A Catedral de Cuiabá e o Padre Ernesto
Conta a história de Mato Grosso pelos renovados historiadores Virgílio Corrêa Filho e Rubens de Mendonça que, no dia 26 de maio de 1861, um padre Baiano chamado Ernesto Camillo Barreto foi preso enquanto pregava o Evangelho na igreja Matriz de Cuiabá, hoje Catedral Metropolitana de Cuiabá, durante os festejos do Senhor Divino Espírito Santo.
Após tantos anos estamos aqui relembrando esse triste episódio junto à igreja católica, quando o padre dali foi conduzido preso para o Rio de Janeiro. No Parlamento Nacional, o fato chamou atenção dos Deputados Gerais – Francisco Otaviano de Almeida Rosa e Saldanha Marinho que denunciaram o fato contra o Presidente da província à época, o Cel Antônio Pedro de Alencastro.
Jornalista, patrono da imprensa em Cuiabá, o Padre Ernesto Camillo Barreto, encontrou em suas colunas uma forma de expor as suas ideias e a sua posição política frente o governo da província, à época, governado pelo tenente coronel Antônio Pedro de Alencastro (1859) que, enfureceu-se com a crítica inteligente, que lhe examinava os atos da administração, do referido jornal.
Em função da sua liberdade de expressão, como jornalista, o padre foi punido com uma ordem de prisão emitida pelo governo da época. A população revoltada e autoridades denunciaram os fatos e repudiaram o episódio.
Contam os historiadores que, o padre Ernesto Camilo Barreto, à hora em que anunciava o Evangelho dentro da igreja Matriz do Senhor Bom Jesus de Cuiabá, como pároco, durante a missa festiva, enquanto na manhã os sinos bimbalhavam alegremente, e no ar perdiam-se as últimas notas do hino festivo do Divino Espírito Santo, recebeu a ordem de prisão no dia 26 de maio de 1861 e a notícia da sua deportação para o Rio de Janeiro, determinada pelo presidente da província e pelo comandante das armas. Embora surpreendido com tal violência, aceitou a intimação, e subindo primeiramente ao púlpito, “orou ao Evangelho, e sem se desligar do motivo sagrado, terminou o discurso com as palavras: “vado sed venio ad vos”. A escolta de praças de linha era comandada pelo alferes Justiniano Cândido da Cunha Barbosa.
Concluída a festividade, obedeceu à ordem ilegal, para não resistir às baionetas, recolheu-se ao estado maior do quartel militar, e dali, às 3 horas da tarde, no meio de uma escolta de soldados armados, porém rodeados de amigos, seguiu para o Porto de Cuiabá, à beira do rio, embarcando com destino ao Rio de Janeiro.
Foi acolhido pelo vapor Corumbá, em cujo bordo viajou até o forte de Coimbra, à espera do Marques de Olinda, em sua descida para Montevidéu”.
Em função do acontecido, o Bispo de Cuiabá, à época, comunicou o Ministro da Justiça sobre o fato assim pronunciando: (…) verificará que S. Exa. Revma. O Sr. Bispo de Cuyabá atesta que no clero daquela província esse padre com distinto lugar, é lente muito prestante do seminário, onde relevantes serviços hão prestado.
Verificará que, longe de ir ele buscar fortuna em Mato Grosso, foi o escolhido do venerando Sr. Arcebispo da Bahia para ir naquela província instruir o clero. Assim, pois é uma calunia o que aqui se disse contra o padre Ernesto, e mesmo se ele fosse homem imoral que dizem, isto não atenuaria o crime revoltante praticado por aquele presidente, conforme documento registrado pela Câmara dos Deputados, Sessão de 12 de agosto de 1881, no Rio de Janeiro.
