Lula faz promessas ao MST e reforça aceno à esquerda sob crise
O presidente Lula (PT) fez nesta sexta (7) sua primeira visita a um assentamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) em seu terceiro mandato e reforçou acenos à esquerda, com promessas ao grupo historicamente ligado ao mandatário e que andava insatisfeito com a lentidão de ações federais.
Em um momento do governo sob crise de popularidade e críticas na base aliada diante da reforma ministerial em andamento, Lula anunciou novos lotes de assentamentos para trabalhadores rurais e pediu ao advogado-geral da União, Jorge Messias, para dar suporte jurídico às medidas anunciadas, como decretos de desapropriações.
“Todo mundo sabe que tenho um lado. Quem são meus amigos? São vocês. Nunca esqueço quem são. Sei quem é amigo de verdade e quem é amigo ocasional, apenas porque sou presidente”, afirmou Lula a apoiadores do MST.
O evento começou por volta das 12h no Acampamento Quilombo Campo Grande, onde vivem famílias do MST desde o final da década de 1990, no município de Campo do Meio, no sul de Minas Gerais. No local, funcionava a Usina Ariadnópolis.
O presidente fez acenos à esquerda nas últimas semanas, incluindo a escolha da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para comandar a pasta da articulação política de seu governo. O deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) também passou a ser cotado para a Secretaria-Geral da Presidência, enquanto outros partidos da base ligados ao centrão, como PP e União Brasil, criticam os movimentos.
Pesquisa Datafolha divulgada no mês passado apontou que a aprovação de Lula desabou em dois meses, de 35% para 24%, chegando a um patamar inédito para o petista em suas três passagens pelo Palácio do Planalto. A reprovação também é recorde, passando de 34% a 41%.
Nesta sexta, Lula afirmou que encontrou um país destruído e que “arrumar a casa destruída é mais difícil do que levantar uma casa nova”. Mas prometeu cumprir as promessas de campanha e disse que neste ano “não tem explicação, não tem choradeira, temos que entregar”.
“O ano de 2025 é o ano que nós vamos colher tudo que preparamos nos dois primeiros anos. Temos que entregar o que prometemos na campanha. Quero terminar meu mandato com a moral elevada com vocês. Devo minha eleição ao povo. É para vocês que eu devo governar”, disse.
Ao discursar antes de Lula, Messias afirmou ao lado dos apoiadores do MST que estava no local para levar um recado a pedido do presidente. Citou a titulação de terras e prometeu novo apoio jurídico, mas sem detalhar de que tipo nem citar as invasões de terra lideradas pelo movimento.
“Mexeu com vocês, mexeu com a gente agora. Qualquer demanda na Justiça que tiver com vocês agora, quem vai estar ao lado de vocês lutando na Justiça somos nós da Advocacia-Geral da União, a pedido do presidente Lula. Vocês não estarão mais sozinhos”, afirmou.
Questionada, a AGU disse que o ministro se referia a “atos anunciados na cerimônia”.
Pela manhã, ônibus com trabalhadores rurais chegavam de estados como São Paulo e Bahia, com camisetas e bonés do movimento -alguns também usavam boinas de Cuba e carregavam bandeiras da Palestina.
Lula começou a discursar por volta das 14h, quando parte do público que acompanhava o evento no sol já tinha deixado o local, e pediu desculpas pela demora.
O presidente aproveitou para retomar críticas ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao bilionário Elon Musk, dono do X (ex-Twitter), sem citar os nomes deles.
“Se diz inocente mas está pedindo anistia antes de ser julgado. Ele na verdade está com medo”, afirmou Lula. “Ele foi covarde, tramou um golpe, tramou a morte do presidente. E quando não conseguiu, enfiou o rabo entre as pernas e foi para Miami”, continuou ele, acrescentando que o ex-mandatário é “uma fábrica de mentiras”.
Em seguida, Lula fez menção a Musk. “Tem até um dono de uma empresa americana, que é dono de uma dessas empresas muito forte aí, que divulga essas notícias na internet, que ele não quer nem respeitar governo, não quer respeitar Justiça. Ele acha que ele pode tudo. Ele pode tudo no país dele. Aqui no Brasil ele vai ter que respeitar o povo brasileiro”, afirmou o presidente.
A viagem a Campo do Meio, a 335 km de Belo Horizonte, é considerada um gesto de aproximação do presidente com o MST após uma série de desavenças entre seus líderes com representantes do governo.
Durante seu discurso, o ministro do MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário), Paulo Teixeira (PT), agradeceu o MST. “Quando vocês pressionam o nosso governo, vocês ajudam nosso governo”, disse.
A cerimônia desta sexta aconteceu na escola Eduardo Galeano, reconstruída após ser demolida em 2020, em meio a confrontos do MST com a Polícia Militar pela reintegração de posse no acampamento Quilombo Campo Grande.
“O ato no local onde existe talvez o maior conflito pela terra no país representa a retomada da reforma agrária por parte do Estado brasileiro. Isso nos coloca de novo numa relação harmoniosa com o governo, mas o MST tem sua autonomia”, afirmou Silvio Netto à reportagem, dirigente do MST em Minas.
O governo federal anunciou uma lista com 12.297 novos lotes para famílias de agricultores sem-terra. Os terrenos estão localizados em 138 assentamentos em 24 estados. Eles somam 385 mil hectares de terra.
Segundo o MDA, o ato desta sexta também marca a retomada dos decretos de desapropriação por interesse social para reforma agrária.
São sete decretos, somando 13.307 hectares, incluindo a área em que acontece o ato desta sexta.
O Complexo Ariadnópolis era parte da massa falida da Usina Ariadnópolis Açúcar e Álcool S/A, que deixou de funcionar em 1996, deixando dívidas com a União e com seus funcionários. Na sequência, acampamentos foram levantados no local, formando o Quilombo Campo Grande.
Desde então, a massa falida da empresa já tentou 11 reintegrações de posse -a última delas ocorreu durante a pandemia da Covid-19, quando foi destruída a Escola Popular de Agroecologia Eduardo Galeano.
Segundo o MDA, cada uma das 459 famílias do Quilombo Campo Grande tem, em média, 8 hectares de terra. Juntas, elas produzem e comercializam mais de 160 alimentos, como mandioca, feijão, hortaliças, milho e café.
As desapropriações previstas nos sete decretos devem beneficiar 800 famílias. Decretos semelhantes não são assinados desde 2019, segundo o MDA.