Vereadora do PT: “Temo pela minha integridade; me sinto exposta”

As imagens da vereadora petista Graciele Marques sendo hostilizada, durante uma sessão na Câmara e Sinop, ganharam repercussão nacional nesta semana. Vítima de uma fake news, segundo a qual ela iria apresentar um projeto para a acabar com as manifestações anti-Lula na cidade, ela foi xingada e ameaçada.

 

O presidente estadual do PT, o deputado Valdir Barranco, pediu proteção da Polícia Militar para a parlamentar até o término desse ano legislativo.

  

Em entrevista ao MidiaNews, a vereadora relembrou sua trajetória política e contou como é ser a única mulher vereadora de esquerda e petista no Município considerado bolsonarista. “Temo pela minha integridade”, diz.

 

Em Sinop, o presidente Jair Bolsonaro (PL) foi o candidato mais votado para a Presidência da República. No 2º turno das eleições, ele recebeu 65.216 votos, o equivalente a 76,95%. Já Lula (PT) foi a escolha de 23,05% dos eleitores e recebeu 19.540 votos.

 

Confira trechos da entrevista:

 

MidiaNews: Como é ser vereadora do PT em uma cidade como Sinop, onde o presidente Bolsonaro tem forte apoio?

 

Professora Graciele – É uma missão um tanto difícil porque nós temos um grupo muito grande de pessoas que não concordam nem aceitam as causas que defendemos, como a defesa da diversidade e do meio-ambiente, da educação pública de qualidade, da não privatização da educação e saúde. São pautas que defendemos e que são rechaçadas por esse pessoal que tem o perfil político de Bolsonaro e, principalmente, os seguidores dele. E toda essa postura de Bolsonaro de ser violento, de ser agressivo, inclusive com a imprensa e as mulheres, é uma postura que é reproduzida aqui. Por isso, é difícil lidar com a violência dessas pessoas, com a naturalização dessa violência, com o xingamento das pessoas e ameaças, como a gente já recebeu em vários momentos aqui.

 

MidiaNews – O que motivou toda a ira contra a senhora na sessão da última segunda-feira?

 

Professora Graciele – A motivação das pessoas estarem contra mim na segunda-feira (28) foi uma fake news de que eu entraria com um projeto [de Lei] para tirar os manifestantes dos locais onde eles estão, nas redondezas do Pátio Municipal. Eles, com base nessa mentira, se organizaram para vir me atacar, mas são pessoas que já me atacam nas redes sociais simplesmente por eu ser mulher, de esquerda e defender o presidente Lula.

 

MidiaNews – Teme pela sua integridade física?

 

Professora Graciele – Temo pela integridade física, sim. A gente tem muita dificuldade de garantir uma segurança aqui na sessão. Nós pedimos uma coisa que é simples de ser colocada na Câmara de Vereadores, que é a detecção de metais na entrada da sala da sessão, e ela não foi atendida. Nós poderíamos ter algo muito delicado, porque temos vistos nas manifestações onde essas pessoas estão, que elas vão para a violência fisíca, tanto que já tivemos vários registros. Tem pessoas que vão até armadas. Então era uma medida que era necessária [de pessoas que poderiam entrar armadas], e isso não foi feito. É o tempo todo. Quando eu vou aos lugares, eu me sinto exposta.

 

MidiaNews – Tem recebido algum apoio de entidades aí de Sinop depois das ameaças?

 

Professora Graciele – Tenho recebido apoio de várias instituições, sindicatos, movimentos sociais organizados através de notas, ligações e manifestações nas redes sociais. Esse apoio político para nós é muito importante. As instituições de segurança tem limitações. Foi dito a nós que a Polícia não tem estrutura suficiente para fazer a segurança. Então, nesse sentido, a gente não consegue muito apoio, mas dos demais, sim. Inclusive fora do município e do Estado. Isso nos surpreendeu positivamente.

 

MidiaNews – A senhora já sofreu outros tipos de hostilidade na cidade? 

 

Professora Graciele – Já sofri outros tipos de hostilidade aqui. Em uma das ocasiões, inclusive, houve ameaça contra a minha vida por conta de instalações de outdoors evidenciando a política do governo Bolsonaro com a população, bem no início do meu mandato. Mas tivemos várias situações. Uma audiência pública que fizemos para discutir uma PEC, os manifestantes vieram em peso para cima de mim para me atacar, porque foi falado da forma de colonização daqui do Município. No contexto da discussão, foi falado isso e eles se sentiram ofendidos. Toda vez que eu faço defesa de pauta de combate ao racismo, de defesa da população LGBTQIA+, contra a ideologia de gênero, que é outra ideia fantasiosa que eles criam e que não existe, orçamento público, do combate da violência contra a mulher… São pautas que incomodam bastante eles. E são falas muito hostis, porque como eles não têm argumentos para se defenderem, muitas vezes [e isso parte dos próprios vereadores] eles fazem falas muito ruins e ofensas em relação a mim.

 

MidiaNews – Este tipo de hostilidade de alguma maneira deixa a senhora desmotivada para seguir na política?

 

Professora Graciele – É claro que em alguns momentos a gente fica pensando se vale a pena continuar nessa posição. Pessoalmente, o preço é muito alto. Então, o que eu concluo é que pessoalmente não vale a pena estar na posição que eu estou em um município, região tão conservadora. Mas, coletivamente, é necessário. Nós temos aí um processo histórico de muitas pessoas que ocuparam espaços difícieis de se manter e de existir nesses espaços, mas essas pessoas persistiram, e muitos direitos nossos hoje, enquanto classe trabalhadora, usufrui da luta dessas pessoas.

