compreensão das conversas, isso é um sinal de que essa pessoa precisa procurar atendimento médico, fazer um teste de audição.

 

O que eu vou falar aqui não é para assustar, mas é mais para conscientizar: há vários estudos mostrando que, se você pegar um grupo de idosos com perda auditiva que não trata essa perda e outro que trata, o grupo que tratou terá quadros de demência e de déficit cognitivo menores do que aqueles que não trataram.

 

MidiaNews – Por que isso ocorre?

 

Flávio Cabral – Porque o nosso cérebro precisa sempre de estímulo. Se você tem uma baixa audição e não está estimulando aquele cérebro, automaticamente ele fica mais preguiçoso. E aí, como toda parte do corpo que não se exercita, ele atrofia.

  

MidiaNews – E em pessoas mais jovens, quais são os sintomas de perda de audição e o que pode levar a isso?

Flávio Cabral – O jovem geralmente vai estar relacionado com a perda auditiva por barulho. O sintoma mais comum seria o aparecimento de zumbido persistente. Esse pode ser um primeiro sinal de perda de audição.

 

MidiaNews – Sobre a higienização do ouvido: limpar demais com o cotonete pode trazer algum prejuízo?

Flávio Cabral – Outro vilão do otorrino se chama hastes flexíveis, o nome comercial cotonete. Por que ele faz o mal que faz? A pele do ouvido é muito fina. Com o atrito do algodão, ela vai ficar com a pele descamando, como se fosse uma caspa, e isso causa microlesões; bactérias podem entrar e causar otite externa.

Tem também o problema de empurrar a cera para o fundo. Se você fica tirando a cera, você deixa a pele mais desprotegida, e, ao empurrar a cera para o fundo, você tem o risco de causar uma rolha de cerume.

MidiaNews – E quais são suas dicas para higienizar o ouvido?

Flávio Cabral –  Eu limpo o ouvido com uma toalha, ou papel toalha, ou algum pano bem macio e absorvível.

 

MidiaNews – O senhor já falou sobre o que o otorrino abomina no ouvido e no nariz. Qual seria o vilão da garganta?

Flávio Cabral – O terceiro vilão que eu sempre falo é o cigarro. Então, se você falar assim: ‘Eu quero fugir do consultório de otorrino’, não fume nenhum tipo de cigarro, nem cigarro eletrônico, nem cigarro normal, nem cachimbo, nem charuto, nada. Porque a fumaça tem várias substâncias cancerígenas.

 

 

MidiaNews – Nós vemos com frequência a questão das amígdalas, as inflamações… O que são, quando tratar e quando é um caso cirúrgico?

Flávio Cabral –  A amígdala é um tecido linfóide, um tecido de defesa. Ela funciona muito bem no tratamento de amigdalites com o uso de antibióticos. Se você tem infecções de amígdala repetitivas, com o uso de antibióticos, temos alguns critérios bem clássicos para definir a cirurgia.

 

MidiaNews – É a frequência que vai indicar se o caso é cirúrgico ou não?

Flávio Cabral –  É a frequência: três infecções por ano durante três anos consecutivos, ou cinco infecções por ano em dois anos consecutivos, ou sete infecções em um único ano. O tamanho das amígdalas também é importante. Crianças e adultos que têm amígdalas muito grandes, que dificultam a passagem de ar e comprometem o espaço para respirar, nesses casos também indicamos a cirurgia devido ao tamanho.

 

 

Confia a entrevista completa 

 

 



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