PM não apreende arma em casa de acusado e juiz anula provas
Justiça declarou a nulidade de todo material apreendido na residência de um alvo da Operação Placebo em razão da atitude de um policial militar que participou do cumprimento da ordem de busca e apreensão. É que ele encontrou no local a arma de um investigador, não a apreendeu e telefonou para ele aconselhando-o que fosse buscá-la no endereço.
A ligação foi feita pelo celular do próprio alvo, identificado como Julio Cesar de Oliveira Silva, que estava grampeado no momento da chamada (veja o diálogo abaixo).
A Placebo foi deflagrada pelo Grupo de Atuação Especial Contra o Crime Organizado (Gaeco-MT), Polícia Rodoviária Federal, Polícia Civil e Polícia Militar, no ano passado, e desarticulou um suposto esquema de furto, roubo, estelionato e desvio de carregamentos de fertilizantes agrícolas na região Sul do Estado.
A decisão é assinada pelo juiz Jean Garcia de Freitas Bezerra, da 7ª Vara Criminal de Cuiabá, e foi publicada nesta quinta-feira (27).
Consta nos autos que, no decorrer das buscas na residência do acusado, foi localizada uma pistola Taurus, calibre 9mm, que não era de propriedade do investigado.
Na sequência, segundo os autos, o sargento da Polícia Militar Célio Roberto Souza Milhomem utilizou o aparelho telefônico pertencente ao dono da casa para ligar para o proprietário da arma, o policial civil Marcelo Arend.
Segundo o Ministério Público Estadual (MPE), o intuito do sargento era que não fossem gerados maiores problemas a Júlio Cesar, o alvo da operação. O processo não detalha o motivo da arma do investigador estar na casa do acusado.
Leia o diálogo:
“Marcelo: Ow Júlio.
Policial: O Marcelo, bom dia?
Marcelo: Bom dia!
Policial: Aqui quem tá falando é o Sargento Milhomem, tudo bem?
Marcelo: Opa, tudo bem!
Policial: Nós tamos uma busca e apreensão aqui na casa do Júlio, rapaz. E tem uma arma sua aqui.
Marcelo: Tem, tem sim!
Policial: Que que eu vô falar pra você. Pra não complicar a vida dele.
Marcelo: Aham.
Policial: Pega a documentação dele e vem retirar ela aqui.
Marcelo: Tá, éhhhhhh. Até que horas o senhor precisa que eu vá aí.
Policial: Agora.
Marcelo: Tá.
Policial: De preferência.
Marcelo: Tá, deixa eu só colocar uma roupa aqui, já desço aí.
Policial: Então tá beleza, tranquilo.
Marcelo: Tá joia.
Policial: To aguardando aqui.
Marcelo: Tá bão, pede pra ele mandar a localização fazendo favor.
Policial: Ele não sabe não? Hein? Tá falando aqui.
Marcelo: Manda a localização no WhatsApp fazendo favor.
Júlio: Vô mandar a localização procê aí Marcelo, tá.
Marcelo: Tá joia.
Júlio César: Valeu, tchau, brigadão.
Marcelo: Tchau tchau.”
Na decisão, o juiz afirmou que a conduta do policial “maculou sobremaneira a idoneidade das provas”.
“Ora, uma vez que o agente policial fez uso de um telefone legalmente apreendido, cujo bem deveria ser conservado no estado em que se encontrava, assim como atuou para ocultar uma arma de fogo localizada na residência do representado, não há como assegurar que não tenha interferido nos demais vestígios”, escreveu o juiz.
“Logo, tem-se que não foram adotadas pela Polícia cautelas suficientes para garantir a mesmidade das fontes de prova arrecadadas na busca e apreensão da residência do acusado em testilha, não tendo como assegurar, dadas às violações procedimentais já citadas, que os conteúdos dos aparelhos celulares e notebook apreendidos tenham se mantido íntegros”, acrescentou.
O MidiaNews entrou em contato com a Polícia Militar e a Polícia Civil mas até a publicação desta matéria não houve retorno.
A operação
O Gaeco acusa o grupo de agir de várias maneiras para roubar fertilizantes. Na maioria das vezes, conforme os investigadores, os crimes ocorriam quando o produto ainda estava na posse de motoristas, que também eram cooptados para a prática.
Em seguida, a carga era trocada por material adulterado para ser entregue aos produtores rurais que haviam comprado o produto.
A operação foi nomeada de ‘Placebo’ devido à simulação feita pelos criminosos para trocar a carga.
Conforme as investigações, com o material original nas mãos, os suspeitos novamente o adulterava e multiplicava, adicionando produtos de baixa ou nenhuma qualidade, sendo posteriormente revendido a outros produtores rurais como fertilizante agrícola legítimo.
O prejuízo causado pelos crimes investigados, somente em 2019, é de mais de R$ 39 milhões, segundo levantamentos parciais realizados pelas empresas de transporte, agenciamento, produção e comercialização de fertilizantes agrícolas.