 

Então, eu não me sinto no direito de desistir. Ao mesmo tempo em que eu penso em desistir em alguns momentos, eu também me sinto motivada, porque quando vêm esses ataques, também vêm as manifestações de apoio. Então nós percebemos que muitas pessoas aqui se sentem representadas, se sentem sufocadas no seu dia a dia por não poderem se manifestar e elas veem no meu mandato uma possibilidade de dar voz ao que elas pensam, também. Isso, certamente, não tem preço.

 

MidiaNews – Como tem visto as manifestações contra a eleição do ex-presidente Lula?

 

Professora Graciele – São péssimas. Para mim, Mato Grosso está passando vergonha nacional com isso, porque trata-se de uma eleição democrática. Em 2018 nós perdemos e a nossa postura foi aceitar o resultado das urnas, mesmo muito tristes e preocupados com o país. Já as manifestações de hoje vão contra a democracia. Elas são, na minha avaliação, criminosas. Nós precisamos descobrir qual vai ser a saída para fazer com que Mato Grosso deixe de ter essa postura.

 

Sabemos que existe hoje manifestações ainda pelo País, mas elas são muito tímidas em relação ao que está acontecendo em Mato Grosso. Temos além dos atos que impedem o direito de ir e vir, que prejudicam a liberdade dos comerciantes, porque os próprios empresários estão sendo atacados quando não fecham suas empresas no momento que o movimento solicita, começou um processo de violência. Já tivemos agressão física, depredação de patrimônio, fogo em caminhões, jogar a carga de alguns caminhões na estrada, pessoas que foram identificadas armadas, que era um risco muito grande.

 

É surreal e inaceitável o que está acontecendo. E eu lamento profundamente que as autoridades que deveriam fazer de fato que isso termine, não estejam cumprindo o seu papel. Eu temo que nós teremos notícias ainda piores nos próximos dias se não forem tomadas as providências necessárias para conter essas manifestações antidemocráticas.

 

MidiaNews – Fale um pouco de sua trajetória política. Como a senhora entrou na política?

 

Professora Graciele – Sou da periferia de Sinop. Sou de família pobre, minha família morava de aluguel, então a gente mudou muito. Eu conheci muitas mazelas aqui do Município e isso sempre fez de mim uma pessoa meio indignada com a realidade social. Por conta disso, me envolvi sempre com os movimentos sociais, estudantil e sindical. Cresci aqui em Sinop. Minha família veio do Paraná e, quando cheguei aqui, tinha três anos de idade. Não tinha o objetivo de ocupar um espaço eletivo, mas em 2019 tivemos uma greve da Educação, que é a minha principal bandeira, e nós falávamos da necessidade de termos alguém aqui na Câmara dos Vereadores que apoiasse a pauta e que precisávamos colocar alguém a disposição. Então, nas conversas, acabou surgindo o meu nome para ser candidata.

 

Eu não acreditava que me elegeria numa primeira votação, mas aceitei o desafio. Já tinha fugido desse desafio uma outra vez, quando ainda estava no movimento estudantil, justamente porque não era meu objetivo a princípio. Dessa vez eu aceitei e, para minha surpresa, nós tivemos a 8ª colocação em número de votos: 1.122 votos, em um cenário aonde gastamos de R$ 12 mil a 17 mil, em relação à pessoa que ficou em 1º lugar, que gastou R$ 90 mil declarado e que fez 1.600 votos. Foi isso também que nos deu um estalo e vimos que tem público que quer ser representado e que não está tendo opção de perfil de candidatura mais progressista para votar. 

 

MidiaNews – No segundo turno, Lula teve apenas 23% dos votos em Sinop. Como foi fazer campanha para Lula ai na cidade?

 

Professora Graciele: Sentimos muito medo. Já tivemos situação de manifestação aqui que nós fomos para as ruas, onde as pessoas foram atacadas com garrafas apenas por serem de esquerda, e isso antes das eleições. Então estávamos com medo das eleições em si porque estávamos vendo pelo país afora, e aqui no Estado também, casos de assassinatos e muita violência física e verbal. Então tivemos muito medo. Mesmo assim, entendemos que precisava ser feita alguma coisa, porque tem uma parte da população que queria se sentir representada. Por isso, mesmo sentindo medo, e precisava chegar nas pessoas a candidatura [do Lula].

 

Então, a gente pegou o carro de som e foi pra rua distribuir material na periferia em vários momentos. No primeiro turno, que tinha a minha candidatura como deputada estadual, já tinha que ir para as ruas mesmo. Então a gente casou isso com a campanha de Lula. E tivemos várias ofensas, tivemos situação que tentaram barrar a carreata colocando um carro no meio. Enfim, mesmo com medo, conseguimos fazer uma campanha aqui em Sinop.

 

MidiaNews – Na opinião da senhora, por que o agro de Mato Grosso tem tanta rejeição a Lula?

 

Professora Graciele – Nós tivemos aqui no Estado algumas situações que favoreceram os grandes produtores, que é a postura de pouca cautela em relação ao desmatamento, de permitir, de certa forma, o desmatamento, a redução de multas, que faz com que esses produtores se sintam confortáveis, já que favorecem eles em muitas medidas. E uma oposição muito grande aos movimentos sociais, aos MSTs, aos indígenas, e isso atrai esses grandes produtores.

 

Eles vêm no presidente Lula a defesa de tudo isso, fazendo com que, de certa forma, eles se sintam ameaçados. Sem contar a oposição de Lula ao acesso muito facilitado à arma de fogo, isso pesa também. Mato Grosso foi um dos estados que mais facilitou novos portes de arma e é cultura muito forte por aqui.

 

 



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