“Logo que chegou ao conhecimento do governo imperial que este atentado fora cometido, devo declarar a V. Exa., à Câmara e ao país que o governo imperial ficou sobremodo surpreendido e indignado mesmo de um procedimento não só criminoso, como ainda por todas as circunstâncias de mais grave alcance no sentido de comprometer a administração pública e os interesses do Estado, sendo praticado como foi por um dos delegados do governo”.
Conforme Virgílio Corrêa Filho, o episódio tornou-se conhecido na Corte, mercê da narrativa de Saldanha Marinho, que declarou, em sessão de 12 de agosto de 1861, da Câmara dos Deputados:
“O Sr. Alencastro não podia sofrer oposição tanto mais que atos traziam em si o estigma da reprovação. Baldo de meios decentes e legais, mandou por um capitão de linha chamar à sua presença o padre, o qual na casa de residência foi por este intimado para não continuar a escrever em oposição. Esta intimação foi acompanhada de ameaças, não só por palavras e promessas do futuro, como de fatos, dispondo-se o próprio presidente em sua sala a espancá-lo com uma cadeira, informou Corrêa Filho.
O deputado Saldanha Marinho disse: “ (…) Não pertenço a província de Mato Grosso (…) O facto grave praticado pelo presidente da província, o Sr. Antonio Pedro de Alencastro, qualificado pelo senhor Ministro da justiça que nominou ‘attentado criminoso’, a que dou plenamente com a S. Exa., e para que o paiz melhor aprecie a justiça da qual passo a relatar o que sei e se acha provado documentos”.
Sobre a prisão, segundo Corrêa Filho, “ Efêmera, a vitória do presidente, cuja exoneração resultou principalmente da violência então praticada contra o douto adversário, cuja presença em Cuiabá o irritava desmedidamente. (…)“Se são verdadeiros os fatos que eu vou denunciar nesta tribuna, afirmou F. Otaviano, em sessão de 10 de agosto, se a província de Mato Grosso está sob a pressão de um administrador tirânico, entendo que ele deve ser demitido pelo governo imperial”. Ao que Sayão Lobato, ministro, aparteou: “ E que já está demitido”. E, contemplando o seu pensamento, esclareceu mais tarde: “ devo declarar, senhor presidente, que em verdade a grave o atentado que foi praticado pelo delegado do governo naquela província longínqua, quando entendeu que podia deportar um cidadão brasileiro, exilando-se do seu domicílio, e assim o constrangeu a fazer uma viagem trabalhosa, preso e conduzido por uma escolta”.
“E assim, logo em primeira conferência de despacho que teve o governo, foi decidida a demissão do sr. Alencastro da presidência da província de Mato Grosso” E o padre Ernesto Camillo Barreto regressou, como havia previsto: VADO SED VENIO AD VOS (prosseguir no outro que vem).
Triunfou, neste lance, a Constituição, que não permitia tais penalidades importadas pelo arbítrio presidencial. E o padre Ernesto regressou, como havia previsto: A Câmara dos Deputados, onde Francisco Otaviano e Saldanha Marinho lhe esposariam a causa, até provocarem a demissão do presidente Alencastro, tornaria, desta vez, com o mandato referido pelo parecer da 3ª Comissão, aprovado em sessão de 1 de maio de 1869, que recomendava: “sejam reconhecido deputados pela província de Mato Grosso o senhor dr. José Maria da Silva Paranhos Júnior e Protonotário apostólico Ernesto Camillo Barreto, conforme Corrêa Filho.
Vale ressaltar que o Pe. Ernesto exerceu em Mato Grosso, os mandatos de Deputado Geral, hoje equivalente a Deputado Federal e Deputado Provincial, que corresponde hoje, a Deputado Estadual, pela Província de Mato Grosso. O padre dentre outros, fundou em Cuiabá, o jornal “ A Imprensa de Cuyabá”, organizou o Seminário da Conceição, membro fundador da Academia Mato-grossense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso, professor, Protonotário, jornalista, escritor.
Neila Barreto é jornalista, historiadora e presidente do Instituto Histórico e Geográfico de Mato Grosso.