OAB é condenada a indenizar em R$ 82 mil juiz de Barra do Garças

A juíza Vanessa Curti Perenha Gasques, da 2ª Vara Federal em Mato Grosso, condenou a Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso (OAB-MT) a indenizar, em R$ 82,5 mil, o juiz Wagner Plaza Machado Júnior, da 3ª Vara Cível de Barra do Garças (508 km de Cuiabá), por danos morais.

A decisão é da última quinta-feira (15). Além da indenização, a seccional deverá emitir um pedido de desculpas ao magistrado, a ser publicado no Diário da Justiça e no site da OAB-MT.

A condenação foi motivada pelos “exagero”, “preconceito velado” de sexualidade e uso de palavreado “chulo, baixo e desregrado” durante desagravo público realizado pela OAB-MT na Comarca de Juara, em 2011, local onde o magistrado atuava.

Segundo o juiz, durante o desagravo a OAB teria feito ofensas e insinuações sobre a conduta profissional e vida íntima dele, “que acabaram sendo amplamente divulgadas pela imprensa nacional, bem como em websites voltados à temática jurídica, o que teria lhe trazido enormes prejuízos de ordem moral e emocional”.

O desagravo teve como objeto a reclamação da advogada Roseli de Maceda, que relatou ter recebido voz de prisão do juiz durante uma audiência, após ter discutido com ele.

Já Wagner Plaza negou ter dado voz de prisão e contou que apenas pediu a um policial militar para acompanhar a lavratura de um Boletim de Ocorrência contra a advogada, por desacato.

Wagner Plaza relatou que o pedido de providências da advogada junto à Corregedoria Geral da Justiça foi arquivado, por unanimidade, pelo Pleno do Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJ-MT), “em razão da inexistência de fatos acusatórios”.

Ele também acusou a OAB-MT de ter aprovado o desagravo sem sequer tê-lo ouvido, impossibilitando o contraditório e a ampla defesa.

Por sua vez, a OAB defendeu a legalidade do ato de desagravo e reforçou que o próprio TJ-MT trancou a ação penal contra a advogada por constatar que não houve desacato.

Ofensas e preconceito

Em sua decisão, a juíza Vanessa Gasques admitiu que a OAB tem o direito de realizar desagravos em favor de seus membros, mas ponderou que este tipo de ato não pode ser usado para o cometimento de excessos contra o juiz.

Ela citou a íntegra do discurso feito pelo, à época, presidente do Tribunal de Defesa das Prerrogativas (TDP), João Batista Cavalcante da Silva.

“Os erros e as papagaiadas desse juiz começaram lá. E lá naquela oportunidade, depois de inúmeros estapafúrdios atos dele, acabou colocando uma advogada de Primavera que era filha do presidente da OAB, nosso colega João Lima, pra fora do cartório cível, às 3 horas da tarde no horário de expediente alegando que ia ter uma reunião com os servidores”, diz trecho do discurso.

“Ele furtou-se daquele desagravo porque foi transferido urgentemente depois que voltou das férias para a Comarca de Ribeirão Cascalheira. E lá, continuaram os abusos, o desrespeito à classe e foi novamente transferido para Alto Taquari, respondendo pela 1ª Vara Cível de Alto Araguaia. E mais uma vez os colegas advogados continuaram reclamando da postura deste magistrado lá, por abuso, por desrespeito às testemunhas, por desrespeito aos servidores, por não respeitar ninguém. Por ter uma prática de vida que fere os interesses maiores e a moral das nossas famílias. E novamente foi transferido para Juara e lamentavelmente acaba prendendo novamente uma advogada aqui nesta comarca. (…) E nós lamentamos que ainda existam juízes dessa natureza”, consta outro trecho.

“Vamos encaminhar tudo o que tiver direito à Corregedoria de Justiça do Estado de Mato Grosso, vamos entrar com as Ações Cíveis de Indenização. Vamos dar o troco a ele que entrou contra Ação de Indenização contra a OAB e vamos mostrar de qual lado está a verdade”, disse o então presidente do TDP.

Para a magistrada, os trechos do discurso deixam claro que o ato de desagravo foi, na verdade, um ato “desproporcional, desrespeitoso, abusivo e vexatório” totalmente desvinculado dos fatos que originaram o ato.

Vanessa Gasques entendeu que a fala “uma prática de vida que fere os interesses maiores e a moral das nossas famílias” foi preconceituosa e se referiu à orientação sexual do magistrado.

“As declarações das testemunhas comprovam que o ato público, transvestido pelo manto da legalidade e da legitimidade, e que deveria ter por fim a defesa das prerrogativas de um membro da classe, foi, na verdade, motivado por preconceito velado decorrente da orientação sexual do autor, objetivando a ofensa moral do magistrado desagravado”, pontuou.

O “preconceito velado” no desagravo foi reforçado pelos depoimentos da gestora do fórum, Luciana Tolovi, e do então presidente da Associação Mato-grossense dos Magistrados, Agamenon Alcântara, o que levou a juíza a condenar a seccional pelos danos morais causados.

“O ato público protagonizado pela OAB-MT,ao invés de defender as prerrogativas de um membro da classe, o que seria plenamente justificável, teve por objetivo a ofensa moral do desagravado, motivado pelo preconceito velado, em razão da orientação sexual do autor, consistindo em ato discriminatório, ofensivo e inadmissível quando praticado por qualquer pessoa da sociedade, quanto mais pela OAB, instituição que tem por finalidade não apenas promover a defesa e a disciplina dos advogados, mas, antes e acima de tudo, defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos e a justiça social”, criticou a juíza.

Cabe recurso da decisão.

Entenda o caso

A polêmica foi iniciada durante audiência presidida pelo juiz Wagner Plaza, no Fórum de Juara, em 26 de julho de 2010. Em determinado momento, a advogada Roseli de Macedo questionou pontos da decisão do magistrado, que contra-argumentou.

No calor do debate, a advogada teria sussurrado que “aqui em Mato Grosso a Justiça é diferente”. O juiz pediu então que a advogada repetisse a fala e ela repetiu. Sentindo-se ofendido, o magistrado chamou um policial militar para lavrar Boletim de Ocorrência contra a advogada por desacato.

Ao continuar a prolatar a sentença, conforme o juiz, a advogada ainda teria dito que “eu já sabia que a sentença estava pronta quando eu vi a cara dele”. Neste momento, o juiz teria informado o capitão da Polícia Militar sobre a suposta repetição do desacato e saído da audiência até que os ânimos acalmassem.

Já a OAB-MT apresentou outra versão: a de que o juiz teria dado voz de prisão à advogada de maneira arbitrária, o que configuraria abuso de poder.

O juiz teve a reclamação contra ele arquivada pelo Tribunal de Justiça e, em 2012, a advogada também conseguiu junto ao tribunal o trancamento do inquérito que a investigava por desacato contra o juiz.

Os desembargadores entenderam que a simples insinuação e crítica de que a Justiça de um Estado é diferente da Justiça de outro Estado não configura desacato ou ofensa à honra. (Assessoria)