Lula reconhece que filtro ideológico atrasa nomeações

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse a aliados que o filtro ideológico aplicado a indicados para cargos impõe atrasos à montagem do segundo escalão do governo.

Em conversas, o presidente reconheceu que, além da avaliação de currículos, o governo se debruça sobre a análise de manifestações políticas em redes sociais para evitar que bolsonaristas ocupem funções estratégicas em áreas sensíveis da administração.

Interlocutores do presidente afirmam não haver restrições a quem trabalhou no governo Jair Bolsonaro (PL), mas veto a indicados que tenham questionado, por exemplo, a legitimidade das eleições.

Na prática, o crivo ideológico do PT já vetou pessoas que defenderam a Operação Lava Jato, o ex-juiz Sergio Moro e a prisão de Lula.

Embora formalmente neguem essa triagem preliminar, assessores palacianos explicam reservadamente que essa pesquisa tem sido feita em duas etapas. Depois de submetidos à avaliação da SRI (Secretaria de Relações Institucionais), os nomes apresentados pelos ministros são lançados em um sistema da Casa Civil, onde são analisados tecnicamente.

Lá são pesquisados, por exemplo, os vínculos empresariais e antecedentes criminais dos candidatos a cargos.

As etapas para realizar as nomeações já causaram atraso no cronograma do governo. A previsão inicial era a de que nos últimos dias fossem anunciados os nomes dos secretários e assessores da cúpula dos ministérios.

Nem todos os ministérios, porém, têm esses cargos definidos. Para esta semana, a previsão é que sejam nomeados os diretores.

Pedindo para não ser identificado, um integrante do governo tenta diferenciar esse processo da rigorosa filtragem ideológica aplicada pela gestão Bolsonaro.

Segundo ele, quando o nome de um simpatizante de Bolsonaro vem à tona, logo é alvo de uma enxurrada de denúncias de militantes de movimentos sociais e de apoiadores de outros candidatos ao mesmo cargo.

Nesse caso, diz, o governo avalia a procedência das denúncias, alertando os ministérios de origem para o risco de problemas futuros.

Outro integrante do governo afirma que a indicação de nomes atrelados ao bolsonarismo se dá, especialmente, em ministérios encabeçados por partidos de centro recém-aliados ao governo, como é o caso da União Brasil, do PSD e até mesmo do MDB.

Na opinião de integrantes da gestão Lula, essa dificuldade para as nomeações é fruto da disputa ideológica que marca o país. A máquina administrativa não tem como ficar imune a essa divisão política, dizem.

A Secretaria de Imprensa da Presidência enviou nota após a publicação da reportagem afirmando que Lula não teve conversa com esse conteúdo, “nem no singular nem no plural” e que o jornal não checou os dados antes de publicar.

A informação, porém, foi relatada à Folha de S.Paulo em duas conversas gravadas, com autorização dos entrevistados, além de a filtragem ter sido confirmada por outros interlocutores do presidente.

Lula já admitiu publicamente que a estrutura governamental está cheia de bolsonaristas. Um ministro afirma ter exonerado cerca de 150 funcionários, sendo uma parcela com base em manifestações golpistas em redes sociais.

Além dessa análise dentro do Palácio do Planalto, os próprios ministérios fazem avaliação prévia de currículos, a exemplo do que aconteceu no Ministério da Saúde.

Depois de anunciada pela ministra Nísia Trindade, foi revista a indicação da servidora Ana Goretti para o Departamento de Imunização e Doenças Imunopreveníveis do Ministério da Saúde. A razão foram antigas publicações nas redes sociais em que ela elogiava a Lava Jato e o ex-juiz Sergio Moro, eleito senador pela União Brasil.

Servidores de pastas do governo relatam receio pelo filtro ideológico usado pela gestão Lula para realizar as nomeações. Eles dizem que isso pode prejudicar quadros técnicos.
Além do caso de Goretti, algumas indicações já foram revistas em razão de mensagens nas redes sociais.

O primeiro caso foi o do policial rodoviário Edmar Camata. Ele havia sido indicado para o comando da PRF (Polícia Rodoviária Federal).

O ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), divulgou o cancelamento da designação 24 horas após ter anunciado o nome de Camata.

“Tivemos uma polêmica nas últimas horas e o entendimento dele e da nossa equipe é que seria mais adequado proceder a essa substituição”, disse Dino.

Como mostrou a coluna da Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo, o servidor foi no passado um entusiasta da Lava Jato e da atuação de Moro. Camata também usou as redes sociais para manifestar, na época, apoio à prisão do petista.

Em outra frente, a indicação de Fábio Mesquita, que chefiaria o Departamento de Vigilância de IST/Aids e Hepatites Virais, foi reavaliada após reação de organizações sociais que criticaram a passagem anterior dele pelo Ministério da Saúde.

Para o lugar dele foi escolhido Draurio Barreira, atualmente gerente de Tuberculose da Unitaid, agência ligada à OMS (Organização Mundial da Saúde).

A decisão de barrar Mesquita, que é pioneiro no combate ao HIV no Brasil e referência internacional no tema, gerou reação de outros setores da sociedade e organizações que o defendiam.

Nas conversas, Lula diz estar concentrado na nomeação para cargos do segundo escalão, em uma tentativa de aplacar descontentamento de aliados que não foram contemplados na Esplanada dos Ministérios.

Dirigentes de partidos que apoiaram Lula ainda no primeiro turno queixam-se do espaço conferido ao PDT, que lançou Ciro Gomes à Presidência. Ciro manteve críticas a Lula durante todo o processo eleitoral.

Lula alega, porém, que a nomeação do presidente do PDT, Carlos Lupi, para o Ministério da Previdência se deve à relação histórica dos dois partidos.



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