Presos fingem ser médicos, ligam e pedem dinheiro para exames
Do G1 MT
A polícia do Rio identificou uma quadrilha que aplicava um golpe em pessoas que têm parentes hospitalizados e em estado grave. Usando um telefone celular, presos fingiam ser médicos e se aproveitavam do desespero e da fragilidade dessas famílias.
Os avisos nos hospitais são o alerta de um golpe cruel.
Golpista: Aqui quem fala contigo é o doutor Marcelo Arantes, médico e diretor clínico aqui do hospital. Tudo bem?
Vítima: Sim.
Golpista: Eu venho através dessa ligação não para repassar uma boa notícia para vocês familiares.
Vítima: Não! Espera, espera que eu tô chegando aí.
Golpista: Ele não faleceu, calma, mantenha a calma, que eu preciso da senhora calma nesse momento.
O golpista diz que o paciente piorou e precisa de exames com urgência.
Vítima: Pode fazer. Pode fazer, doutor. O mais rápido possível, pelo amor de Deus.
Golpista: Mantenha a calma, por favor. As sete tomografias, incluindo os antibióticos que o paciente vai fazer uso após as tomografias “ficou” no valor de R$ 9.800.
Vítima: Pode fazer.
Golpista: Pode fazer, né.
Vítima: Mas vocês só fazem o procedimento depois de ter efetuado o pagamento?
Golpista: Olha, infelizmente sim
O falso médico pede um depósito.
Golpista: Vá pra agência bancária e, chegando lá, eu repasso a conta, o senhor efetua o pagamento e venha pro hospital pra gente dar início.
Vítima: Eu não tenho R$ 9 mil na minha conta assim.
Golpista: Qual o valor que o senhor tem de imediato?
Vítima: Eu não sei. Eu não sei, meu amigo.
O discurso é sempre o mesmo, com palavras complicadas.
Golpista: Nós vamos ter que submeter o paciente ainda agora, com extrema urgência, a sete tomografias computadorizadas LKF 3D de última geração. Se não realizar as tomografias ainda agora o paciente pode “vim” a óbito.
Os erros de português chamam a atenção.
Golpista: É uma hemorragia ainda não generalizada, situada próximo “a pâncreas” e ao fígado. O hospital hoje, no imediato, ele não disponibiliza do “amparato” pra estar cobrindo e realizando no ato do imediato como o paciente necessita. Se no decorrer desse prazo esta hemorragia venha a se alastrar ou se “explandir” pelo corpo do paciente, pode ser que venha a ocasionar até uma “multiplica” falência de órgãos.
Algumas vítimas desconfiam.
Vítima: O senhor deve ter me mandado algum dado errado. A conta tá em nome de pessoa física.
Golpista: Isso, mas é da pessoa física. É da doutora Natasha costa.
E quando os parentes percebem que pode ser um golpe, os bandidos ameaçam.
Vítima: Me dá o nome do senhor e a procedência, faça o favor?
Golpista: O senhor tome as providências do senhor, e assim que o senhor “vim” ao hospital, eu te entrego pessoalmente o atestado de óbito dela.
Para conseguir as informações dos pacientes, os bandidos enganavam os funcionários dos hospitais.
Golpista: É o doutor marcos, minha querida, tudo bom? Confirma pra mim o paciente que se encontra aqui no primeiro leito conosco, na unidade, minha querida, da UTI.
Atendente: Da cardio?
Golpista: Sim, sim.
Atendente: Doutor, eu não tenho autorização pra “mim” ficar passando o nome dos pacientes, não.
Golpista: O nosso sistema aqui está dando falha, está… Pra falar a verdade, eu não tô conseguindo nem prescrever, minha querida.
Atendente: Pois é, mas eu não posso passar esse tipo de informação.
Golpista: Não, mas só confirma pra mim o número do pronto-atendimento dela, minha querida. Você já vai tá me ajudando bastante.
Atendente: A última informação é a que eu posso passar pro senhor.
A investigação foi feita pela polícia do Rio de Janeiro porque a maioria das vítimas é da cidade.
A escuta policial durou cinco meses, e mostrou que os criminosos agiam em todo o Brasil, com chips de telefone de vários estados. Mas a quadrilha estava num único lugar: são quatro presos de uma cela da Penitenciária Mata Grande, em Rondonópolis, Mato Grosso.
Eles fizeram mais de 90 mil ligações. Fora da cadeia, comparsas sacavam o dinheiro nas agências bancárias. O bando faturava até R$ 200 mil por mês com o golpe.
Golpista: Fica na ativa aí, que na hora que ela falar que “tá na mão, doutor”, nós “liga” pra você.
Golpista: Falou, então.
Golpista: Então fica na ativa aí, que nós “vai” ganhar um dinheiro agorinha.
Golpista: Ô, Catatau, tem R$ 6 mil, vai lá sacar.
Golpista: “Demorô”.
Os golpistas debochavam.
Golpista: Tem gente burra demais.
Golpista: Não é que o povo é burro, é que “nós” conversa bem demais.
A delegacia de Copacabana monitorou caixas eletrônicos e prendeu quatro pessoas em Rondonópolis. Elas captavam contas usadas no golpe, sacavam o dinheiro e enviavam para a cadeia.
Nesta quinta-feira (27) os policiais entraram no presídio e apreenderam cinco celulares. Eles também encontraram o texto que os golpistas repetiam para cada vítima: “Bom dia, doutor Marcelo, aqui é do hospital tal”.
Os presos, que cumpriam pena por roubo à mão armada, agora vão responder também por estelionato e formação de quadrilha.
Uma vítima conseguiu recuperar o dinheiro.
“A gente tá envolvido emocionalmente na situação, e você só pensa em ajudar mesmo a pessoa que você ama, né? Você acaba se sentido culpada e envergonhada de ter sido roubada. Na verdade isso é errado, né? A culpa é do bandido, ele que é o culpado da situação”.
“Eu sempre vou aconselhar que todas as pessoas chequem pessoalmente ou ligando para o hospital. Confirme aquela informação antes de aceitar depositar qualquer tipo de quantia em dinheiro”, orienta o delegado Gabriel Ferrando.
Golpista: Eu vou necessitar, meu querido, de correr contra o tempo agora, nesse momento, pra tá revertendo todo o quadro clínico da dona Ofélia. E vou necessitar da ajuda da família, ok?
Vítima: Pois é, doutor. Deixa eu te perguntar, reverter o quadro clínico dela como, se ela já morreu? Minha mãe faleceu.
A Secretaria de Justiça e Direitos Humanos de Mato Grosso informou que, no primeiro semestre, apreendeu 300 celulares na Penitenciária da Mata Grande, e que está investindo R$ 2,5 na compra de um equipamento que bloqueie os celulares.