Ataque completa um mês com Lula ainda em rusga com militares

Os atos golpistas de 8 de janeiro, que completam um mês nesta quarta-feira, expuseram problemas que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) já calculava antes da posse e agravaram a situação do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cercado por investigações sobre suspeitas de elos com a intentona.

 

O ataque às sedes dos três Poderes, em Brasília, reforçou a avaliação petista de infiltração bolsonarista nas Forças Armadas e em outros órgãos do aparato de segurança nacional. Nesta terça-feira (7), Lula disse que “lamentavelmente o Exército de Caxias foi transformado no Exército de Bolsonaro”.

 

A declaração é sintomática do período de rusgas entre o presidente e os militares que se seguiu após a invasão aos palácios.

 

A crise de confiança aberta pela inércia de corporações que deveriam ter protegido o patrimônio levou o petista a demitir o comandante do Exército, general Júlio Cesar de Arruda, e abriu dúvidas sobre a permanência do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, que acabou mantido no cargo.

 

Para substituir Arruda foi escolhido o general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, que dias antes de ser anunciado fez um discurso incisivo de defesa da institucionalidade, pedindo o respeito ao resultado das eleições e reafirmando o Exército como ente apolítico e apartidário.

 

Desde então, Lula subiu o tom contra a politização das Forças e disse que carreiras de Estado não podem se transformar em “partido político”. Ele também viu motivos para responsabilizar Bolsonaro diretamente pelos movimentos inconstitucionais, acusando o rival político de insuflar os golpistas.

“Esse cidadão preparou o golpe”, disse o petista em entrevista na semana passada. “Eu tenho certeza que o Bolsonaro participou ativamente disso e ainda está tentando participar.”

 

As queixas recaem também sobre aliados do ex-presidente na esfera militar, alvos de apuração em diferentes frentes.

 

O MPM (Ministério Público Militar), órgão ao qual cabe investigar e denunciar agentes que cometeram eventuais crimes no levante, abriu até agora oito investigações preliminares sobre oficiais com participação nos atos golpistas. Como mostrou a Folha, nenhuma denúncia foi apresentada.

 

No grupo civil, daqueles que levaram a cabo o quebra-quebra, a PGR (Procuradoria-Geral da República) já denunciou 653 pessoas envolvidas na invasão e depredação. As ações têm sido feitas em bloco. Na última leva, entre terça (31) e quinta-feira (2) da semana passada, 152 foram denunciados.

 

No front político, Lula colheu vitórias a partir da ameaça autoritária, que aglutinou setores internos e externos em torno da legitimidade de sua eleição e da retórica de pacificação nacional. A mais emblemática cena foi a descida da rampa do Planalto ao lado de governadores da base e da oposição.

 

O governo saiu de certo modo fortalecido do episódio, ainda que a imagem de unidade seja fruto mais da defesa do Estado democrático de Direito do que do consentimento com a agenda política do PT.

 

Lula usou o impulso para manter o antecessor distante da cena e isolá-lo das decisões de Brasília, pintando-o como um dado da realidade que ficou no passado. O esforço é para empurrar o líder de extrema direita e seu entorno radical para o limbo, o lixo da história ou o que mais perto disso for possível.

 

No aspecto geográfico, Bolsonaro continua longe, na Flórida, para onde voou em 30 de dezembro, um dia antes de encerrar o mandato, rompendo a tradição democrática de passar a faixa presidencial ao sucessor.

 

Dos Estados Unidos -de onde não tem previsão para voltar- ele dispara falas para se dissociar dos ataques e clama por uma apuração que individualize as condutas dos vândalos, enquanto no Brasil o desenrolar das apurações o coloca cada vez mais no centro do malfadado plano golpista.

 

Nesta sexta-feira (10), curiosamente, o ex e o atual chefe do Executivo estarão em solo americano. Lula irá a Washington para se encontrar com o presidente Joe Biden, em mais uma etapa do ar de normalidade que o petista quis imprimir ao governo logo após os ataques, sem interromper o trabalho.

Para além das afirmações lançadas na intenção de fustigar o inimigo, como a frase de que a nova gestão “não vai durar muito tempo”, Bolsonaro se engajou na primeira batalha eleitoral depois do virulento segundo turno de 2022 –e, novamente, perdeu. Na disputa pela presidência do Senado, seu candidato, Rogério Marinho (PL-RN), foi superado por Rodrigo Pacheco (PSD-MG), alinhado ao governo.

 

A derrota, na última quarta-feira (1º), foi mais uma demonstração das dificuldades que o ex-presidente enfrenta no processo de reorganizar sua base e reconquistar espaço depois do excêntrico fim de mandato, com a negação do resultado das urnas e a frustração semeada entre uma parcela de seus eleitores.

 

O decorrer das investigações tem trazido pistas de que a reclusão do mandatário coincidiu com o período em que foi tramada, com algum grau de concretude, a anulação da eleição de Lula, no intuito de perpetuar Bolsonaro na cadeira. Resta descobrir se e em que grau o interessado participou das tratativas.

 

Em 12 de janeiro, a Folha revelou que a Polícia Federal havia encontrado na casa de Anderson Torres, ex-ministro da Justiça de Bolsonaro, a minuta de um decreto para criar estado de defesa no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e abrir caminho para reverter o resultado do pleito, algo inconstitucional.

 

O quadro para o ex-presidente se agravou quando vieram a público, na quinta (2), os relatos do senador Marcos do Val (Podemos-ES) de que o então presidente participou de um encontro em que foi discutida a proposta de gravar o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Alexandre de Moraes.

 

Do Val, que seria o escolhido para a missão de fazer a escuta, apresentou diferentes versões posteriores, que atenuavam o papel de Bolsonaro na conspiração e creditavam a articulação ao ex-deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ), preso em consequência dos recorrentes ataques ao STF.

 

A intenção era extrair de Moraes, também presidente do TSE, algo que supostamente serviria de pretexto para questionar a lisura da corte eleitoral e justificar uma intervenção. O magistrado chamou a operação de “tentativa Tabajara” de golpe. Bolsonaro ignorou o caso ao falar para apoiadores em Miami.

 

No dia 13, o ex-presidente foi incluído pelo ministro no rol de investigados por atiçarem os ataques golpistas. Moraes atendeu a um pedido do grupo montado pela PGR para elucidar a instigação e a autoria intelectual do movimento que culminou na depredação da sede dos três Poderes.

 

Bolsonaro também é alvo de 16 ações no TSE que pedem sua inelegibilidade por abuso de poder nas eleições e por condutas que flertaram com o golpismo e o autoritarismo, em afronta à Constituição. Ele, no entanto, dá sinais de que pretende retornar à política e atuar na oposição a Lula.

 

“Por ausência de lideranças de direita no Brasil, eu me vejo na obrigação de coordenar essas novas lideranças que têm surgido para que o Brasil não mergulhe de vez no socialismo ou no comunismo”, disse há alguns dias em entrevista ao americano Charlie Kirk, influenciador de direita que apoia o ex-presidente americano Donald Trump e é investigado por envolvimento na invasão ao Capitólio em 2021.

 

 



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