Política cambial na Argentina transforma Brasil em “pechincha”

A política cambial de Javier Milei, que mantém o peso valorizado em termos relativos em relação a moedas como o dólar e o real, trouxe de volta às cidades brasileiras grandes contingentes de turistas argentinos neste verão.

 

Santa Catarina, tradicional refúgio dos argentinos de férias, é o principal beneficiário deste fenômeno até agora. A ocupação dos hotéis em fevereiro por turistas do país vizinho em algumas praias já é de 50/50 em relação aos visitantes brasileiros, como Canasvieiras, na ilha de Florianópolis, e a região de Bombinhas, no litoral norte do Estado.

 

“Tem havido crescimento desde dezembro. No réveillon deste ano, que é uma data onde os preços são mais altos e nos últimos anos a presença deles era pouca, o fluxo já tinha aumentado. É um movimento que a gente acredita que ainda vai se intensificar até o Carnaval”, disse Margot Rosenbrock, presidente da ABIH-SC (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis), ao UOL.

 

Rosenbrock, ela própria dona de dois hotéis em Balneário Camboriú, diz que o fenômeno ainda não faz sombra aos anos 1990, quando a paridade do peso com o dólar no governo de Carlos Menem produzia imagens de praias lotadas de argentinos no Brasil a cada verão. Mas, segundo ela, é uma presença significativamente maior do que nos últimos anos.

 

A percepção da hoteleira está em linha com os dados do próprio governo argentino, divulgados na semana passada: o consumo dos argentinos em dólares atingiu o maior nível desde 2018.

 

Em janeiro, os gastos com cartões de crédito em moeda estrangeira somaram US$ 645 milhões, segundo dados do Banco Central da Argentina reportados pela Bloomberg – o maior volume desde fevereiro de 2018. O valor não inclui transações feitas via débito ou carteiras digitais, meios de pagamento que ganharam popularidade nos últimos anos.

 

Por que o peso está mais forte?

 

Desde que assumiu o governo, em 2023, Milei, um político de direita que gosta de se autoproclamar libertário, deu início a um programa de controle dos gastos públicos, cortando subsídios estatais e reajustando tarifas de serviços públicos.

 

Na sua cartilha, Milei tem encolhido a influência estatal de áreas da vida econômica do país, desregulamentado setores inteiros. Antes, até a erva mate, base da bebida mais tradicional do país, era submetida a cotas de produção e preços mínimos tabelados pelo governo.

 

O programa tem derrubado a inflação, principal bandeira de sua campanha. Em janeiro de 2025, ela fechou em 2,2% ao mês, contra um pico mensal de quase 13% em 2023, durante o governo do antecessor peronista, Alberto Fernández. O índice de janeiro é o mais baixo desde julho de 2020, segundo o Indec, agência de estatísticas do país, similar ao IBGE brasileiro.

 

Por outro lado, há um custo social em seu programa de austeridade: no ano passado, a taxa da população na pobreza alcançou 52,9% (dado de setembro de 2024), ante 41,7% no governo Alberto Fernández (dado de setembro de 2023). A alta representa que 3,4 milhões de argentinos haviam caído na pobreza sob o governo Milei.

 

No caso do câmbio, o fenômeno de aumento do poder aquisitivo em dólar se deve a uma combinação da inflação elevada do país e a desvalorização do peso em um ritmo controlado pelo governo, de aproximadamente 1% ao mês.

 

Como o peso se desvaloriza mais devagar que a inflação do país, o consumo em dólares ficou relativamente mais barato para os argentinos. Gastar em dólar no Brasil, por tabela, virou pechincha.

 

Este é o pano de fundo da multidão de argentinos que apareceu em um vídeo esvaziando as prateleiras da Decathlon em Florianópolis, que se tornou viral. Comprar no Brasil ficou, em média, 50% mais barato do que na Argentina neste verão.

 

Procurada pelo UOL, a multinacional francesa afirmou que a filial de Florianópolis foi a que mais vendeu em janeiro entre as 1.750 lojas do grupo espalhadas em 78 países – um desempenho “histórico e inédito”, nas palavras de um porta-voz do grupo.

 

Segundo a empresa, 90% dos clientes eram do país vizinho.

 

A virada da balança

 

Se nos últimos anos, o peso desvalorizado favorecia turistas brasileiros a se comportarem como ricos nos restaurantes de Buenos Aires, agora o câmbio tornou as férias no Brasil mais baratas para os argentinos.

 

De acordo com o último dado disponível do Indec, um contingente de 1,3 milhão de argentinos viajou para o exterior em dezembro de 2024, uma explosão de 76% em relação a dezembro de 2023. No mesmo período, o número de estrangeiros visitando a Argentina somou 951 mil, um tombo de 25% em relação ao ano anterior.

 

O Brasil é o principal destino do aumento expressivo dos gastos dos argentinos no exterior, seguido pelo Uruguai e Chile, segundo o órgão de estatísticas da Argentina.

 

O peso forte produziu um rombo na balança de turismo: em 2024, o país perdeu cerca de US$ 2,1 bilhões devido ao saldo negativo entre os gastos de argentinos no exterior e as despesas de estrangeiros no país.



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